Os desafios para o debate ambiental e agrotóxicos no Brasil

Da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

O Brasil vive uma ofensiva contra os marcos de proteção ambiental, seus territórios, seus povos e sua biodiversidade. Em nome do lucro de poucos, avança a lógica da destruição, disfarçada de desenvolvimento sustentável. Neste 5 de junho, Dia do Meio Ambiente, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida denuncia o agronegócio como um dos principais responsáveis pela crise ambiental, política e social no país. Controlando a produção e o comércio de commodities agrícolas, os preços dos alimentos, as sementes, as máquinas e os insumos, esse modelo se sustenta na apropriação dos recursos naturais e da biodiversidade brasileira, deixando um rastro de doenças, destruição e morte.  

Nas últimas semanas, vimos um ataque político à ministra Marina Silva, figura histórica na luta ambiental. O ataque, embora direcionado a ela, é parte de um projeto maior, ou seja, deslegitimar a agenda ambiental, esvaziar políticas públicas e abrir caminho para o avanço de projetos de poder alinhados ao agronegócio. É a cara da velha política ruralista que tenta, mais uma vez, pintar o Brasil como terra sem lei para garimpo, pecuária e veneno.

Exemplo dessa escalada é o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental ( PL 2159/2021), conhecido como “PL da Devastação”, que tramita no Congresso Nacional. Ao transformar o licenciamento em mera formalidade burocrática, o projeto escancara as porteiras para empreendimentos de alto impacto em áreas protegidas, sem que sequer seja necessário um Estudo de Impacto Ambiental. Esse desmonte ameaça diretamente comunidades tradicionais, povos indígenas, populações do campo e da cidade. É a flexibilização da destruição e o incentivo à violação de direitos.

A isso se soma o uso de agrotóxicos, que, sem controle efetivo, se tornou arma química contra os territórios, contaminando as águas, o solo e alimentos, atingindo principalmente quem vive cercado pelas commodities de soja, milho e algodão. Com a fragilização do licenciamento ambiental, situações como o desmatamento intencional de 80 mil hectares no Pantanal — com uso de venenos para destruir a vegetação nativa e abrir espaço para a pecuária — tendem a se tornar cada vez mais comuns. Da mesma forma, tende a crescer o número de conflitos no campo em que os agrotóxicos são utilizados como instrumento de expulsão de comunidades de seus territórios. O aumento no consumo de venenos impulsiona o desmatamento, amplia o avanço do agronegócio sobre florestas e cerrados, e sufoca as experiências agroecológicas que seguem resistindo e cultivando vida em meio à devastação.

Segundo Gisele Barbieri, da coordenação de incidência política da organização Terra de Direitos, o texto final do PL 2159/2021 é uma proposta da bancada parlamentar que representa o setor do agronegócio no Congresso Nacional, um setor que foi responsável por mais de 97% do desmatamento no Brasil nos últimos seis anos, de acordo com levantamento do MapBiomas. 

“Essa proposta tão agressiva ao meio ambiente foi elaborada para manter os projetos de infraestrutura defendidos pelo agronegócio, baseados na devastação, nas monoculturas sustentadas pelo uso de agrotóxicos e que geram impactos para toda a sociedade, mas com mais intensidade para a população negra, moradora de periferias e povos tradicionais”.

Para Pedro Vasconcelos, Secretário Geral da FIAN Brasil, a ofensiva contra o meio ambiente — do desmonte do licenciamento à pulverização descontrolada de agrotóxicos — é uma ofensiva contra o direito humano à alimentação adequada. Ele destaca que, como previsto na Lei 11.346/2006 (Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional), “o Estado tem o dever de proteger os alimentos de substâncias nocivas e garantir sustentabilidade na sua produção. Contudo, ao incentivar a devastação de biomas e a contaminação das águas, inviabiliza-se a produção diversificada de comida saudável, ferindo a soberania alimentar de comunidades”. 

Em vez de frear essa destruição, o Estado ainda mantém isenções fiscais bilionárias para agrotóxicos, produtos comprovadamente danosos à saúde humana e ambiental, contrariando o princípio da seletividade tributária. Nesse contexto, é urgente rever esse modelo de justiça fiscal invertida, que onera alimentos saudáveis, impacta o Sistema Único de Saúde e alivia o bolso de quem lucra com o adoecimento da população e da natureza.

Frente a esse cenário, a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que será realizada no Brasil em 2025, precisa ser mais do que um palco para discursos e acordos de prateleira. As organizações e movimentos sociais não podem permitir que a COP30 seja apenas vitrine para aspirantes a cargos políticos ou para empresas que, enquanto vendem compromissos “verdes”, continuam lucrando com a destruição. A sociedade civil precisa ocupar esse espaço, pressionar por medidas reais e denunciar as contradições de um modelo que lucra com a crise climática enquanto posa de sustentável.

Vasconcelos aponta que a reversão desse cenário de crise exige políticas que priorizem a terra para quem nela produz vida, com restrição a agrotóxicos, incluindo atenção a territórios e comunidades com maior risco de exposição e apoio a modelos como a agroecologia, que integram saúde ambiental e alimentar.

No mesmo sentido, a coordenadora da Terra de Direitos ressalta que, como ação de resistência, “é preciso ouvir, respeitar e valorizar os conhecimentos e modos de produção e de vida de quem sempre protegeu e preservou seus territórios. Assim enfrentaremos de maneira séria a crise climática, reconhecendo que o racismo ambiental amplia desigualdades e impacta de maneira diferente determinadas populações e territórios”.

Para a Campanha Contra os Agrotóxicos, essa reversão e resistência passam, necessariamente, pela implementação de políticas públicas que seguem sendo sistematicamente negligenciadas, como o PRONARA – Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos. Ignorado pelo governo apesar das inúmeras promessas de lançamento, o programa representa uma resposta ao enfrentamento da crise climática e à contaminação dos territórios. Sua implementação é urgente para frear o avanço do veneno no campo e na mesa e garantir o direito de todos e todas à alimentação saudável e a um ambiente equilibrado.

Neste 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, reafirmamos que não há futuro sustentável sem justiça ambiental e social. É urgente barrar o avanço do PL 2159/2021 e de outras propostas que desmontam o marco legal ambiental. Exigimos do Congresso Nacional e do governo federal a defesa incondicional do meio ambiente, o fortalecimento dos órgãos de fiscalização, a retomada de políticas de agroecologia e a reestruturação do licenciamento ambiental com participação social.

Convidamos os movimentos populares, entidades ambientais, sindicais e a sociedade como um todo a se somarem à luta pela vida e contra os agrotóxicos. Em defesa das águas, dos territórios e da biodiversidade.

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