Tenda Berta Cáceres marca a luta e a resistência contra os agrotóxicos na Cúpula dos Povos

A construção de territórios livres de veneno por meio da agroecologia. Foto: Priscila Ramos

Da Campanha contra os Agrotóxicos e pela vida*

Articulada pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, com a participação de diversas organizações nacionais e internacionais, como Via Campesina Internacional, FIAN Brasil, Terra de Direitos, Fundação Heinrich Böll, Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama), além de Justiça nos Trilhos e da Rede de Médicos e Médicas Populares, durante três dias, a Tenda Berta Cáceres reuniu arte, debates e resistência na Cúpula dos Povos.

Jakeline Pivato, da Campanha contra os Agrotóxicos avalia que a realização da Tenda Berta Cáceres e do debate Enlace Internacional contra os Agrotóxicos na Cúpula dos Povos reafirmou a urgência de enraizar a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida também no cenário internacional.

“As organizações e movimentos da CLOC–Via Campesina vivem, hoje, um contexto global marcado pela crescente liberação de agrotóxicos, pela expansão das sementes transgênicas, por violações de direitos e por novas evidências científicas sobre seus impactos. Diante desse cenário cada vez mais acirrado, é fundamental fortalecer a articulação internacional, unificar nossas lutas e aprofundar o debate para avançarmos na construção de alternativas e mudanças reais”, pontuou.

Um dos pontos altos do debate, foi a realização do Enlace Internacional Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, com o tema “A Agroecologia e a Resistência Popular na Luta pelos Territórios Livres e Saudáveis”, dividido em dois momentos. O primeiro focado na Análise de Conjuntura Internacional, com Larissa Packer (advogada socioambiental, Grain), Larissa Bombardi (USP/IPSA) e Jean Thévenot (ECVC – La Via Campesina).

Enquanto a advogada socioambiental, Larissa Packer, fez um apanhado mais amplo do movimento do capital direcionado para a biodiversidade e com foco nas políticas que foram inclusive lançadas durante a COP30, como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, ou TFFF na sigla em inglês, que foi proposto pelo Brasil como um fundo de investimentos internacional, Jean Thévenot da ECVC – La Via Campesina, apontou a capacidade do capital reinventar em sua saga por lucro, exportando produtos proibidos, mas produzidos no Norte para o Sul Global.

“Tem muitos agrotóxicos produzidos na Europa, mas proibidos o uso lá, e que são exportados ao Sul Global para usar nos monocultivos de soja, de milho e que depois retornam a Europa. Esse é um exemplo perfeito de colonialismo verde e da hipocrisia das elites do Norte Global, que proíbem o uso de agrotóxicos ao Norte e seguem produzindo e usando no Sul”, denunciou. 

Bombardi também destacou a contradição entre as políticas da União Europeia, que proíbe o uso de diversos venenos em seus territórios, mas segue exportando essas mesmas substâncias para países da América Latina e África. 

Inflável de 12 metros erguido às margens do Rio Guamá, em Belém (PA).

Durante uma ação simbólica com o inflável de 12 metros erguido às margens do Rio Guamá, em Belém (PA) — que se transformou em um alerta visual poderoso sobre como os agrotóxicos altamente perigosos (HHPs) ameaçam o clima, a saúde e a soberania dos povos, a pesquisadora foi enfática. “É uma ação que buscou chamar atenção da população sobre a importância de banir os HHPs. O Brasil é o principal consumidor dessas substâncias, assim como outros países da América Latina onde segue crescendo o consumo dessas substâncias. A gente traz essa campanha para que se tome uma medida internacional que padronize o uso de resíduos até que possamos eliminá-los de forma global.”

Na visão da Campanha contra os Agrotóxicos, realizar essa ação em plena COP30 foi uma forma de traduzir em imagem o que a ciência vem alertando há anos: os agrotóxicos não apenas contaminam o presente — eles comprometem o futuro. 

É importante destacar que no dia seguinte à abertura da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA), o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) publicou no Diário Oficial da União mais 30 registros de agrotóxicos. Alguns deles de altíssima toxicidade e proibidos na União Europeia, sede das principais transnacionais produtoras de agrotóxicos, como a Bayer e Basf (Alemanha) e Syngenta (Suíça).

Além da liberação de novos registros outro fator circunda a relação do estado com o mercado de agrotóxicos, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5553 e 7755, que discutem benefícios fiscais concedidos à comercialização de agrotóxicos. O processo que está em andamento prevê dispositivos que concedem redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos, sendo que o mercado já tem sido beneficiado há mais de 28 anos.

“Tem um estudo feito no Brasil que mostra que para cada dólar gasto com agrotóxicos, o SUS gasta $1,20 em tratamento. A gente está favorecendo quem? Não tem que ter isenção fiscal para esse tipo de substância que a gente sabe que é nociva para o meio ambiente, para a saúde. Incentivo fiscal é estímulo, toda política de incentivo fiscal tem por trás de si um incentivo econômico, um mecanismo de estimular a compra. Então é  indignante, não tem terceira via para uma substância que não provoca ou que essas substâncias propõe”, questionou Bombardi. 

A soberania e resistência dos Povos

Foto: Lais Alanna -MST

Nesse cenário catastrófico, em oposição a Agrizone, está a Resistência Popular nos Territórios. Assim se constituiu o segundo momento da roda de conversa que trouxe as vozes do campo: agricultoras e agricultores familiares de base agroecológica, além de representantes de povos e comunidades tradicionais, como quebradeiras de coco babaçu e quilombolas.

Ariana Gomes (Rama) destacou o trabalho da rede no estado, enfrentando os impactos gerados pelos agrotóxicos. “Quando se pulveriza um território, não se pulveriza somente um espaço físico, está pulverizando sentimento, a ancestralidade do povo. A RAMA se soma a essa experiência de resistência, uma luta que perpassa os territórios tradicionais do Maranhão, na luta contra essa guerra química e em defesa da vida a nível internacional contra as corporações”, ressaltou.

Na mesma lógica do capital se mostrar em diversas faces, porém trazendo os mesmos impactos para os territórios é que o agricultor, Marcelo Fossati, coordenador da Red Nacional de Semillas Nativas y Criollas do Uruguai, denunciou a destruição do solo por corporações multinacionais por lucrarem à custa da saúde do povo e da contaminação do meio ambiente.

As décadas de cultivo da beterraba açucareira no povoado de Tala, a 100 km da capital Montevidéu, deixaram um rastro de contaminação. Segundo Marcelo, “são empresas que mantêm nomes uruguaios, mas que já foram compradas por multinacionais para não associar diretamente os problemas às multinacionais. Então, quando ocorre uma intoxicação — por exemplo, um avião passa, o vento muda, e as pessoas ficam com bolhas na pele — o problema não é atribuído à multinacional, mas à Proquimur. Porém é a mesma empresa.”

Assim como o Brasil, o Uruguai tem um alto índice de consumo de agrotóxicos, em sua maioria importados. O país também enfrenta deficiências no controle dos resíduos e na fiscalização do uso desses produtos. Logo, a exposição aos agrotóxicos geram graves problemas de saúde na população,  como doenças respiratórias e câncer. 

Para além dos impactos, a luta é contra um modelo de agricultura que só traz a morte. “Nós defendemos uma visão que é a agroecologia, mais saudável com o meio ambiente e com a população”, concluiu Jean.

Foto: Priscila Ramos

Homenagem a lutadora hondurenha

Inspirada na trajetória da ativista hondurenha Berta Cáceres, símbolo global da resistência socioambiental, liderança indígena do povo Lenca, ativista ambiental e cofundadora do Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH), a tenda homenageou sua luta em defesa da terra e dos rios, interrompida tragicamente em 2016. A escolha do nome reafirmou o compromisso do espaço com a memória das mulheres e dos povos que enfrentam a destruição ambiental e a violência do modelo capitalista de produção.

Durante as atividades do espaço, Berta Zúñiga Cáceres, filha da ativista ambiental hondurenha e que seguiu os passos da mãe, tornando-se ativista e coordenadora geral do COPINH, esteve presente na Cúpula do Povos e visitou a Tenda, compartilhando alguns momentos da luta internacionalista dos povos por seus direitos, sobretudo, as mulheres.

A luta histórica da população Lenca de Honduras contra empreiteiras, empresas energéticas e instituições financeiras internacionais para deter um projeto de hidrelétrica que represaria um rio considerado sagrado e essencial para a sobrevivência dessa etnia indígena, já custou a vida da mãe, Berta Cáceres, em um país denunciado pela ONG Global Witness como o mais perigoso do mundo para os defensores do meio-ambiente. Nos últimos sete anos, 123 ativistas foram assassinados, e oito em cada dez casos continuam sem solução.

Por fim, mais do que um espaço de debates, a Tenda se transformou em um território simbólico de resistência, solidariedade na luta contra o agronegócio e pela construção coletiva de um outro modelo de agricultura e de sociedade desde os territórios. Todos os debates reforçaram a urgência da agroecologia como ferramenta fundamental de resistência frente aos modelos de desenvolvimento que devastam o meio ambiente e a vida dos povos ao redor do mundo.

*Com informações da Agência Brasil e Terra de Direitos 

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