Agrotóxicos foram feitos para matar, e nós queremos viver

Trabalhamos para ampliar o debate e pressionar pela oferta de alimentação saudável e livre de veneno

Protesto em frente ao Congresso Nacional, durante votação da nova lei de agrotóxicos, que deu poderes extras ao Ministério da Agricultura e Pecuária para a liberação de venenos
Protesto em frente ao Congresso Nacional, durante votação da nova lei de agrotóxicos, que deu poderes extras ao Ministério da Agricultura e Pecuária para a liberação de venenos. | Crédito: Evaristo Sá/AFP

Da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela vida*

A cada ano, no dia 3 de dezembro, Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos, atualizamos o balanço, frequentemente negativo, sobre os avanços do agronegócio e das empresas agroquímicas em nosso país. Há mais de uma década, lamentavelmente, o Brasil figura no topo da lista dos maiores consumidores desses produtos

Dedicamos esse dia à conscientização sobre os perigos desses produtos para a saúde humana e o meio ambiente, além de um momento oportuno para fazer o debate sobre a necessária transição agroecológica que o Brasil necessita, evitando, portanto, que se repita o desastre de Bhopal, Índia, onde em 3 de dezembro de 1984 um vazamento de gás em uma fábrica de agrotóxicos matou milhares de pessoas, dando origem à efeméride.

Comumente chamados de “insumos”, esses venenos foram fundamentais para o desenvolvimento do atual modelo agrícola, mas pelo menos desde a publicação de Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, em 1962, conhecemos os  perigos destas substâncias para a  saúde humana e o meio ambiente. 

Neste ano, tivemos uma vitória no Brasil. Após dez anos de negociações e mobilizações da sociedade civil, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, finalmente assinou o decreto de criação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos – Pronara. 

A iniciativa, construída através da pressão dos movimentos populares, prevê medidas de restrição ao uso dos agrotóxicos mais perigosos, além de aprimorar a fiscalização da produção, comercialização e uso desses produtos. 

Também propõe medidas de apoio à agroecologia, como o estímulo à produção de bioinsumos e o fortalecimento da assistência técnica e extensão rural (ATER) voltada para a agricultura familiar, camponesa e tradicional, visando disseminar métodos de produção sustentável.

A assinatura do decreto do Pronara representa um marco simbólico fundamental: é o reconhecimento do Estado brasileiro de que o uso de agrotóxicos deve ser reduzido. Contudo, é necessário avançar urgentemente na sua implementação, diante de um cenário cada vez mais preocupante. 

Um relatório produzido pela ONG Public Eye e pelo Unearthed, do Reino Unido, revelou que em 2024, os Estados-membros da União Europeia (UE) aprovaram a exportação de quase 122 mil toneladas de agrotóxicos cujo uso é proibido em suas próprias fazendas. Isso representou um aumento de 50% na comparação com as 81 mil toneladas notificadas em 2018. E o Brasil é um dos principais destinos desses produtos, junto com outros países do Sul Global. Na América do Sul, por exemplo, o uso de agrotóxicos mais que dobrou nos últimos 20 anos, ultrapassando os níveis de consumo desses produtos na Europa, segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO).

Aqui, os agrotóxicos são usados na produção agrícola, mas não só isso. O último relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre conflitos no campo revelou que, somente em 2024, mais de 17 mil famílias brasileiras foram vítimas de uma verdadeira guerra química no campo, produzida sobretudo pelo uso de drones para pulverização aérea de venenos. Os alvos são quilombolas, camponeses, assentados da reforma agrária e indígenas e os responsáveis, em muitos casos, invasores interessados em expandir suas fronteiras agrícolas.

Com isso, além da agressão vil a populações indefesas, o atual modelo de produção agroalimentar, quimicamente dependente, tem produzido uma explosão de doenças crônicas e tipos de cânceres relacionados à intoxicação com agrotóxicos, sobrecarregando o Sistema Único de Saúde (SUS), que registrou mais de 124 mil intoxicações por agrotóxicos entre janeiro de 2013 e junho de 2022, segundo o boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, divulgado em 2023.

Na contramão da ciência, o Congresso Nacional, dominado por setores do agro, vem impondo derrotas substantivas aos defensores da alimentação saudável. 

Em 2023, acrescentou no texto da reforma tributária, a constitucionalização da redução de 60% em impostos federais para “insumos agropecuários”, cuja definição foi objeto de lei complementar, incluindo os agrotóxicos. Essa política promove um verdadeiro incentivo de seu uso, quando, ao contrário, deveriam discutir a criação de um imposto seletivo para que, a exemplo do tabaco e de bebidas alcoólicas, contribua para a redução do consumo dessas substâncias. O tema é questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).

Sem falar na última lei que versa sobre o tema, de dezembro de 2023, que enfraqueceu o papel dos órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) nos processos de liberação de novos produtos, fortalecendo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como o “dono da caneta”. 

O Brasil acaba de sediar a 30ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas – COP 30 – em que o país tomou a dianteira das discussões sobre a necessária transição energética, mas onde lobby do agronegócio atuou fortemente em defesa de seus próprios interesses, como revelado por um relatório publicado pela Fase – Solidariedade e Educação, em parceria com o portal De Olho nos Ruralistas, denominado “A COP dos Lobbies”.

Sendo assim, não é demais reafirmar que não há sério enfrentamento às mudanças do clima sem que esse debate seja enfrentado. 

Nós, da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, trabalhamos para ampliar o debate com toda a sociedade e pressionar os poderes públicos a tomarem decisões que signifiquem mudanças concretas que persigam o objetivo de ofertar à população brasileira uma alimentação saudável, livre de venenos, onde a vida no campo, nas florestas e nas águas não seja ameaçada pelos agrotóxicos. E assim, seguimos.

*Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida é uma rede de organizações da sociedade que tem como objetivo denunciar os efeitos dos agrotóxicos e do agronegócio, e anunciar a agroecologia como caminho para um desenvolvimento justo e saudável da sociedade.

**Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

Editado por: Luís Indriunas

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