Por Roberta Quintino l Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
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Cercado pelo agronegócio, o Acampamento 8 de Março, em Planaltina (DF), abriga cerca de 80 famílias em uma área de apenas três hectares. Há 13 anos, homens, mulheres e crianças enfrentam diversas violações, como especulação imobiliária, grilagem de terras, exposição a agrotóxicos e destruição de nascentes na região conhecida como Águas Emendadas. Além disso, sofrem com a contaminação do solo e da água e a pressão constante do avanço da fronteira agrícola.
Para discutir os impactos dos agrotóxicos na saúde humana e no meio ambiente, além de orientar os assentados sobre como formalizar denúncias relacionadas às violações do agronegócio, no sábado, 15, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), realizou uma oficina no acampamento.
A biomédica e pesquisadora da Fiocruz, Karen Friedrich, destacou a gravidade do uso de agrotóxicos no país. “O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, superando países como Estados Unidos, China e Rússia. Enquanto outros países proíbem esses produtos por seus efeitos nocivos, aqui eles continuam sendo liberados em larga escala”, destacou Karen.
Ela também criticou a influência das grandes empresas fabricantes de agrotóxicos sobre órgãos reguladores, como a Anvisa, o Ministério da Agricultura e o Ibama. “Enquanto o Ibama tem tentado frear a liberação de novos agrotóxicos, a Anvisa e o Ministério da Agricultura têm aprovado uma grande quantidade desses produtos, muitos dos quais já foram banidos em outros países por causarem câncer, desregulação hormonal e problemas reprodutivos”, denunciou.
Impactos na saúde e no meio ambiente
Durante a oficina, os moradores relataram diversos sintomas e doenças típicas da intoxicação por agrotóxicos, como doenças de pele, constantes dores de cabeça, transtornos neurológicos e o aumento de casos de câncer entre os assentados.
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Nesse contexto, a biomédica explicou os efeitos agudos e crônicos do contato com agrotóxicos. “Se uma pessoa entra em contato com esses produtos e, em até 24 horas, começa a sentir sintomas como náuseas, tonturas ou dificuldades respiratórias, isso é um efeito agudo. Já os efeitos crônicos podem aparecer anos depois, como câncer, problemas hormonais e até infertilidade”.
A pesquisadora também destacou a importância de notificar os casos suspeitos de intoxicação aos serviços de saúde. “É fundamental que os profissionais de saúde notifiquem esses casos. Isso ajuda a mapear onde estão ocorrendo os problemas e a cobrar ações do Ministério da Saúde e dos governos estaduais e municipais”, afirmou. Ela orientou os participantes a levarem informações detalhadas, se possível, o nome do agrotóxico e a bula do produto, para auxiliar no diagnóstico e no tratamento.
Isenção de impostos e lobby das empresas
Outro ponto abordado foi a isenção fiscal concedida aos agrotóxicos desde a década de 1990. “Esses produtos não pagam impostos, o que significa menos recursos para áreas essenciais como saúde, educação e saneamento básico. Enquanto isso, as grandes empresas lucram bilhões de dólares”, criticou Karen.
Ela também mencionou a pressão exercida por essas corporações no Congresso Nacional e nos órgãos reguladores. “Elas estão sempre lá, influenciando decisões que afetam a vida de milhões de pessoas. Precisamos que os trabalhadores rurais, os movimentos sociais e as organizações participem desses processos de decisão”, defendeu.
Karen reforçou a importância da mobilização popular e da pressão por políticas públicas que priorizem a agricultura familiar e a produção de alimentos saudáveis. “Precisamos de mais investimentos em programas que incentivem a agroecologia e a produção de alimentos sem venenos. Enquanto isso, continuaremos denunciando os impactos dos agrotóxicos e lutando por um modelo agrícola que respeite a vida”, concluiu Karen.
Como denunciar?
A advogada popular e integrante do Coletivo Jurídico da Campanha Zé Maria do Tomé, Iara Sánchez, destacou a importância de identificar os danos causados pelos agrotóxicos, tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente. “Quando há intoxicação, o primeiro passo é observar o que está sendo afetado: nosso corpo, os animais que adoecem ou morrem, as plantas que murcham ou deixam de produzir, e até as abelhas, que são vitais para a polinização”, explicou. Ela reforçou que a comunidade deve estar atenta a esses sinais e documentar tudo, desde os sintomas nas pessoas até os impactos na natureza, para fortalecer as denúncias.
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Iara também abordou as falhas na legislação sobre o uso de agrotóxicos, especialmente em relação às distâncias mínimas de aplicação. “A legislação federal permite que estados e municípios definam essas distâncias, mas poucos o fazem. No Distrito Federal, por exemplo, não há uma regulamentação específica, o que permite, por exemplo, que agrotóxicos sejam aplicados a poucos metros de comunidades, escolas ou nascentes”, denunciou. Ela orientou os participantes a registrarem fotos, vídeos e dados sobre a aplicação, como horário, condições climáticas e distância das áreas afetadas, mantendo os arquivos originais como prova.
Além disso, a advogada enfatizou a importância de notificar os casos de intoxicação aos serviços de saúde e de buscar apoio coletivo. “Os profissionais de saúde são obrigados a notificar esses casos, mas muitas vezes não o fazem. Por isso, é fundamental que a comunidade se mobilize, faça exames, registre boletins de ocorrência e busque parcerias com universidades, vereadores e deputados para fortalecer a denúncia”, concluiu. A mobilização coletiva, segundo Iara, é fundamental para pressionar os órgãos competentes a agir e garantir que as violações sejam devidamente investigadas e responsabilizadas.
Compromisso
Ao final da atividade, a Campanha Contra os Agrotóxicos se colocou à disposição para expandir a oficina a outros territórios, levando o debate e as orientações sobre os impactos dos agrotóxicos a mais comunidades. Além disso, a Campanha se disponibilizou a articular, em conjunto com outras organizações, a elaboração de materiais informativos e contribuições técnicas que possam avançar na construção de legislações mais protetivas, tanto em nível estadual quanto federal. A iniciativa também inclui a organização de ações políticas, como a realização de audiências públicas e a mobilização de redes de apoio para pressionar por mudanças concretas nas políticas públicas relacionadas ao uso de agrotóxicos.
A oficina contou ainda com a presença de acampados e assentados dos territórios Noelton Angélico e Ana Primavesi. Além da participação de representantes da Assessoria Jurídica Universitária Popular – Roberto Lyra Filho e da Terra de Direitos.
Disputa
A área do acampamento 8 de março, localizado na Fazenda Toca da Raposa, é alvo de disputa judicial. O latifundiário Mário Zinato alega ser proprietário da área. No entanto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra afirma que o local pertence à Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap). Zinato é responsável pela produção de monocultivos, como soja e milho, com uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, além da criação de gado.