Dos Babaçuais à ONU: a luta agroecológica contra os agrotóxicos no Maranhão

Por Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA) l Publicado em 23 de setembro de 2025.

Reprodução: RAMA

No dia 23 de setembro de 2025, em um evento paralelo na sede da ONU em Genebra, a Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA) levou a voz das comunidades tradicionais impactadas pela violência do agronegócio e pela pulverização aérea de agrotóxicos. O evento foi organizado pelo Instituto Brasileiro de Direitos Humanos em parceria com a RAMA, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e outras organizações.

Entre as participantes, destacou-se a fala de Ariana Gomes, quebradeira de coco babaçu e secretária executiva da RAMA.

Em seu discurso, ela apresentou uma reflexão antropológica sobre os impactos da pulverização aérea: mais do que envenenar corpos e alimentos, a prática rompe vínculos ancestrais, identidades e modos de vida tradicionais. Ao mesmo tempo, reafirmou o sonho coletivo da organização: um Maranhão livre de agrotóxicos, com territórios preservados, a agroecologia fortalecida e políticas públicas que protejam efetivamente os povos e comunidades tradicionais.

Confira na íntegra o discurso de Ariana Gomes abaixo:

Eu sou Ariana Gomes, minha identidade é de quebradeira de coco babaçu, trabalho na secretaria executiva da Rede de Agroecologia do Maranhão-RAMA e compomos a Coordenação Operativa da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e Articulação Nacional de Agroecologia-ANA. Estou na região da Baixada maranhense.

Para essa fala, busquei na minha formação em antropologia para trazer alguns pontos de reflexão ao que o Maranhão tem enfrentado nessa luta contra os agrotóxicos, em destaque para uso de pulverização aérea de agrotóxico por avião e drone.

Do ponto de vista antropológico, o território não é apenas um espaço físico. Ele é um lugar de existência, de memória e de sentido. Para os povos e comunidades tradicionais do Maranhão — quilombolas, indígenas, quebradeiras de coco, ribeirinhos e camponeses —, o território é extensão direta de seus corpos, de suas práticas culturais, espirituais e de seus modos de vida. Nesse contexto, a violência do agronegócio se expressa não apenas na destruição ambiental, mas na própria desestruturação simbólica e física desses sujeitos.

A pulverização de agrotóxicos por aviões e drones representa uma das formas mais brutais dessa agressão. Ela atravessa corpos e territórios de maneira invisível, silenciosa e cotidiana. Quando um avião sobrevoa um quilombo ou uma roça agroecológica, lançando veneno sobre as plantações, os rios e os quintais, não está apenas envenenando alimentos ou contaminando a água: está invadindo um espaço sagrado, rompendo laços ancestrais e desrespeitando formas de vida historicamente resistentes.

Os corpos que adoecem — com intoxicações, problemas respiratórios, doenças de pele e até câncer — são corpos coletivos, que carregam as marcas de uma luta por permanência. Eles não são apenas corpos biológicos, mas também corpos sociais, políticos e territoriais, inscritos em uma história de resistência, pertencimento e ancestralidade. A agressão química se soma à violência histórica do racismo ambiental, da grilagem, da expropriação e da negação do direito ao território.

Antropologicamente, é possível afirmar que pulverizar territórios é também pulverizar identidades, memórias e direitos. O agronegócio, ao impor seu modelo produtivista e tecnocrático, ignora as formas tradicionais de se relacionar com a terra — baseadas no respeito aos ciclos naturais, na coletividade e na diversidade. O veneno não mata apenas as pragas que o sistema identifica como inimigas: ele ameaça a continuidade de culturas inteiras.

Neste cenário, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e a Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA) assume um papel fundamental. Mais do que denunciar os impactos dos agrotóxicos, essas redes constroem alianças, fortalecem narrativas e reafirmam o direito à vida com dignidade. Elas apontam para uma concepção de território como bem comum, e de agroecologia como prática de cuidado, de cura e de resistência. Diante dessa realidade, estamos denunciando essas práticas de pulverização aérea de agrotóxicos por avião e drone como crimes ambientais e violações de direitos.

Um olhar para os corpos e territórios pulverizados é reconhecer que a luta contra os agrotóxicos é também uma luta pela preservação de mundos plurais — onde cada comunidade tem o direito de existir segundo seus próprios modos de vida, sem que aviões ou drones carregados de veneno rompam os fios que ligam passado, presente e futuro.

No último encontro do GT de juventudes da RAMA, eu estava na mesa de debate e um jovem me perguntou: Qual é o sonho da RAMA? E eu uso dessa pergunta, para descrever esse sonho que não é solitário, é coletivo, porque é sonhado pelo conjunto de pessoas/organizações que compõem essa grande Rede, que acreditam no mundo mais justo para viver.

Do ponto de vista do esperançar, a RAMA sonha com um Maranhão onde a vida floresça em todas as suas formas: nos corpos saudáveis, nos solos vivos, nas águas limpas, nas roças diversas, nas feiras agroecológicas, nos territórios preservados e nas vozes dos povos tradicionais que ecoam resistência e sabedoria.

É um sonho que se opõe frontalmente à lógica do veneno, do lucro acima da vida, da terra como mercadoria e dos corpos como descartáveis. A RAMA sonha com territórios livres de agrotóxicos, onde nenhuma criança adoeça porque um avião pulverizou sua escola, nenhum agricultor precise se proteger do próprio alimento que planta, nenhuma mulher precise abandonar sua terra porque o veneno destruiu sua lavoura.

É um sonho de soberania alimentar, em que cada comunidade possa cultivar o que come, trocar sementes crioulas, partilhar saberes e celebrar colheitas, sem depender de pacotes tecnológicos que envenenam e escravizam.

É um sonho em que a ciência caminha junto com o saber popular, onde a agroecologia não é só técnica agrícola, mas forma de vida, de relação com a natureza e de cuidado com o outro. Um sonho onde a justiça social e ambiental se entrelaça, onde os povos do campo, das águas e das florestas possam viver com dignidade, em territórios respeitados e protegidos.

Sob o olhar do esperançar, o sonho da RAMA é também ação concreta e cotidiana: está nas mãos que plantam sem veneno, nas rodas de conversa, nas oficinas, nas denúncias, nas caminhadas coletivas e nas feiras agroecológicas que desafiam o sistema.

O sonho da RAMA é um Maranhão onde os corpos não sejam mais pulverizados, mas nutridos de alimentos saudáveis. Onde os territórios não sejam mais invadidos, mas respeitados. Onde a agroecologia não seja apenas uma alternativa, mas o caminho natural para um futuro possível. Que haja efetivação do PRONARA – Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos; que leis municipais e estadual no Maranhão possam proteger esses territórios; que haja mais fomento à agroecologia como política pública; e, Proteção da saúde pública e do meio ambiente.

Que neste mês em especial amanhã, dia 24 de setembro em que se comemora o Dia Estadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, que as quebradeiras possam continuar seus modos de vida tradicional, coletando o coco de forma livre, sem impedimentos das cercas de arame, cercas elétricas, e do veneno que tem destruído florestas de babaçu. O babaçu que é fonte de renda e de vida para milhares de quebradeiras. Que nenhuma palmeira tombe em detrimento a expansão do agronegócio.

Esse sonho, mesmo diante das adversidades, segue vivo. Porque é feito de esperançar coletivo, de luta que se cultiva como se cultiva a terra: com paciência, cuidado, resistência e amor.

Com agrotóxico, não há agroecologia!

 

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