Por Carolina Bataier l Brasil de Fato – publicado em 17 de novembro de 2025.

“Eu sou agricultor”, afirma Enoque Nunes Cavalcante, com ênfase na última palavra. Agricultor, diz, com orgulho. “Mas um agricultor carente de terra para trabalhar”, lamenta.
Na Cúpula dos Povos, ele chegou com um pedido: que o Governo Federal agilize o processo de titulação da área onde vive junto de 80 famílias, a comunidade Nossa Valença de Moju, na zona rural de Moju, a 127 quilômetros de Belém.
“Nós queremos a reforma agrária para podermos, de fato, ser assentado pelos órgãos competentes naquele lugar”, diz a agricultora e estudante de agroecologia Josiene Paiva Borges, moradora da comunidade. “Que nós possamos ser vistos enquanto agricultores, enquanto parte desses povos. Nós estamos aqui na Cúpula dos Povos e nós também fazemos parte desses povos que fazem agricultura, que movem a economia do nosso país também”, ressalta.
Morando há cerca de cinco anos na área, os agricultores são vítimas de um modelo de desenvolvimento que prioriza a produção em larga escala. A apenas dois quilômetros da comunidade, espalha-se a perder de vista a plantação das palmeiras-de-dendê, cultivo que ocupa uma porção considerável de toda a área destinada à agricultura em Moju. Desse tipo de palmeira, se extrai o óleo de dendê, também conhecido como óleo de palma, que serve de base para diversos produtos, entre eles o biodiesel.
São, atualmente, quase 45 mil hectares de plantação no município de Moju, de acordo com dados do sistema MapBiomas, que permite monitoramento via satélite. A soja também avança ano a ano. Em 2014, eram apenas 17 hectares de plantação do grão. Dez anos depois, em 2024, essa monocultura dominava mais de 5,3 mil hectares.
Entre um e outro monocultivo, os moradores da comunidade Nossa Valença persistem na produção diversificada de alimentos. “De cultura permanente, a gente planta como se fosse uma agrofloresta… No bosqueado, temos a agricultura do cacau e do açaí”, conta Borges. Além disso, os moradores da área fazem seus roçados para subsistência. “É a nossa mandioca, produção de farinha, abóbora, macaxeira, maxixe, arroz, milho”, lista a agricultora.
‘Despejam veneno no solo’
Enquanto a titulação da terra não chega, a monocultura ganha espaço e traz junto o veneno, que já deixa uma marca de destruição nos roçados da comunidade. “Nós tivemos muitos problemas do agrotóxico, porque as fazendas, o dendê, a monocultura, despejam no solo o veneno”, conta Borges, que acompanhava um debate sobre agrotóxicos, no terceiro dia de Cúpula dos Povos.
Por causa do veneno, os agricultores relatam a perda de alimentos, como a mandioca. “Estava podre”, diz Borges, sobre as raízes recém colhidas. Ela atribui a perda da colheita ao excesso de agrotóxicos aplicados nas plantações de dendê. O veneno contamina, também, as águas dos rios perto da comunidade. “Muito peixe morto no igarapé”, lamenta Cavalcante, que diz ter esperanças nos encontros realizados na Cúpula dos Povos, evento paralelo à programação oficial da COP30, realizado de 12 a 16 de novembro em Belém.
O encontro resultou em uma carta, que foi entregue à presidência da COP30, no domingo (16), com propostas para ações climáticas que levem em conta as denúncias e solicitações dos povos do campo do Brasil, como os moradores da comunidade Nossa Valença. Entre as reivindicações, está a concretização da reforma agrária popular e o fomento à agroecologia, “para garantia da soberania alimentar e combate à concentração fundiária”, segundo o documento.
“Nós que realmente queremos uma agricultura limpa e saudável, né? Então, a gente cultiva ali em consonância com o meio ambiente, respeitando sem agredir… Sem o uso de veneno, sem o uso de agrotóxico”, diz Borges. “Queremos que a nossa fala, a nossa voz, ecoe pelos quatro cantos do mundo. A COP30 tem que ser feita para nós. A gente quer ser visto, a gente quer ser ouvido”, finaliza.
