A luta das mulheres camponesas em defesa da vida e contra os agrotóxicos

Nós, mulheres camponesas, defendemos a vida, resistimos e mantemos nosso próprio modo de fazer agricultura

Por Ana Claudia Rauber e Noemi Margarida Krefta, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e do Movimento de Mulheres Camponesas

Nós, mulheres camponesas defendemos a vida! Desde nosso trabalho em casa com o cuidado dos filhos, idosos. Através do nosso trabalho nos quintais produtivos, com as sementes crioulas, plantas medicinais e aromáticas, com as frutíferas nativas e ornamentais. Com a produção de alimentos saudáveis para o autossustento da família, com a doação, troca e comercialização dos excedentes, gerando renda e autonomia.

Ao longo dos 42 anos de luta e existência do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC-Brasil), fomos vivenciando as transformações da agricultura. Com a modernização conservadora, também chamada de revolução verde, que padronizou a produção e favoreceu o latifúndio com mais concentração de terras, aumentou endividamento dos agricultores e o êxodo rural.

Durante esse período inicial de implementação da modernização, nos anos 60, no Brasil também se vivenciava a mazela da ditadura militar. Nessa época o povo resistia e começava a se organizar em movimentos populares. As mulheres camponesas também começaram a se organizar em grupos, a fazer estudos, a questionar a realidade e lutar redemocratização e pela garantia dos direitos sociais.

No caso da agricultura, as mulheres começaram a perceber os impactos dessa modernização, com a chegada dos grandes maquinários, das sementes híbridas, dos agrotóxicos, venenos que eliminam a diversidade para dar lugar às extensas monoculturas. Reduziram o quintal, devastando o pomar, o horto medicinal, e quiseram que as mulheres aceitassem que as “miudezas” deviam dar lugar ao grande espaço de monocultivo, da “qualificação e modernização” do trabalho agrícola.

Observamos, refletimos e percebemos que tudo isso não era bom, e por isso resistimos e mantivemos nosso modo próprio de fazer agricultura. Assim como resistiram as sementes! Assim como a buva, uma planta espontânea, que resistiu ao glifosato! Aliás, o glifosato é o agrotóxico mais vendido no mundo, e o Brasil é um dos países que mais consomem agrotóxicos, sendo alguns altamente tóxicos, que são proibidos em outros países.

Portanto, é uma resistência ativa! Onde fazemos as denúncias dos impactos desse modelo dominante de agricultura, o agronegócio. Denunciando as consequências das extensas monoculturas, do uso de agrotóxicos e os problemas que causam na saúde humana e do ambiente com a contaminação do ar, do solo, da água e dos animais, bem como a extinção de muitas espécies de seres vivos necessários ao equilíbrio ambiental.

Além da contaminação das nossas sementes com os transgênicos, com a contaminação da nossa produção agroecológica por deriva de veneno. E ao mesmo tempo, nós fomos fazendo os anúncios em defesa da vida, da produção de alimentos saudáveis e diversificados através do projeto de agricultura camponesa agroecológica feminista. Com as tecnologias sociais, com os conhecimentos que são construídos coletivamente, com a ciência que é produzida através de nossas observações e experimentações, com as práticas agroecológicas, os consorciamentos de diferentes espécies, com plantas bioativas, medicinais, repelentes, com os bioinsumos, a compostagem, a adubação verde, entre outras

Além disso, o MMC é integrante de articulações como a Coordenadora Latino-americana das Organizações do Campo (CLOC) e La Via Campesina, que fazem o enfrentamento ao capital e à implantação das políticas neoliberais no campo. E também faz parte da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e da Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida, que é uma rede composta por mais de 100 organizações, criada em 2011, e tem como objetivo denunciar os efeitos dos agrotóxicos e do agronegócio. Nos somamos nas mobilizações contra o Pacote do Veneno, e defendemos a Política Nacional de Redução dos Agrotóxicos (PNARA).

Nós também fazemos as incidências levando nossas pautas nos espaços políticos, através da participação social, na construção das políticas públicas, como na Assistência Técnica e Extensão Rural, na Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, na Política Nacional de Abastecimento Alimentar, na Educação do Campo, bem como a defesa do SUS e da Política de Cuidados, e as políticas de subsídios e investimentos nos quintais produtivos, entre outras. Apoiamos uma fiscalização mais rigorosa, o banimento de agrotóxicos proibido em outros países, a proibição da pulverização aérea, seja, por aviões ou drones, implementação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA), formação e consolidação de territórios livres de transgênicos e agrotóxicos.

Assim, temos feito a denúncia de modelo de destruição da vida do planeta. E por outro lado, somos propositoras de um projeto de agricultura agroecológica e feminista que tem como centro a vida em todas as dimensões, ou seja, nos sentimos parte do espaço que vivemos e construímos nosso viver. E por isso, temos o compromisso de cuidar das pessoas, do solo, da água e do ar, enfim da biodiversidade. Pois entendemos que a vida para ser possível e em plenitude presume o cuidado de cada ser. Portanto, para nós a luta pela vida e contra os agrotóxicos, se faz todos os dias há mais de quatro décadas, nas mais diferentes instâncias, desde o nosso quintal até o global.

Fortalecer a luta em defesa da vida, todos os dias!

Referências consultadas
CINELLI, C. et al. Agronegócio: uma reflexão a partir das camponesas organizadas. In: PAIM, E. S.; FURTADO, F. (org.) Mulheres em defesa do território corpo-terra-águas. Fundação Rosa Luxemburgo e Editora Funilaria, 2024.
PULGA, V. L. A produção de saúde e adoecimento das mulheres camponesas no Brasil. In: PULGA, V. L.; CALAÇA, M.; CINELLI, C.; SEIBERT, I.; CIMA, J. I (org.) Mulheres camponesas: semeando agroecologia, colhendo saúde e autonomia. Rede Unida, UFFS, Porto Alegre, 2018.
MMC, Feminismo Camponês e Popular. Ed. Passografic, Passo Fundo, 2018.
CARNEIRO, F. F. (Org.) Dossiê ABRASCO: um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde / Organização de Fernando Ferreira Carneiro, Lia Giraldo da Silva Augusto, Raquel Maria Rigotto, Karen Friedrich e André Campos Búrigo. – Rio de Janeiro: EPSJV; São Paulo: Expressão Popular, 2015.

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