Apesar do discurso conservacionista, Brasil segue liberando agrotóxicos altamente tóxicos e se consolida como lixeira química do mundo

Por Cida Oliveira l Blog do Pędłowski – publicado em 7 de outubro de 2025.

Foto: Reprodução.

O Brasil tem se apresentado como candidato a líder ambiental global. Nesse sentido vai sediar em novembro, em Belém, a conferência mundial da ONU sobre o clima, a COP30. A pretensão, no entanto, não coaduna com os sinais de desprezo pelo meio ambiente e a saúde pública ao reforçar a defesa dos interesses do setor de agrotóxicos. Na última quinta-feira (2) o Ministério da Agricultura publicou uma nova lista de registros, desta vez com 27 ingredientes ativos concentrados (produtos técnicos), que as indústrias utilizam para fabricar tantos outros produtos aplicados principalmente nos latifúndios do agronegócio exportador.

Esse conjunto de ingredientes tem em sua composição 13 substâncias. Seis são classificadas como muito perigosas ao meio ambiente, uma é altamente perigosa e seis, perigosas. Quanto à toxicidade à saúde, 12 são categorizadas como “improvável de causar danos agudos” devido à exposição. E uma está entre aquelas “sem classificação” porque não haveria dados toxicológicos suficientes para determinar seu nível e tipo de toxicidade.

Os ingredientes ativos glufosinato de amônio, tidiazurom e trifloxistrobina são os mais prevalentes. Cada um corresponde a quatro dos novos registros, conforme a tabela a seguir.

Venenos e transgênicos

O herbicida glufosinato de amônio foi banido na União Europeia em 2009. Um dos substitutos do paraquate, proibido no Brasil em 2020, a substância se supera em vendas desde então. Em 2021 foram 6.627,19 toneladas vendidas, mais de 2,5 vezes que as 2.628,74 toneladas no ano anterior. Vendeu 11.321,06 toneladas em 2022 e 9.580,15 em 2023. Em 2017 a comercialização era de 1.137,65 toneladas, segundo o Ibama.

Aplicado em lavouras de soja, milho, cana, citros e eucalipto, entre outras, tende a vender muito mais com o trigo transgênico resistente ao agrotóxico. Em março de 2023, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou o plantio e a venda do cereal geneticamente modificado no país, contrariando apelos de cientistas, consumidores e até fabricantes do setor. A presença de resíduos do agrotóxico no pão de cada dia, no macarrão, pizza, biscoitos e tantos outros produtos assusta e desagrada o consumidor. O herbicida é prejudicial a organismos aquáticos e do solo devido a seus efeitos tóxicos, desequilibrando assim as comunidades microbianas e os ecossistemas interligados.

Há indícios fortes de prejuízos à saúde, como mutações no DNA das células, levando ao desenvolvimento de doenças como o câncer. A professora Sonia Hess, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), menciona, entre outros, os resultados de uma pesquisa da Universidade Agrícola da China publicada em 2019. Os autores constataram efeitos tóxicos sobre o fígado e o sistema reprodutivo, com danos aos testículos, de lagartos machos expostos a solo contaminado com glufosinato de amônio.

Já o pesquisador argentino Eduardo Martin Rossi, da organização Naturaleza de Derechos, compilou trabalhos científicos sobre as intoxicações agudas e crônicas causadas pelo glufosinato (acesse aqui). Entre eles, danos ao sistema nervoso, respiratório, coração e músculos. E mais: Alterações na memória, autismo e um desequilíbrio da flora intestinal, que por sua vez prejudica a absorção dos nutrientes.

Tidiazurom 

O princípio ativo do herbicida está em quatro produtos registrados no Brasil em 2024, após 16 anos que a substância perdeu seu registro na União Europeia. Após avaliação, uma comissão sobre agroquímicos do bloco considerou o produto obsoleto e decidiu pelo fim do registro em 2008. A substância se mostrou ultrapassada quando comparada com outros de tecnologia mais avançada. Conforme autoridades ambientais, a substância é muito tóxica para a vida aquática, com efeitos duradouros.

Trifloxistrobina

O fungicida está na mira de autoridades dos Estados Unidos e União Europeia devido a indícios de danos aos ecossistemas aquáticos. Estudos mostram acúmulo de resíduos altamente tóxicos para peixes e outros invertebrados. E Também para a saúde do solo, já que afeta a ação de comunidades microbianas sobre nutrientes e atividades enzimáticas, prejudicando o processo de sequestro de carbono pela vegetação.

Segundo autoridades ambientais, o princípio ativo representa prejuízos à reprodução. Estudos mostram que ratos de laboratório expostos à trifloxistrobina tiveram redução nos níveis de testosterona, o que sugere a possibilidade de problemas na reprodução masculina. Foi observada também a redução de bactérias intestinais associadas ao bom funcionamento de hormônios. Há ainda outros estudos que levantam a suspeita de desregulação endócrina.

Agentes mais tóxicos

A lista do Ministério da Agricultura inclui o herbicida lambda-cialotrinaclassificado como altamente perigoso ao meio ambiente. Quanto à toxicidade à saúde, vai do extremamente tóxico ao improvável de causar dano agudo, dependendo da formulação. O perigo da substância às abelhas foi constatado em estudos realizados em vários países. As abelhas têm papel importante na reprodução vegetal, já que participam da reprodução da maior parte das espécies vegetais. Portanto, sem elas a produção de alimentos e as florestas correm ainda mais riscos. Há ainda pesquisas que alertam para a correlação da substância com danos às células do fígado e à toxidade no sistema nervoso de ratos.

Alta contaminação em águas subterrâneas

O herbicida S-Metolacloro teve suas vendas ampliadas no Brasil, segundo dados do Ibama. Passou de 7.238 toneladas, em 2020, para 9.374 toneladas, 11.599,70 toneladas e 13.327,58 toneladas nos anos subsequentes. Porém está proibido no mercado europeu desde o ano passado. Autorizações para produtos derivados da substância também foram retiradas e há um prazo para o descarte e o uso dos estoques existentes. A rejeição foi justificada pela alta concentração do ingrediente em águas subterrâneas. Durante o processo, a agência europeia para produtos químicos considerou tamém estudos que demonstraram potencial riscos de tumores hepáticos em ratos expostos à substância.

Atualmente o S-Metolacloro está sendo reavaliado no Canadá. Autoridades consideram os impactos ambientais e à saúde. A agência reguladora do setor abriu recentemente consulta pública e aguarda manifestações que podem levar a uma possível proibição.

O herbicida Dicamba está no centro de debates na União Europeia, Estados Unidos e Canadá, que avaliam medidas contra os efeitos nocivos da sua alta volatização. O produto tem atingido e destruído plantações vizinhas, que não são alvo da ação herbicida. A Justiça dos Estados Unidos proibiu o uso em lavouras de soja e algodão transgênicos em 2020 e 2024. A medida incluiu a suspensão da pulverização excessiva.

Consulta pública e possível proibição

Agora em setembro o governo do Canadá abriu consulta pública visando à reavaliação especial do registro do agente ativo e seus derivados. Autoridades canadenses estão preocupadas com esse mesmo risco às plantas vizinhas. Estão sendo cogitadas mudanças para reduzi-lo, com atualização das zonas de proteção de deriva de pulverização e adoção de medidas de mitigação para volatilidade. A proibição não é descartada.

Já em relação à toxicidade à saúde, evidências científicas sugerem que o dicamba seja um disruptor endócrino, podendo interferir na ação de hormônios e, por tabela, no funcionamento normal de organismos e na reprodução. Há também estudos apontando que usuários do produto têm risco aumentado de câncer, e outros que relacionam a exposição ao aumento do risco de hipotireoidismo.

Outros proibidos

O inseticida tiamexam é um neonicotinóide que, segundo pesquisas, afeta o sistema nervoso central das abelhas, causa desorientação, o que as impede até mesmo de retornar às suas colmeias. Há também trabalhos científicos que apontam danos ao sistema digestivo, reprodutivo e imunológico desses polinizadores, que em muitos casos levam à morte. Por essa razão o produto tem sido banido em vários países. A União Europeia baniu em 2009. O impacto para as abelhas tem levado também a restrições do uso, como no Brasil. Após reavaliação ambiental, no início de 2024 o Ibama limitou esses agrotóxicos, proibindo a pulverização aérea ou com tratores sobre lavouras de cana, soja, trigo algodão, eucalipto e milho, entre outros.

O herbicida diclosulam é outro que não tem registro no bloco europeu para fins agrícolas. O pedido para renovação do registro foi rejeitado devido a potenciais riscos ambientais. Em sua decisão, a autoridade europeia para a segurança dos alimentos considerou a toxicidade para aves e organismos aquáticos. E ainda o risco potencial de contaminação generalizada e duradoura das águas subterrâneas.

O fungicida picoxistrobina perdeu seu registro na União Europeia e no Reino Unido em 2018, após reavaliação. Preocupações com os altos riscos à vida aquática, minhocas, mamíferos e abelhas justificaram a decisão. Diversos estudos chamam atenção para o risco potencial de danos a esses polinizadores.

O herbicida Sulfentrazona é outro banido em 2009 na União Europeia devido à potencial toxicidade para o desenvolvimento e a reprodução animal. Isso inclui redução do peso corporal fetal e redução/atraso na ossificação esquelética observados em estudos em camundongos, ratos e cães. Nos Estados Unidos a substância tem uso controlado devido aos riscos ambientais quanto a lixiviação para águas subterrâneas. E também danos à vida aquática. Por isso não pode ser aplicado perto de corpos d’água e em áreas com águas subterrâneas rasas ou solos arenosos para evitar contaminação.

Os “menos” perigosos

O inseticida metoxifenozida tem degradação ambiental lenta, com potencial de persistência, podendo contaminar águas subterrâneas e intoxicar a vida aquática. Águas superficiais de solos permeáveis, como aqueles de plantio de arroz irrigado, também podem ser afetados. Por essas razões o inseticida é considerado altamente tóxico para a vida aquática. Atualmente o produto é alvo de medidas de controle na União Europeia.

Autoridades para segurança dos alimentos no bloco reduziram recentemente o limite máximo de resíduos permitidos em algumas hortaliças. A adequação terá de ser cumprido até janeiro do próximo ano. Em 2014, um processo de reavaliação encontrou dados de ensaios de resíduos incompletos para a berinjela, por exemplo. E os fornecidos a partir de então apontaram para a necessidade de redução desses limites  para aumentar a segurança quanto à presença de resíduos.

O herbicida flumioxazim apresenta riscos ao meio ambiente por ser altamente tóxico para plantas aquáticas e invertebrados. E moderadamente tóxico para peixes, com potencial de prejudicar plantas não alvo durante a deriva da aplicação. Pesquisas mostram que o produto é tóxico ao desenvolvimento em mamíferos, incluindo ratos. Isso porque interfere em funções bioquímicas importantes.

O uso do produto enfrenta oposição na União Europeia, onde o potencial de toxicidade para o meio ambiente e a reprodução está no centro de debates. As autoridades do setor o classificam como candidato à substituição. A Comissão Europeia chegou a propor que sua autorização seja estendida, mas enfrentou objeções do Parlamento Europeu e de diversas organizações de saúde e meio ambiente.

E por fim, o fungicida protioconazol também tem sua regulação em discussão no bloco europeu. O processo de avaliação de renovação de registro já recebeu pleitos para restrições em sua utilização. E também para a segurança do aplicador e a proteção de organismos aquáticos, aves e pequenos mamíferos.

Novos produtos velhos

Como deu para perceber, esses registros recentes não são de novos, melhores e nem mais seguros, conforme o lobby do agronegócio para mudar leis e garantir isenções tributárias. O problema se agrava quanto mais desses produtos são registrados sem parar.  Incansável, a professora Sonia Hess catalogou dados de agrotóxicos aprovados no Brasil, com base em publicações oficiais da coordenação geral de agrotóxicos e afins do Ministério da Agricultura. Um recorte dessas informações, ao qual a reportagem teve acesso, dá uma ideia do volume de autorizações para esses produtos “novos” a partir de 2019: São mais de 500, conforme a tabela.

Lixeira química

Em meio a tantos dados relativos a quantidades e à toxicidade ao meio ambiente e à saúde aqui descritos, é de se questionar os motivos para esses produtos terem no Brasil o selo de “improváveis de causar danos”. Essa contradição foi estabelecida em 2019, em uma espécie de maquiagem promovida pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no primeiro ano do então governo de Jair Bolsonaro (PL). Embora o mandato tenha acabado, o que veio na sequência ainda mantém a classificação, apesar de duramente criticada por especialistas e movimentos.

Para lembrar, a medida em questão reclassificou mais de 1.900 agrotóxicos, retirando 600 produtos da categoria de alta toxicidade à saúde. Nessa espécie de passe de mágica, o glifosato, presente em quase 130 produtos para uso na soja, café, feijão e frutas, deixou de ser classificado como extremamente tóxico. E entrou na categoria dos improváveis de causar danos, apesar de que a substância mantém a mesma composição química. Seja como for, a reclassificação brasileira também não altera as evidências científicas de forte relação do glifosato com diversos tipos de câncer, infertilidade e problemas neurodegenerativos, como Alzheimer e Parkinson e até mesmo depressão e autismo.

Celeiro do mundo ou lixeira tóxica?

Sob o slogan de “Brasil celeiro do mundo”, o país torma-se lixeira química do mundo. Enquanto isso, indústrias com sede na União Europeia aproveitam para limpar seus estoques. Segundo artigo publicado semana passada pelas organizações Unearthed e Public Eye, essas empresas desovaram 75 produtos em outros países, somente em 2024. Praticamente o dobro do número das exportações em 2018. E isso apesar de a fabricação e exportação dessas substâncias serem proibidas. “A maioria dos pesticidas proibidos atualmente exportados foram recentemente proibidos. Entre eles, estão produtos químicos como o mancozeb, um fungicida proibido no final de 2020 após ser considerado “tóxico para a reprodução” – o que significa que pode prejudicar a fertilidade e os bebês no útero. No ano passado, empresas da UE emitiram notificações para a exportação de mais de 8.500 toneladas de produtos à base de mancozeb para 59 países”, diz trecho do artigo publicado no último dia 22 de setembro pelo Greenpeace do Reino Unido.

O texto lembra que a União Europeia continua exportando milhares de toneladas de neonicotinoides, os inseticidas “matadores de abelhas” envolvidos no declínio dos polinizadores em todo o mundo. Seu uso em campos europeus está proibido desde 2019 devido aos riscos “inaceitáveis” para as abelhas. O próprio bloco considera que essas substâncias representam grave ameaça à biodiversidade e à segurança alimentar global. No entanto, continua a exportar grandes quantidades. E o Brasil segue comprando.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *