Por Terra de Direitos l Publicado em 17 de outubro de 2025.

Organizações sociais questionaram no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (16), os subsídios tributários ao mercado de agrotóxicos. O questionamento ocorreu no âmbito do julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5553 e 7755, que discutem benefícios fiscais concedidos à comercialização de agrotóxicos. As ações são da relatoria do ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal.
Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida em vigência há mais de 28 anos ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.
Já a ADI 7755, apresentada pelo Partido Verde (PV), questiona as mesmas cláusulas do convênio e um dispositivo da Emenda Constitucional 132/2023 que prevê a possibilidade de regime tributário diferenciado para insumos agropecuários.
A isenção dos agrotóxicos ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias. Deste modo, há 28 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal.
Assim como os autores das ações, organizações sociais, movimentos populares, órgãos da saúde e organismos internacionais, como relatorias especiais da Organização das Nações Unidas, já destacaram os intensos impactos socioambientais dos agrotóxicos e a necessidade de o Estado brasileiro adotar normativas de regulação preventiva e restritiva ao uso de agrotóxicos.
“Em vez de proteger a vida, a política tributária vigente premia o veneno e onera o alimento saudável. Trata-se de uma política extrafiscal invertida, que desvirtua a função constitucional dos tributos de induzir comportamentos socialmente desejáveis”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade, na sustentação oral no julgamento. “Essa política socializa prejuízos e privatiza lucros, fazendo com que o povo pague a conta do envenenamento coletivo”, complementa a advogada em referência ao ônus da contaminação ao Sistema Público de Saúde, meio ambiente e alimentos.
A organização figura na ADI 7775 como amicus curiae (amigos da Corte), conjuntamente com a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (Acesa), Instituto de Agroecologia e Cooperação Andrea Santos e Associação Nacional das Vítimas dos Venenos (Anvive). Esse instrumento jurídico permite que diferentes setores contribuam no julgamento com informações técnicas para subsidiar a decisão pela Corte. No julgamento, as manifestações das organizações e da Defensoria Pública da União foram de exceção ao conjunto de manifestações – como amicus curiae – defendidas por organizações vinculadas ao agronegócio, majoritárias na ação e interessadas na defesa da manutenção dos benefícios fiscais.
Para o representante da Defensoria, a tributação dos agrotóxicos deveria ser comparada ao de cigarros e bebidas alcoólicas, considerando que são ambos comprovadamente prejudiciais à saúde pública. Enquanto os agrotóxicos recebem incentivos fiscais, cigarro e bebidas alcoólicas são sobretaxadas.
“Não parece haver dúvidas, de acordo com a economia, que o preço do agrotóxico, reduzido pelos incentivos fiscais, estimula o seu uso. Todo insumo de produção responde, em alguma medida, a incentivos de preço. Por que seria diferente com os agrotóxicos?”, destaca o representante da Defensoria, Gustavo Zortea da Silva. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o Brasil usa mais agrótóxicos em suas lavouras do que a China e os Estados Unidos juntos, 719,5 mil toneladas, apenas considerando dados de 2021.
“Incentivar os agrotóxicos é estimular práticas agrícolas insustentáveis, que vão na contramão daquilo que o Brasil pretende mostrar ao mundo na COP30. Por isso, esperamos que o STF se mantenha em sintonia com a sociedade e acabe de uma vez por todas com essa vergonhosa bolsa veneno”, complemente o integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alan Tygel.
Reavaliação da política de isenção
Para as organizações sociais, é fundamental que seja elaborada uma análise atualizada sobre a concessão de benefícios fiscais aos agrotóxicos. Isto porque não houve, desde o início da concessão da não tributação, uma avaliação dos impactos financeiros aos cofres público, nem mesmo a revisão ao longo das quase três décadas da pertinência das desonerações para os produtos de já reconhecido impacto para saúde e meio ambiente.
“Não há qualquer estudo técnico, econômico ou social que justifique a concessão desses benefícios. A ata da reunião do Confaz de 1997, em que se aprovou o Convênio 100, não contém justificativa fundamentada”, argumenta Jaqueline. Ao longo dos 28 anos a isenção fiscal foi renovada 22 vezes pelo Conselho Nacional de Política Fazendária.
Enquanto a ADI 7755 iniciou julgamento em outubro deste ano, o julgamento da ADI 5553 foi iniciado em 2020, em plenário virtual. Em abril do ano passado o julgamento foi deslocado para plenário presencial, por meio de destaque feito pelo ministro André Mendonça. O recurso regimental reestabelece o julgamento do início. Com isso, os votos já proferidos – 8 ao todo – podem ser revistos.
A reavaliação da política fiscal aos agrotóxicos também é defendida pelo ministro André Mendonça na ADI 5553, acompanhada do ministro Flávio Dino. Em seu voto o ministro destaca a necessidade de que seja apresentado à Corte argumentos uma avaliação da conveniência da manutenção do modelo de isenção e dos impactos ambientais dos diferentes graus de toxicidade dos agrotóxicos, para fins de graduação da carga tributária incidente sobre cada ingrediente ativo autorizado no Brasil
Na mesma ação o ministro relator Edson Fachin reconheceu em seu voto que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional. Já o ministro Gilmar Mendes acolheu os argumentos de entidades vinculadas ao agronegócio e se manifestou pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos, acompanhado pelos votos dos ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli.
As organizações Terra de Direitos, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Associação Brasileira de Agroecologia e Fian Brasil figuram na AI 5553 como amicus curiae.