Dia 29 de janeiro de 2016

Pressão política dificulta redução do uso de agrotóxicos no Brasil

por Raíza Tourinho & Graça Portela (Icict/Fiocruz)

A família da agricultora Marineide Castro está recomeçando. Ela, que foi “nascida e criada na agricultura orgânica”, teve que desistir por cinco anos de plantar alimentos sem agrotóxicos por falta de apoio e assistência, após os pais saírem da fazenda em que trabalhavam.

“Não tinha ninguém que plantava produtos orgânicos na região e não achávamos a quem vender. Quando tentamos vender na rua, a fiscalização não deixou. Daí começamos a praticamente a dar de graça para os atravessadores: vendia o quilo do feijão, do milho e do quiabo orgânicos por R$ 0,50. Não íamos deixar desperdiçar. Não tínhamos apoio de ninguém. Os amigos nos diziam: larguem de ser bobos, vão ficar sofrendo”, relata. 

Sua família, que até hoje arrenda a terra para trabalhar [uma espécie de aluguel, situação extremamente comum entre os pequenos produtores], chegou a pagar por um pedaço de roça, que nunca existiu. Sem dinheiro e perspectiva, por fim, eles se renderam ao uso dos insumos químicos. Mas o resultado foi desastroso: seu pai faleceu, após desenvolver um câncer de pele e uma infecção respiratória provocada pela exposição desprotegida ao agrotóxico. Marineide voltou para a prática orgânica, mas um cunhado, que continuou com a prática convencional, Leia Mais quase morreu. Após sofrer uma intoxicação aguda (com alergias, desmaios e vômitos) há um ano, ele luta contra um hematoma no fígado.

Mais uma reportagem da série “Agrotóxicos

Mais uma reportagem da série "Agrotóxicos: a história por trás dos números": "Casos de óbito por agrotóxicos sinalizam o esgotamento de um modelo de produção agrícola subsidiado pelo estado brasileiro, segundo a pesquisadora do Departamento de Saúde Comunitária da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFCE), Raquel Rigotto. Ela diz que esses casos “exprimem de uma forma muito forte a falência na garantia do direito constitucional à saúde e uma análise mais aprofundada vai nos mostrar que isto está relacionado a uma cadeia de violações que se inicia desde o modelo de desenvolvimento agrícola adotado nas políticas públicas brasileira no momento atual", enfatiza. Rigotto elenca uma série de indicativos de que o Brasil vem optando pela manutenção e ampliação deste sistema, entre eles o financiamento público, através do BNDES, e as isenções fiscais e tributárias, concedidas pelo governo federal e por alguns estados. É o caso da redução de 60% para todos os agrotóxicos, na cobrança da alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), concedida através do convênio 100/97, e renovado 16 vezes. A última, em outubro, estendeu a validade do convênio até o final de abril de 2017. Em alguns estados, como o Ceará, a isenção fiscal chega a 100%. “Do nosso ponto de vista, é um escândalo na saúde pública produtos como esse não ter taxação”.