Reforma tributária diminui benefícios a agrotóxicos e abre espaço a questionamentos

Texto da Reforma Tributária aprovado nesta semana mantém benefícios fiscais aos agrotóxicos, porém em percentual menor do que o atual. Mudança de última hora abre margem para contestação

Desde o surgimento da Campanha Contra os Agrotóxicos, em 2011, uma de nossas principais pautas é o fim dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. Desde a década de 1990, o agronegócio junto ao lobby das transnacionais agroquímicas vêm conseguindo sucessivos benefícios fiscais aos agrotóxicos, aplicando diversas isenções tanto na fabricação quanto na comercialização destas substâncias.

Atualmente vigora pelo Convênio ICMS 100/1997 uma redução de no mínimo 60% da alíquota de cobrança do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) a todos os agrotóxicos, sendo que em alguns estados o desconto é de 100%. Há ainda isenções totais de IPI (Lei Nº 10.925/2004) e isenções de PIS/PASEP e Cofins.

Este benefícios partem do princípio de que agrotóxicos seriam produtos “essenciais”, quando na verdade sabemos que sua essencialidade refere-se apenas ao lucro das empresas e ao câncer da população. Essenciais de fato são os alimentos produzidos de forma agroecológica, que deveriam, esses sim, serem beneficiados por um regime fiscal diferenciado.

A iniciativa desta Reforma Tributária, cujo objetivo principal é juntar impostos e simplificar o sistema tributário, teria a possibilidade de acabar com as isenções aos agrotóxicos, e utilizar a política fiscal para incentivar a cadeia produtiva agroecológica.

Porém, o poderoso lobby do agronegócio não permitiu. Ainda assim, consideramos que, especificamente no tema dos agrotóxicos, houve pelo menos dois grandes ganhos no texto aprovado pela Câmara Federal no último dia 6:

  1. As isenções fiscais aos agrotóxicos, que atualmente variam entre 60% e 100%, ficarão agora fixas em 60%. Os agrotóxicos, como todos os insumos agropecuários, ficaram no regime descrito no Artigo 9o, que receberá 60% de desconto do imposto unificado. Com isso, não teremos mais isenções totais, como ocorre hoje.
  2. A última versão do texto retirou a menção à Lei 10.925/2004 na descrição dos insumos agropecuários. Assim, ao contrário do penúltimo texto apresentado pelo relator, os agrotóxicos não estarão mais explicitamente citados na Constituição Federal. Isso permitirá que continuemos na luta por declarar as isenções fiscais como inconstitucionais.

O STF, neste momento, está analisando a ADI 5553, que classifica as isenções fiscais aos agrotóxicos como inconstitucionais. Já há um voto a favor desta tese (Min. Edson Fachin), e um contrário (Min. Gilmar Mendes). O Min. André Mendonça pediu vistas recentemente.

Caso tenhamos vitória neste julgamento, será possível questionar a inclusão dos agrotóxicos dentro do rol de insumos agropecuários beneficiados.

Sobre os temas mais amplamente relacionados à Alimentação Saudável e Meio Ambiente, subscrevemos a nota da Reforma Tributária 3S — saudável, solidária e sustentável que reproduzimos a seguir:

NOTA SOBRE A APROVAÇÃO DA REFORMA TRIBUTÁRIA PELA CÂMARA DOS DEPUTADOS

A Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quinta-feira (6/7), em dois turnos, o texto-base da reforma tributária, com alterações significativas no sistema de cobranças de impostos, taxas e contribuições do país. Nós, organizações reunidas em defesa de uma
reforma tributária saudável, solidária e sustentável, consideramos que o texto traz propostas positivas, mas ainda mantém preocupações, que merecem ser monitoradas ao longo da tramitação e posterior regulamentação.

Nós, organizações da sociedade civil unidas na defesa de uma Reforma Tributária 3S — saudável, solidária e sustentável — saudamos a inclusão no texto aprovado pela Câmara dos Deputados de propostas fundamentais para a promoção da saúde, proteção do meio ambiente e redução das desigualdades no país. Destacam-se a redução de 100% nas alíquotas de tributos de produtos como hortícolas, ovos e frutas,
medicamentos e cuidados básicos à saúde menstrual. A criação da Cesta Básica Nacional de Alimentos, também com alíquota zero, poderá ser motivo de comemoração e um importante marco para o direito humano à alimentação adequada caso a posterior definição dos alimentos integrantes seja orientada pelo Guia Alimentar para População Brasileira, portanto, sem a presença de produtos ultraprocessados, comprovadamente nocivos à saúde.

Vale destacar a inclusão da redução das desigualdades de renda como objetivo do cashback, mecanismo que prevê a devolução de parte dos recursos arrecadados com impostos sobre bens e serviços para o consumidor final que esteja em determinada faixa de renda, a ser regulamentado posteriormente. Não obstante, constitui um retrocesso que tenham sido retirados das finalidades do cashback os marcadores de “raça e gênero”, que estavam previstos no relatório preliminar apresentado na quarta-feira.

A inclusão dos produtos de cuidados menstruais e dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência na lista de produtos passíveis de incentivos fiscais é bem-vinda, tal qual a previsão da progressividade no imposto sobre heranças e imposto veicular sobre aeronaves e embarcações privadas e recreativas.

Na área de sustentabilidade também houve alguns avanços, com a proteção ambiental sendo princípio básico para novos incentivos regionais, para projetos financiados com recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) e como diretriz do Imposto Seletivo para evitar externalidades negativas.

É motivo de comemoração, ainda que parcial, a criação de Imposto Seletivo sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente, já que eles só serão definidos em regulamentação posterior e não irão considerar também os impactos ao equilíbrio climático. Causa espanto, portanto, a total ausência de qualquer menção à mudança climática ou à necessária redução de emissões de gases de efeito estufa, em confronto direto à Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), que determina a inclusão do tema no sistema tributário.

Mais ainda, consideramos extremamente preocupante e negativa a inclusão, de última hora, de um dispositivo que permite que itens com alíquota reduzida, como “produtos agropecuários” e “alimentos para consumo humano”, possam ficar de fora da lista de produtos sobre os quais incidirá o Imposto Seletivo, o que, na prática, é uma brecha para que produtos ultraprocessados e agrotóxicos, por exemplo, escapem de tributação específica que visa, justamente, à redução de seu consumo.

Apesar dos avanços pontuais, ainda que extremamente importantes, há um longo caminho para que a reforma tributária seja efetivamente saudável, solidária e sustentável.

Lamentamos a ausência, e persistiremos para que o Senado revise as lacunas, de uma de nossas propostas ao texto do relator, a que previa revisão e redução de incentivos ou benefícios tributários à luz dos impactos econômicos, socioambientais e da melhoria de qualidade de vida da sociedade brasileira. Além disso, com o fim do ICMS Verde, ao menos 18 estados que o recebem hoje por cuidarem de suas áreas verdes ficarão sem qualquer alternativa para garantir compensação em municípios que invistam em saneamento, na coleta de resíduos e na adaptação climática. Por isso, insistimos na implantação do IBS Ecológico, que distribua recursos aos municípios com base em critérios objetivos de melhora na qualidade de vida da população.

Consideramos preocupantes as brechas que possibilitam alíquota reduzida de 60% para produtos ultraprocessados e agrotóxicos, nocivos à saúde e ao meio ambiente, e a restrição para que somente os produtos extrativistas vegetais “in natura” sejam estimulados com redução da alíquota em 60%, o que vai prejudicar as economias da sociobiodiversidade e impactar negativamente nos primeiros elos de cadeias extrativistas, como do açaí e da castanha, por exemplo, que demandam processamento mínimo para transporte e comercialização com segurança para o consumidor.

Após a finalização da votação pela Câmara dos Deputados, a reforma tributária será enviada ao Senado Federal, de forma que esta foi apenas a primeira fase de uma reforma mais ampla e necessária ao sistema tributário nacional. Em grande parte, as questões ora em debate pelos parlamentares tratam da simplificação do arcabouço de cobrança de impostos para bens e serviços, ficando adiada a necessária e urgente discussão sobre a tributação de renda e patrimônio de brasileiras e brasileiros.

A reforma tributária tem implicações muito mais amplas e profundas do que apenas a simplificação e adequação de impostos. Queremos deixar um legado positivo e estruturante para esta e as próximas gerações, de vida digna, com justiça social, saúde, equilíbrio do clima e preservação do meio ambiente.

E é por isso que as organizações que defendem a Reforma Tributária 3S continuarão seu trabalho, para que o sistema tributário brasileiro seja reformado na íntegra e se torne, enfim, uma ferramenta para a erradicação da pobreza e da fome, redução das desigualdades e promoção da saúde e da sustentabilidade no país.

07 de julho de 2023.

Assinam
1) ACT Promoção da Saúde
2) Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
3) IDS – Instituto Democracia e Sustentabilidade
4) IEB – Instituto Internacional de Educação do Brasil
5) OCA – Observatório Castanha-da-Amazônia
6) Oxfam Brasil)
7) Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
8) ÓSocioBio – Observatório das Economias da Sociobiodiversidade
9) Gestos (soropositividade, comunicação e gênero)
10) Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

2 comentários

  1. Realmente o caminho para a verdadeira sustentabilidade é ainda comprido e dependendo da conscientização da população.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *