Isenção de impostos para agrotóxicos é inconstitucional, aponta ministro Edson Fachin

O ministro e relator da Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 que questiona isenção fiscal para agrotóxicos, Edson Fachin, proferiu voto na manhã de sexta-feira, 30 de outubro, no qual sustenta a inconstitucionalidade da redução em 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e a isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. 

Dando o tom do julgamento virtual, Fachin acolheu integralmente em seu voto a ação ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, que questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011, que garantem, há 23 anos, redução e isenção tributária ao mercado de agrotóxicos.

O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.  

“O voto sustenta a interpretação extensiva do princípio da função socioambiental da propriedade, alinhado com o desenvolvimento sustentável, do princípio constitucional da precaução, de proteção ao meio ambiente, saúde, segurança alimentar e seletividade tributária”, avalia Naiara Bittencourt, assessora jurídica da Terra de Direitos, uma das organizações que integram o processo na condição de amicus curiae.

Desde o ajuizamento da ação, diversas organizações de defesa dos direitos humanos, saúde, consumidor, meio ambiente e defensorias públicas do estado de São Paulo e União participaram do processo, em contraponto à argumentação das entidades representativas do agronegócio e da indústria de agrotóxicos. Para estas organizações, o voto do ministro pode se converter em um importante precedente nas decisões jurídicas futuras, em favor do meio ambiente, da alimentação saudável e da saúde da população, e o anseio é que os demais ministros acompanhem o voto do relator. 

“Nossa expectativa sobre manifestação do conjunto dos ministros do STF é de que possa indicar que o Estado brasileiro reconheça que o modelo dependente do uso de agrotóxicos e em grandes extensões não é desejável para o país, para o planeta e produz catástrofes ecológicas, perda de biodiversidade, contaminação e exploração de comunidades afetadas, entre outros. Temos expectativas de que outros ministros possam seguir na defesa da vida, da saúde e do meio ambiente equilibrado”, sublinha o pesquisador da Fiocruz e integrante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Marcelo Firpo.  

Os ministros têm até 10 de novembro para registrarem seu voto de forma virtual. Caso haja algum pedido de vista, ou seja, algum ministro solicite tempo para análise da matéria, o julgamento deve ser posteriormente retomado de modo telepresencial ou presencial, em data a ser definida pelo presidente da Corte, Luiz Fux.

Aumento do preço dos alimentos?

Presente no argumento do agronegócio, que defende a manutenção da isenção dos impostos, um possível aumento no preço dos alimentos pelo fim da desoneração foi rebatido pelo ministro Fachin. Para ele, “há uma série de fatores do mercado internacional que determinam sua cotação” e, para garantir o princípio da essencialidade, a isenção deveria incidir no produto final e não nos agrotóxicos, “de modo, portanto, a alcançar o seu efetivo destinatário, o consumidor, independente do uso de agrotóxicos na cadeia produtiva”.

Mesma análise tem sido presente, de forma persistente, nas falas das organizações.A integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Juliana Acosta, reafirma que o uso de agrotóxicos tem sido mais intenso em produtos voltados para o mercado externo, como a soja e o algodão. O plantio de soja, por exemplo, representa 63% do total de agrotóxicos utilizados no Brasil (Dados UFMT).

“Não se sustenta o argumento de que a desoneração tributária de agrotóxicos resulta em menor preço de alimentos, porque a grande utilização de agrotóxicos no Brasil é para produção de commodities, mercadoria para exportação, e não de produtos alimentares para a mesa das brasileiras e brasileiros.”, destaca. 

De acordo com o Censo Agropecuário (2017), áreas de pequena extensão são as de menor uso dos agrotóxicos. Propriedades de 2 a 5 hectares, as maiores em número no Brasil – com cerca de 420 mil estabelecimentos cultivados majoritariamente pela agricultura familiar – afirmam gastar cerca de 1,67% das despesas de produção com agrotóxicos. 

Estímulo à produção de alimentos saudáveis

Outro destaque do voto do ministro Fachin apontado pelas organizações sociais é a referência ao direito, constitucionalmente assegurado, da alimentação saudável e do papel do poder público como indutor de políticas direcionadas a este fim. Em atenção ao cuidado com saúde e meio ambiente, o ministro manifestou que não identifica isenções que estimulem a produção de alimentos saudáveis, em oposição ao estímulo dos alimentos produzidos com agrotóxicos. 

“Outro ponto importante do voto se refere ao reconhecimento da agroecologia e da agricultura orgânica, com base em manifestações da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional  e outros, indicando que há ausência de efetividade de normas fiscais indutoras das atividades agrícolas sustentáveis. Isto é, pode-se depreender que há uma disparidade na política fiscal brasileira quanto à isenção de agrotóxicos e ausência de políticas fiscais efetivas de promoção da agroecologia”, destaca Naiara. 

Princípio da precaução

Na manifestação do voto, o ministro não se restringiu a analisar a questão tributária, mas evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. 

“O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, aponta Fachin.

Para Firpo, a menção ao princípio de precaução pelo ministro é um reconhecimento necessário em tempos de flexibilização da legislação ambiental e medidas governamentais de violação do direito à alimentação saudável. “Fico satisfeito que tenha sido evocado e espero que isso se torne uma tônica dentro das ações do STF. E no caso específico de vários agrotóxicos nem existe mais tantas incertezas. A verdade é que já sabemos que a grande maioria são perigosos para saúde e para o meio ambiente, afetam abelhas e polinizadores, afetam a qualidade do solo, entre outros”, destaca. 

Fachin ainda conclui que a isenção de impostos deve incidir sobre produtos que não geram ônus à saúde e ao meio ambiente. “Para que haja concessão de qualquer incentivo, os benefícios devem ser voltados a práticas consideradas menos poluentes e mais benéficas à fauna, à flora e a toda a coletividade”

Providências

Além de reconhecer a procedência da ação pelo fim isenção de impostos dos agrotóxicos, o ministro demanda que sejam notificados um conjunto de órgãos públicos, como a Casa Civil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária e os Ministério da Fazenda, do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e da Saúde, entre outros, para que realizem a supervisão da desoneração tributária de IPI incidente sobre a importação, produção e comercialização de agrotóxicos. 

Ele também aponta a necessidade da adoção de mecanismos de acompanhamento e avaliação periódica da desoneração tributária e de transparência das desonerações tributárias federais, entre outras medidas. 

O voto dos demais ministros pode ser acompanhado no site do STF

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