Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) enviou uma nota ao Senado em que alerta para os riscos da aprovação do Pacote do Veneno (PL 6299/2002). A nota reforça que, se aprovado, o PL trará “danos irreparáveis aos processos de registro, monitoramento e controle de riscos e dos perigos dos agrotóxicos no Brasil”.
O posicionamento foi elaborado pelos integrantes do Grupo de Trabalho (GT) Agrotóxicos e Saúde da autarquia, e divulgado nesta segunda-feira (14), cinco dias após a aprovação do Pacote na Câmara dos Deputados.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida segue a mobilização para barrar o Pacote do Veneno! Veja aqui materiais para fazer parte desta luta nas redes e nas ruas.
Confira abaixo a nota da Fiocruz na íntegra:
COMUNICADO DO GT AGROTÓXICOS E SAÚDE DA FIOCRUZ
AOS SENADORES DA REPÚBLICA E À POPULAÇÃO
Gravidade para a Saúde Pública decorrente da aprovação do PL 6.299/2002
A Fundação Oswaldo Cruz, por meio do Grupo de Trabalho Agrotóxicos e Saúde, vem a público manifestar sua preocupação quanto aos prejuízos para o ambiente e à saúde da população decorrentes do Projeto de Lei (PL) 6.299/2002, aprovado em caráter de urgência na Câmara dos Deputados em 09/02/2022 e que ora se encaminha à apreciação do Senado Federal.
O referido Projeto de Lei, se aprovado no Senado da República, promoverá danos irreparáveis aos processos de registro, monitoramento e controle de riscos e dos perigos dos agrotóxicos no Brasil, com graves danos à saúde humana e ao ambiente. Como principais pontos, destacamos:
- Permite o registro de produtos mais tóxicos, como aqueles que causam câncer, problemas reprodutivos, distúrbios hormonais e para o nascimento, segundo estudos científicos robustos, ao modificar a lei de 1989. Por essa razão, o PL não permitirá a aprovação de produtos mais modernos e de menor toxicidade. Ao contrário, o Brasil será muito mais permissivo para o registro de agentes mais tóxicos e obsoletos, tornando-se mercado preferencial para esses produtos, uma vez que grande parte já foi proibida em outros países exatamente por serem muito tóxicos. Os destinos preferenciais dos produtos mais seguros para a saúde humana e para o ambiente serão aqueles países cuja regulação é mais protetiva.
- Retira a função histórica dos Ministérios da Saúde e do Meio Ambiente sobre a regulação dos agrotóxicos, usurpando o poder de decisão sobre o registro desses agentes.
- Confere ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) maior poder de decisão sobre esses produtos que podem afetar a saúde e o ambiente, sem a interveniência dos respectivos Ministérios, que têm a prerrogativa legal e a capacidade técnica, em suas respectivas áreas de atuação, de opinar sobre as nocividades dos agrotóxicos.
- Apoia-se em argumentos frágeis. Considerando-se que o arcabouço regulatório atual prevê que a análise do registro de produtos de grande interesse agronômico e do mercado sejam considerados prioritários na fila de avaliação dos órgãos reguladores (Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, e Mapa), não se justifica, para esse fim, que seja necessária a aprovação do PL e que as funções sejam deslocadas para o Mapa.
- Promove maior fragilização das diversas ações desempenhadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente quanto ao monitoramento e vigilância da água, da qualidade dos alimentos, dos ambientes de trabalho e das populações expostas aos agrotóxicos, além de sobrecarregar as ações assistenciais em 2 todos os níveis de atenção à saúde devido ao potencial aumento de casos de adoecimento pela exposição a esses agentes.
- Retira o poder dos estados e municípios para legislar de forma mais protetiva sobre o que estará determinado pelo PL, desconsiderando características de cada território, desde clima, relevo, condições ambientais, perfil populacional até a estrutura dos serviços de saúde para atendimento dos casos esperados de doenças.
- Coloca sob responsabilidade exclusiva do Mapa a divulgação dos resultados sobre monitoramento de agrotóxicos em água e alimentos, sem uma devida interpretação dos órgãos de saúde e meio ambiente sobre as consequências dos achados nas suas respectivas áreas de conhecimento.
A Fiocruz atua na temática de Agrotóxicos e Saúde há muitas décadas, seja na pesquisa, na formação, na vigilância e no monitoramento laboratorial dessas substâncias na água, alimentos e nos ambientes, incluindo o do trabalho. A expertise acumulada ao longo de décadas de atuação nos permite afirmar que o PL irá impor graves retrocessos à sociedade, ampliando a contaminação ambiental e a exposição humana aos agrotóxicos, e que podem se materializar em adoecimento e morte da população, em especial daqueles em maior situação de vulnerabilidade.
O recente documento Dossiê contra o pacote do veneno e em defesa da vida! , publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que deverá ser entregue pela Fiocruz a todos os senadores, reuniu um conjunto robusto de evidências técnicas sobre as consequências em caso de aprovação do PL 6.299/2002, elaborado por alguns dos maiores especialistas no tema do país. O Dossiê reuniu também diversas notas de posicionamento técnico e científico de diferentes organizações nacionais e internacionais, como da Anvisa, Ibama, Instituto Nacional de Câncer (INCA), Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Trabalho (MPT), Organização das Nações Unidas (ONU), a própria Fiocruz e várias outras, firmemente contra a aprovação do referido Projeto de Lei.
Em nome da elevada preocupação da Fiocruz com a Saúde Pública brasileira, solicitamos a Vossas Excelências que considerem esses posicionamentos e as preocupações de cientistas nacionais e internacionais que estudam os danos decorrentes dessas substâncias. Como instituição pública especializada, a Fiocruz se coloca à disposição para debater com profundidade e auxiliar Vossas Excelências na tomada de decisão sobre um PL que afetará de forma substancial a saúde e o meio ambiente.
14 de fevereiro de 2022