Pela terceira vez alunos e professores são contaminados por agrotóxicos em escola da zona rural do município de Belterra, no Oeste do Pará

Por Tapajós de Fato l Publicado em 13 de junho de 2024.

Comunidade São Francisco da Volta Grande – Foto das redes sociais

Na manhã do dia do 12 de junho, alunos e funcionários da Escola Municipal Vitalina Mota, localizada na comunidade São Francisco da Volta Grande, km 37 da BR 163, município de Belterra, Oeste do Pará, viveram mais uma vez momentos de agonia com irritações, coceiras nos corpos e dor nos olhos que podem ter sido ocasionadas pelo borrifamento de veneno nos campos de plantações de soja da região.

Servidores da escola e alunos precisaram ser levados à Unidade Básica de Saúde para atendimento médico devido aos sintomas e também para evitar o agravamento dos problemas de saúde. De acordo com informações apuradas pelo Tapajós de Fato, na UBS foram realizados 23 receituários médicos para tratamento de cefaleia (dor de cabeça), para alergias, náuseas e dor nos olhos. Foram feitas também, pelo menos, 14 notificações de contaminação por agrotóxicos, e a UBS entregou para a escola Vitalina Mota. 

Durante a manhã do dia 12 não foi vista nenhuma atividade de borrifamento de agrotóxicos no entorno da comunidade, no entanto, alguns moradores desconfiam que o despejo dos agrotóxicos tenha sido realizado no período da madrugada (por volta das 4h da manhã), na região das comunidades São Francisco da Volta Grande e Amapá, que ficam entre os KM 34 e 37 da BR163, e, por isso, as crianças e as professoras da escola apresentaram os sintomas de contaminação. A desconfiança se reforça também porque várias pessoas (entre contaminadas e não contaminadas) sentiram um mau cheiro na região das duas comunidades mencionadas, que pode ser de agrotóxicos utilizados naquele perímetro.
Há informação também que um documento foi elaborado pela UBS para a escola, tratando sobre acidente de trabalho, considerando que a área da escola, e a comunidade em geral, está totalmente cercada por campos de monocultivos onde são despejados agrotóxicos nas plantações, gerando contaminações como as que têm ocorrido.

Essa não é a primeira vez que a escola Vitalina Mota interrompe as atividades escolares em decorrência de problemas de saúde devido à contaminação por agrotóxicos. No dia 27 de janeiro e no dia 6 de fevereiro de 2023, pelo menos 33 pessoas, entre alunos e professores, apresentaram os mesmos sintomas em decorrência do uso de  agrotóxicos em uma área ao lado do terreno da escola. As aulas foram suspensas e as vítimas precisaram de atendimento médicos.

Alunos esperando atendimento médico na UBS no dia 12 de junho. Foto: Divulgação redes sociais

Ainda em 2023, o Ministério Público do Pará emitiu uma Recomendação para a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), Secretaria Municipal de Gestão de Turismo e Meio Ambiente de Belterra (SEMAT) e para a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (ADEPARÁ) que fiscalizassem o problema, verificassem se os agrotóxicos estavam sendo utilizados conforme a legislação brasileira e que advertissem com medidas cabíveis o responsável pelos danos causados.
Após tomar conhecimento da situação, constatar práticas nocivas para a saúde das pessoas e enviar, entre os meses de janeiro e fevereiro de 2023, 38 notificações para o produtor de soja responsável pelos crimes ambientais, o Instituto de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) aplicou uma multa de R$1 milhão de reais ao produtor e proibiu o uso de agrotóxicos até que as determinações do órgão fossem cumpridas.

Com a desconfiança de um novo episódio de contaminação coletiva pelo uso de agrotóxicos, ainda pela manhã dia 12 de junho de 2024, o MPPA foi acionado. Segundo informações obtidas pela equipe do Tapajós de Fato, o MP acionou órgãos de fiscalização, secretarias e polícias para averiguar a situação. O delegado de Polícia Civil, o Secretário de Meio Ambiente de Belterra, o delegado da Delegacia Especializada em Conflitos Agrários e a Vigilância Sanitária foram até a escola.
Diante do fato de mais de 20 pessoas, entre adultos e crianças, apresentarem problemas de contaminação, parte do corpo docente da escola Vitalina Mota foi notificado para prestar depoimento sobre o caso na Delegacia Especializada em Conflitos Agrários, que fica em Santarém.
Heloise Rocha é professora há nove anos da escola Vitalina Mota e vivenciou todos os episódios de contaminação por agrotóxicos da escola. “Infelizmente, é a terceira vez que isso ocorre na escola. Infelizmente a soja cerca a escola e as comunidades”, relata.
A professora pontua que o agronegócio está fazendo as pessoas morrerem aos poucos devido aos agrotóxicos utilizados na região. “O fato é que a soja está matando aquela população”.
Na escola, os danos vão aumentando cada dia mais, além da contaminação dos agrotóxicos o rendimento escolar está prejudicado, “essa questão do agrotóxico ela vem causando um baixo rendimento escolar, porque, no dia 12 de junho, estava marcado as avaliações”. No período da manhã os alunos tiveram as aulas interrompidas, e as aulas do período da tarde foram suspensas, “por causa da borrifação”.
A professora explica que a saída de algumas famílias da comunidade tem diminuído o número de alunos. “A escola diminuiu duas turmas. Nós temos uma sala vazia pela manhã e uma sala vazia pela tarde”. Segundo a professora, cerca de 34 alunos não renovaram matrícula para o ano de 2024.

Heloise, e outras duas colegas de profissão foram intimadas e prestaram depoimento na Delegacia de Conflitos Agrários, que está investigando a contaminação coletiva ocorrida no dia 12 de junho. Após prestarem depoimento, as professoras foram encaminhadas para a polícia criminalistas, onde foi feita coleta de material (sangue e urina),  para exames mais completos. Mas Heloise ressalta que o problema precisa ser abordado  como um problema que vai além da escola “deveria ter sido feito vários exames toxicológicos naquele momento”, finaliza.

Sala de coleta da Polícia Criminalista de Santarém –  Foto: Tapajós de Fato

A situação envolvendo a escola Vitalina Mota evidencia um problema muito maior causado pelo agronegócio na região do Planalto Santareno (Santarém, Mojuí e Belterra), além da destruição das florestas, o agronegócio, por meio do uso irresponsável de agrotóxicos, envenena as águas e contamina as pessoas.

Belterra é um município em situação crítica, o número de doenças neurológicas causadas pelo uso de agrotóxicos cresceu 600%, como aponta estudo da Universidade Federal do Oeste do Pará.
A professora Caroline Braga, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação Em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento da UFOPA desenvolve a pesquisa “Contaminantes ambientais e riscos de exposição múltipla na Amazônia Oriental”, que tem coordenação tripla com a Universidade de Brasília e a Universidade Federal do Amapá. Ao Tapajós de Fato, ela explicou que a pesquisa está “investigando a exposição por agrotóxicos e metais na saúde ambiental e humana”. Caroline Braga trabalha com a “exposição por agrotóxicos na saúde humana, na região metropolitana de Santarém (incluindo Mojuí dos Campos e Belterra)” .
Com o estudo Caroline Braga explica que a realidade do Planalto Santareno é uma realidade comum como outras áreas de expansão do monocultivo,  “infelizmente, em todo o mundo, áreas de expansão de fronteira agrícola, via monoculturas, possuem seus passivos pela intensa pulverização de agrotóxicos que chegam aos organismos não alvo, como populações que residem no entorno e outros componentes do meio ambiente”, explica.
A pesquisa pode ser utilizada para dar novos rumos para a realidade do Planalto Santareno.  “O objetivo é entregar evidências científicas para versar sobre o risco deste tipo de exposição cruzada na região, por isso a escolha das comunidades, já que é sabido que a região tem despontado na produção de grãos como a soja, significativamente utilizadoras de compostos químicos para o plantio e desenvolvimento do grão”.

A destruição do município para a implantação de milhares de hectares de descampados utilizados pelo setor do agro gera profundos danos na vida das pessoas. Há aqueles que preferem largar suas terras em busca de tranquilidade para seguir a vida. A diminuição de alunos na escola coloca em risco também os empregos dos educadores que, em algum momento, podem não ter para quem dar aulas porque aquela escola está deixando de ser um local seguro para ensinar e para aprender devido o uso intensivo de agrotóxicos.

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