O extermínio dos indígenas passa pelo morte de sua cultura, acredita missionária

Ribeirinha do Pará dedica sua vida aos povos Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul

 

Por Nadine Nascimento, com foto de Dagmar Talga

 

“Nossa vivência é no ritmo das águas, da floresta, da roça que sai nosso alimento. Como é um conjunto, todo o nosso jeito de pensar, de viver, de se organizar vem do convívio com a natureza”. É assim, a partir da territorialidade, que a ribeirinha Maria Lucélia da Silva, também missionária do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), define sua existência. 

Saída do município de Itupiranga, no Pará, ainda na adolescência, a ribeirinha iniciou sua missão com os povos indígenas como parte da Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas. Hoje, aos 34 anos, lembra como desde a infância essa essa vontade se manifestava. “O que me levou para esse trabalho foi ouvir meu pai dizer que a nossa região foi ‘limpada’ para que o ‘progresso’ pudesse chegar. E essa ‘limpeza’ foi o extermínio dos indígenas para a construção da Transamazônica”. 

A construção da Transamazônica, rodovia que liga os oceanos Atlântico e Pacífico, durante a ditadura militar, levou à morte de milhares de indígenas, à remoção forçada de seus territórios, ao contágio por doenças, prisões, torturas e maus tratos. “Eu cresci pensando que quando eu pudesse eu faria diferente, estaria ao lado desses povos, fazendo algo que pudesse minimamente reparar aqueles danos”, conta.

Para Maria Lucélia, a identificação entre os povos ribeirinhos e indígenas é muito natural: “Nossa relação é próxima porque a gente dividia o mesmo rio”. Segundo ela, de um lado do Rio Cajazeiras estava sua comunidade, e do outro, uma comunidade indígena. 

Recentemente, a missionária foi enviada para realizar seu trabalho em Dourados, no Mato Grosso do Sul, região onde os Guarani Kaiowá vivem. “São povos muito guerreiros! Eles têm uma resistência tão grande de continuarem organizados, falando em sua língua materna e, mesmo que por muitos anos foram retirados de seu território original e levados para as reservas, eles mantém sua cultura tradicional, suas festas e sementes milenares.”

O extermínio dos povos nativos, para Maria Lucélia, não têm só a ver com a morte de seus corpos, mas também de seus saberes e modo de vida. “Para mim o mais chocante é ver eles perdendo sua língua materna, justamente por causa desse tal de progresso. O processo de expulsão de seus territórios, trazendo para o meio dos não indígenas, fez com que muitos deixassem suas tradições.”

Formada em serviço social, com uma vida dedicada ao outro, a missionária tem uma fala generosa e acolhedora, algo que aprendeu em seu território. “Sou uma pessoa silenciosa porque foi o que eu aprendi com a mata, ela tem uma vida profunda. A espiritualidade da mata é magnífica, então, a mata é minha diretora espiritual.”

Maria Lucélia participa do curso Agrotóxicos e Saúde: Subsídios Para a Vigilância Popular, da região Centro-Oeste, que acontece em Várzea Grande, no Mato Grosso, entre os dias 2 a 11 de julho. O curso é fruto de uma parceria entre a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e a Fiocruz.

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