Por Marina do MST l Brasil de Fato – publicado em 03 de maio de 2024.
Há quase quatro décadas na luta contra a pobreza no campo brasileiro, me surpreendi na última quinta-feira (25) com um artigo publicado em O Globo, intitulado “A alface transgênica é urgente para o Brasil”, de autoria da engenheira agrônoma Maria Thereza Pedroso. Em seus argumentos, ela destaca que a pobreza rural no Brasil se deve à falta de acesso à tecnologia e chama a luta em defesa das sementes crioulas de “discurso difuso”. Para nós, da agroecologia, a semente crioula – e não a alface transgênica! -, é urgente para o Brasil.
A promessa da alface biofortificada transgênica parece repetir os passos do arroz dourado. O cereal foi geneticamente modificado ainda em 2000 para expressar elevados teores de betacaroteno, um precursor da vitamina A, com a promessa de combater a cegueira e outras doenças relacionadas à falta da vitamina. Acontece que os métodos de modificação genética das plantas são imprecisos e o arroz dourado produz baixos e variáveis níveis de betacaroteno. Em razão disso, uma mulher adulta deveria ingerir entre 2 kg e 20 kg de arroz para ter a dose diária necessária de vitamina A. Alimentos como batata doce, cenoura e espinafre oferecem mais betacaroteno do que o arroz dourado. Talvez por isso essa promessa nunca tenha saído do papel.
Assim, associar os transgênicos como o caminho “tecnológico” para combater a pobreza rural é uma falácia que ouvimos desde a Revolução Verde, cujos pacotes tecnológicos agravaram as desigualdades sociais, contaminaram o meio ambiente e priorizam a produção de commodities para exportação, em detrimento da produção de alimentos para o povo brasileiro.
A abordagem defendida por Maria Thereza representa uma intelectualidade comprometida com os interesses hegemônicos do grande capital da agricultura. É importante destacarmos que a valorização das tecnologias é uma luta de vida toda dos movimentos sociais do campo e são construídas a partir do diálogo de saberes.
É urgente que a agricultura familiar brasileira seja reconhecida como sujeito de inovações e de produção de tecnologia.
A agroecologia como ciência vem há décadas expondo isso. As sementes crioulas representam hoje, para parcela significativa do campo brasileiro, autonomia de escolha de qual variedade cultivar, resgate da tradição e fontes de segurança e sustentabilidade alimentar. Por sua vez, os bancos de sementes representam justamente um mecanismo de segurança em relação à aquisição dessas sementes, garantindo estoques e sua disponibilidade aos agricultores familiares.
A pobreza e a evasão do campo têm causas muito mais complexas e profundas que vão muito além de um debate tecnológico, são consequência de um modelo conservador de desenvolvimento do campo que não foi capaz de distribuir terras para as famílias agricultoras. Tem a ver também com a necessidade de ampliação de políticas públicas que garantam acesso aos direitos camponeses em sua integralidade.
Se a intenção é de fato combater a insegurança alimentar no país, que segundo acaba de divulgar a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ainda afeta em algum grau 21,6 milhões de domicílios, a pesquisa agrícola e as políticas públicas devem fomentar a produção de alimentos diversificados e saudáveis a partir do fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia.
Defender os transgênicos e atacar as sementes crioulas, cuja diversidade genética é um patrimônio do nosso país, é propor uma fórmula que já se demonstrou ineficiente. Para combater a pobreza no campo e a fome precisamos reconhecer os territórios quilombolas e indígenas; e desenvolver um amplo programa de reforma agrária popular que redistribua milhões de hectares que não cumprem a sua função social, destinando-os à produção agroecológica de alimentos saudáveis para a nossa população.
*Marina do MST é deputada estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e mestra em Geografia.
**Artigo com contribuições da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).