Agronegócio e agrotóxicos ameaçam sobrevivência dos povos indígenas

Por Roberta Quintino l Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Foto: André Gouveia.

Lideranças e pesquisadores denunciam avanço do agronegócio e impactos de agrotóxicos em territórios indígenas. 

Em audiência pública realizada, dia 26, na Câmara dos Deputados, pesquisadores, lideranças indígenas e representantes do governo denunciaram e expuseram as violações que o agronegócio e os agrotóxicos têm provocado nos territórios e na saúde dos povos originários e comunidades tradicionais em todo o país. A atividade, organizada pelas Comissões da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, e convocada pela deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), abordou ainda o tema da insegurança alimentar, da contaminação das águas e os impactos das pulverizações aéreas em áreas de retomadas.

A pesquisadora Fernanda Savicki, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apresentou dados alarmantes sobre a contaminação das águas de nascentes, rios e da chuva em territórios indígenas localizados no Mato Grosso do Sul. A pesquisa identificou agrotóxicos em todas as águas pesquisadas, em alguns casos foram encontrados 12 ingredientes ativos de agrotóxicos, muitos deles proibidos na União Europeia.

Savicki explica que, esses agrotóxicos, quando combinados, formam uma mistura ainda mais tóxica, cujo impacto na saúde humana é incalculável. “Enquanto o governo brasileiro permite o uso desses venenos, as comunidades indígenas estão sendo envenenadas lentamente”, alertou a pesquisadora.

O Coordenador Regional da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Celso Japoty Alves, reforçou a informação da pesquisadora. Ele pontuou que a expansão do agronegócio, especialmente nas regiões onde se planta soja e milho, tem levado venenos altamente tóxicos aos territórios, contaminando a água, o solo e os alimentos, consequentemente, adoecendo a população. “Quando não matam com armas, matam com agrotóxicos”, afirmou Japoty, afirmando que o agronegócio utiliza os venenos como uma forma arma química contra os povos indígenas, potencializando a expulsão destes povos de seus territórios.

Ele alertou ainda para os casos de subnotificação de intoxicações por agrotóxicos na rede de saúde, dificultando o acesso às informações sobre a quantidade de pessoas impactadas pelo veneno nos territórios. “Muitas vezes o profissional de saúde, o próprio doutor, às vezes, não identifica essa questão de agrotóxico. Quando chega com dor de cabeça, quando chega com dor de barriga. E tudo isso não foi registrado, não foi falado que seja agrotóxico ou não. O câncer, o próprio suicídio”, destaca.

Foto: Roberta Quintino

Erileyde Kaiowá, liderança Guarani Kaiowá da Tekoha Guyraroká, ressaltou que há negligência do Estado em proteger os povos indígenas do agronegócio e dos agrotóxicos. Ela denunciou também que a pulverização aérea em sua comunidade tem inviabilizado a produção agrícola tradicional e causado graves problemas de saúde. “Nós estamos morrendo aos poucos, envenenados pelo agronegócio.”, declarou. Erileyde pediu o cumprimento da legislação que proíbe a pulverização a menos de 500 metros das comunidades, uma medida que, segundo ela, não é respeitada.

A Secretária-Geral da FIAN Brasil, Nayara Cortês, apresentou dados sobre uma pesquisa realizada em cinco territórios indígenas do Mato Grosso do Sul, que evidenciou que todas as áreas pesquisadas têm sido particularmente afetadas pela insegurança alimentar e a exposição aos agrotóxicos.

De acordo com o estudo, o número de pessoas, das 480 famílias pesquisadas, que adoeceram por por contato com veneno nos últimos 12 meses foi de 105. “No decorrer das últimas décadas, foram inúmeros casos de denúncia por ataques químicos com agrotóxicos realizados contra áreas de retomada, inclusive por meio de pulverizações aéreas criminosas”, aponta o documento.

Pronara

Para enfrentar o avanço dos agrotóxicos e proteger os direitos fundamentais dos povos originários, os debatedores ressaltaram a importância da aprovação e implementação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). O Programa foi elaborado em agosto de 2014, como parte da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), no entanto, segue sem ser implementado.

Organizações, como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, defendem que o Pronara, frente à aprovação do Pacote do Veneno, é uma importante ferramenta para mitigar os efeitos permissivos da nova lei e fortalecer a produção agroecológica. 

Para Fernanda, o Pronara é fundamental para “minimamente garantir a salvaguarda da saúde da população brasileira, principalmente dos povos indígenas e também garantir a conservação do meio ambiente”. O diretor de promoção ao bem viver indígena do Ministério dos Povos Indígenas, Bruno Potiguara, também reiterou a importância do Programa e disse que o órgão tem atuado em defesa da aprovação e inclusão do Pronara no Planapo.

Suzany Brasil, assessora jurídica e coordenadora do Programa Amazônia da organização Terra de Direitos, destacou a denúncia internacional contra a Bayer, apresentada na Alemanha em Abril deste ano, que acusa a empresa de violações de direitos humanos através do uso de agrotóxicos à base de glifosato.

Para ela, é necessário maior enfrentamento às leis permissivas no Brasil e barrar o avanço do Pacote do Veneno. A assessora destacou ainda a importância de um marco regulatório que efetivamente proteja as comunidades indígenas dos agrotóxicos.

A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG), disse que o agrotóxico é um dos maiores inimigos dos povos indígenas e também do clima. “Ele está atrelado aos interesses fundiários e às commodities, especialmente a soja, que assola nossos territórios”, declarou a deputada. Xakriabá acusou o Congresso Nacional de ser conivente com essa realidade, apontando que o avanço da agenda do agronegócio tem ocorrido às custas da saúde e da vida do povo indígena.

Ela apontou que o avanço de projetos de lei favoráveis ao agronegócio, como o chamado “PL do Veneno”, aprovado em 2023, só agrava a situação. “Esse Congresso está envenenado pelos interesses do agronegócio. Precisamos urgentemente desenvenenar o parlamento brasileiro”, afirmou. Ela também sugeriu a criação de uma portaria interministerial que declare as terras indígenas como zonas livres de agrotóxicos e transgênicos, além da preparação de uma agenda específica para discutir a questão dos agrotóxicos no âmbito internacional, especialmente na Conferência das Partes (COP), com o objetivo de fortalecer a incidência política global contra os venenos.

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