Agrotóxicos tiveram isenção fiscal de R$ 2,07 bilhões só em 2018

Isso significa que indústria deixou de pagar, por dia, R$ 5,5 milhões aos cofres públicos; para entidades, produtores orgânicos ficam prejudicados

Por Alex Bessas, de O Tempo

Acumulando uma série de incentivos fiscais, a bilionária indústria dos agrotóxicos deixou de pagar em 2018 mais de R$ 5,5 milhões em impostos por dia. Essa política tributária, que beneficia o uso de pesticidas, é criticada por produtores de alimentos orgânicos e agroecológicos, que se veem em desvantagem comercial, e é alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), que está pronta para ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Para se ter uma ideia, dez dias de isenções fiscais à indústria dos agrotóxicos equivalem ao total investido pelo governo federal em estudos em agroecologia entre 2010 e 2016. Neste período, foram R$ 55,69 milhões para o setor.

No ano passado, houve um total de R$ 2,07 bilhões em isenções fiscais aplicadas à modalidade, segundo cálculo da ONG Terra de Direitos – que foi parceira do Ministério Público Federal na realização da audiência pública “Isenção Fiscal de Agrotóxicos”, no fim de junho. Detalhe: essa cifra pode ser maior, já que o estudo não leva em conta exonerações estaduais.

“As informações sobre as isenções apresentadas se referem a dados do Tribunal de Contas da União (TCU) e também de levantamento do defensor público de São Paulo Marcelo Novaes”, explica a assessora jurídica da organização, Naiara Bittencourt.

Sinalizando que a atual política tributária funciona como um estímulo ao uso desses produtos, Rafael Arantes, nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), acredita que “estamos diante de uma ação de intensificação de um modelo que já é sobrecarregado”.

Exemplo disso é o acelerado ritmo de liberação de pesticidas em 2019: dos 2.476 pesticidas que podem ser vendidos no país, 410 ganharam autorização neste ano. Outro fator que corrobora essa “intensificação”, diz Arantes, é o marco regulatório instituído em julho pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quando o risco de morte se tornou critério único para classificar os agrotóxicos.

Balança é desigual e torna agroecologia menos competitiva

“É uma balança completamente desigual, que torna a agroecologia menos competitiva”, reclama Fernando Ataliba, representante da Associação de Agricultura Orgânica (AAO). Ele lembra que, entre outros incentivos, os agrotóxicos contam, desde 2014, com isenção do pagamento de tributos como o Programas de Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) na importação e sobre a receita bruta de venda no mercado interno.

“Produtos que recebem benefícios devem ser essenciais aos cidadãos brasileiros. Aqueles potencialmente causadores de danos devem ser desincentivados pelo poder público com taxações maiores”, sustenta Naiara Bittencourt, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos. “Em um momento de austeridade, de crise fiscal e de déficit público, estimular essas isenções é um contrassenso”, diz.

Já Cobi Cruz, presidente da Organis, sem visualizar um panorama que indique revisão dessa prática, prefere concentrar esforços na organização de toda a cadeia comercial de orgânicos. Ele vê como desafios: “fazer que os produtores acreditem nesse modelo”, “melhorias na logística e na gestão do agricultor” e até mesmo a construção de uma relação mais sólida com o setor varejista.

Supremo vai analisar o tema

As isenções fiscais para agroquímicos é alvo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, proposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016.

A medida, que recebeu parecer favorável da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, questiona a redução de 60% na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), conforme Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ e isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), medida adotada em 2011.

Para a Procuradoria Geral da República (PGR), ao conceder benefícios fiscais aos agrotóxicos, as normas fomentam o uso intensivo desse tipo de substância. Dessa forma, além de contrariarem os direitos ao meio ambiente equilibrado (artigo 225 da Constituição Federal), e à saúde (artigo 196), violam o princípio constitucional da seletividade tributária (artigos 153, parágrafo 3º, inciso I, e 155, parágrafo 2º, inciso III).

A questão está pronta para ser analisada e aguarda data para apreciação do Supremo. O relator é o ministro Edson Fachin. Se o plenário do STF decidir seguir a posição da PGR, os benefícios podem ser cancelados a partir do julgamento da ADI.

Ministério diz atuar em diversas frentes

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) argumenta que há políticas de incentivo em diferentes frentes. A pasta cita como exemplo os Núcleos de Estudo em Agroecologia (NEAs), que atuam na promoção de pesquisa e formação.

Entre 2010 e 2016, foram destinados por volta de R$ 55,69 milhões para 399 desses NEAs – o valor, distribuído no período, equivale ao que se deixou de arrecadar nos primeiros dez dias de 2018 por conta de isenções fiscais para agrotóxicos.

O Mapa também cita o Plano Safra 2019/20, que, por meio do Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura, disponibiliza cerca de R$ 2,09 bilhões para o financiamento, com juros de 7% ao ano, da produção agropecuária em bases ambientalmente sustentáveis.

A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) não respondeu à reportagem se os incentivos seriam essenciais para a agroindústria nacional e não se manifestou sobre as críticas feitas à política fiscal

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