Por Ariana Gomes, Diogo Cabral e Pedro Martins
Do Nexo Jornal
A concepção de liberdade da terra a partir da agroecologia inclui, por sua vez, a liberdade das florestas em oposição às formas de privatização, mercantilização e de financeirização da natureza que reduz a floresta a um crédito
No ano de COP30 na Amazônia, trazemos reflexões sobre questões socioambientais e climáticas relevantes para os territórios situados no bioma, como a expansão das commodities agrícolas, a violência no campo e a guerra química gerada com a intensificação do uso de agrotóxicos, mas também sobre as falsas soluções climáticas baseadas na financeirização da natureza. Por outro lado, a agroecologia é o anúncio dos povos como prática dos territórios e como solução climática real que representa uma estratégia de contraposição ao agronegócio.
Trazemos essas reflexões a partir dos nossos lugares de atuação: Pará e Maranhão. Vizinhos e situados na Amazônia, os dois estados são conhecidos por suas contradições. Ao mesmo tempo em que possuem grandes áreas de floresta tropical, são líderes em conflitos no campo de acordo com a Comissão Pastoral da Terra. Estão no Arco do desmatamento, que representa a expansão do agronegócio e da mineração, com avanço de infraestruturas de logística como portos, estradas e ferrovias, ao mesmo passo em que seus governantes apostam junto com empresas em projetos e políticas de mercado de carbono como supostas iniciativas de desenvolvimento sustentável.
Em 2023, de acordo com dados do IBGE, o Pará passou a ter mais de 1 milhão de hectares de áreas de plantio de soja, um número três vezes maior que a área dos cultivos de mandioca. No mesmo ano, o Maranhão chegou a quase 1 milhão e 200 mil hectares de soja em uma proporção muito maior que o cultivo de mandioca no Estado, que não chegou a 50 mil hectares.
Esses dados demonstram não somente o vetor do desmatamento (produção de soja), mas indica que as práticas de cultivo de mandioca perderam lugar e, portanto, é reduzida a oportunidade de segurança e soberania alimentar e nutricional. O modo de produção da soja, ao contrário do que narram as estratégias de marketing verde, demanda necessariamente o desmatamento, mesmo que haja conversão de pastos em áreas planas da sojicultura. Como ensina e denuncia a agricultora e sindicalista de Santarém/PA, Ivete Bastos, “não existe plantio de soja em floresta”.
Com a soja vem junto um pacote tecnológico e químico perverso. De acordo com levantamento realizado pela Fetaema, Rama e Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia (Lepeng/UFMA) denominado “Territórios Vitimados Diretamente por Agrotóxicos no Maranhão”, 231 localidades em 35 municípios foram vitimadas pela pulverização aérea de agrotóxicos por avião e/ou drone no ano de 2024. Ao mesmo tempo em que a produção de cereais, leguminosas e oleaginosas no Maranhão alcançou 5,99 milhões de toneladas em 2022, crescimento de 4,7% em relação ao ano de 2021, segundo os dados do LSPA (Levantamento Sistemático da Produção) de novembro, realizado pelo IBGE.
A agroecologia por outro lado tem representado uma estratégia de valorização de circuitos curtos de comercialização, que reduzem custos, melhoram a renda e geram menos emissões de gases. Está baseada nas práticas tradicionais de diversificação da produção com menor desgaste do solo, sem dependência de produtos químicos sob controle de grandes empresas que causam impactos socioambientais negativos
Os dados revelam que a maior intensidade dos casos de contaminação por agrotóxicos ocorre onde há expansão do agronegócio no estado do Maranhão, especialmente soja e eucalipto. As comunidades pesquisadas registram casos de violentos conflitos agrários/socioambientais e em diversas situações, pois drones e/ou aviões foram utilizados como “armas de guerra” para fins de expulsar comunidades de suas terras tradicionalmente ocupadas.
O processo de expansão do uso de agrotóxico no Brasil com destaque ao Pará e ao Maranhão foi estimulado por um amplo processo de flexibilização ambiental, do qual faz parte a Lei n. 14.785 de 2023, conhecida como Pacote do Veneno. A medida legislativa atende aos interesses de corporações transnacionais que dominam a produção e comercialização de agrotóxicos ao redor do globo.
O Brasil já é o maior consumidor de agrotóxico do mundo e apenas dez empresas respondem por 90% do mercado nacional.
A soja, tal como a bauxita e o minério de ferro, é commodity que demanda para seu escoamento infraestruturas de logística altamente danosas, como estradas, ferrovias e portos com impactos socioambientais variados, desde a supressão de vegetação nativa, remoções forçadas, contaminação de rios, e que aumentam a quantidade de emissões na atmosfera de gases de efeito estufa oriundos da queima de combustíveis fósseis.
A agroecologia por outro lado tem representado uma estratégia de valorização de circuitos curtos de comercialização, que reduzem custos, melhoram a renda e geram menos emissões de gases. Está baseada nas práticas tradicionais de diversificação da produção com menor desgaste do solo, sem dependência de produtos químicos sob controle de grandes empresas que causam impactos socioambientais negativos.
A agroecologia é o caminho para a libertação tanto da terra quanto das pessoas. Por um lado, as estratégias de escravidão postas pelas empresas de sementes, bioinsumos, fertilizantes, tentam tornar agricultores dependentes e escravos do modelo de produção. Essas mesmas empresas têm projetado o que chamamos de falsas soluções para as mudanças climáticas. Enquanto a agroecologia, que não se apropria do território, mas sim faz parte dele, tem como bandeiras a liberdade, a autonomia e o respeito aos agricultores/as, a terra, as florestas, a proteção da cultura das sementes crioulas (da paixão, ancestral) e traz para o centro do debate climático o direito de reexistência.
A concepção de liberdade da terra a partir da agroecologia inclui, por sua vez, a liberdade das florestas em oposição às formas de privatização, mercantilização e de financeirização da natureza que reduz a floresta a um crédito. A perspectiva agroecológica não dissocia a produção de alimentos saudáveis da luta pela liberdade alimentar, da garantia de acesso à água, da terra, das florestas e sementes, tampouco, da valorização dos saberes ancestrais, tendo a terra como “mãe que nos sustenta”, em uma relação de respeito e afetos, como diz a agricultora Xuxuca, acompanhada pela Associação Agroecológica Tijupá: “A gente se sente muito bem trabalhando com a terra, só entende quem trabalha nela, temos gratidão por cada dia de trabalho”.
Ariana Gomes é mestra em cartografia social e política da Amazônia pela Uema e Secretária da Rama (Rede de Agroecologia do Maranhão).
Diogo Cabral é mestre em desenvolvimento socioespacial e regional pela Uema e Assessor Jurídico da FETAEMA (Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Maranhão).
Pedro Martins é mestre em agricultura familiar e desenvolvimento sustentável pela UFPA e educador popular da Fase Amazônia.