Por Liana Coll – Fotos Felipe Bezerra l Jornal da Unicamp – publicado em 7 de agosto de 2023.
Desde o início dos anos 2000, mais de 1 bilhão de abelhas morreram no Brasil. As causas estão relacionadas à expansão das monoculturas, que utilizam massivamente os agrotóxicos. Os impactos da mortandade são preocupantes, pois esses insetos polinizam cerca de 70% de todas as plantas do planeta e, também, facilitam a produção agrícola, sendo até mesmo indispensáveis para alguns cultivos, como o de mamão. Tendo em vista a importância das abelhas para o equilíbrio do ecossistema, a química e pesquisadora Ana Paula de Souza, do Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, analisou a presença dos agrotóxicos no mel e na cera, em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA).
Os produtos apícolas, segundo a pesquisadora, são bioindicadores da contaminação. Analisar diretamente as abelhas é difícil devido ao seu pequeno tamanho — elas pesam cerca de um décimo de grama.
Das 40 amostras de mel analisadas, seis apresentaram resíduos do herbicida glifosato acima do limite legal permitido. Nas ceras, foram detectados um ou mais agrotóxicos em 90% das amostras. O pior resultado nas ceras, diz Souza, está associado à reutilização deste produto. “As abelhas produzem a cera, que é, posteriormente, reciclada. De tempos em tempos, o apicultor a tira, monta o pente [parte da base da colmeia] e o coloca em novas colmeias. Se essa cera está contaminada, a contaminação vai progredindo ao longo dos anos e expondo as abelhas”, explica.
A pesquisa foi realizada com o mel e a cera das abelhas Apis mellifera L., conhecidas como abelhas africanizadas ou abelhas comuns. O orientador foi o professor da FEA Felix Reyes, com coorientação da coordenadora da Divisão de Química Analítica do CPQBA, Nadia Rodrigues.
O interesse pelo tema surgiu frente à preocupação com a morte massiva das abelhas no Brasil, fenômeno que também ocorre na Europa e nos Estados Unidos, bem como pela relevância desses insetos na polinização de plantações. “Tem havido a mortandade de abelhas, e elas têm um papel muito importante para a produção agrícola. Precisamos entender o que está acontecendo, porque normalmente é em decorrência dos casos de contaminação por agrotóxicos”, afirma Rodrigues.
A pesquisadora destaca também que o mel é um alimento saudável, bastante utilizado na alimentação de crianças e na composição de xaropes. Diante disso, determinar se há contaminação torna-se, ainda, mais importante. O fato de não haver uma legislação específica apontando os limites toleráveis para os níveis de defensivos agrícolas nos alimentos infantis, segundo Rodrigues, é preocupante. “Todo mundo acha [o mel] um alimento super saudável, natural. Então, surgiu daí a intenção de realmente saber se há ou não contaminação.”
Já no caso das ceras, as pesquisadoras destacam que elas são muito utilizadas na indústria de cosméticos, como em batons e cremes faciais.
Análise buscou 160 agrotóxicos
Para detectar os herbicidas e inseticidas, foram utilizadas duas técnicas analíticas, a cromatografia líquida e a cromatografia gasosa, que são métodos de separação de substâncias, associadas à espectrometria de massa, que detecta as moléculas a partir do peso da sua massa e por fluorescência. As análises ocorreram no CPQBA, no Laboratório de Toxicologia de Alimentos da FEA e no Laboratório Europeu de Referência em Frutas e Hortaliças, da Universidade de Almería, Espanha, onde Souza realizou um estágio doutoral, sob a supervisão do professor Amadeo Fernández-Alba.
O estudo buscou 160 agrotóxicos, entre os quais o glifosato, nas ceras e no mel. “O glifosato é o herbicida mais utilizado, e doses pequenas têm efeitos nos neurônios e no comportamento das abelhas, conforme já apontam alguns artigos. O produto, que foi encontrado no mel acima de limites aceitáveis para a comercialização, pode afetar a memória associativa, fazendo com que os insetos saiam da colmeia e não consigam voltar, o que acarreta sua morte”, observa.
A contaminação, sugere Souza, pode ocorrer por diversas vias. “As abelhas provavelmente estão em campo e vão trazendo os agrotóxicos no corpo, nos pelinhos, que, dessa forma, vão sendo depositados nas colmeias. Também pode ocorrer a contaminação pelas correntes de vento ou pela água.” Esse processo tem como consequência a mortandade dos insetos e desequilíbrios no ecossistema, algo que tem sido documentado. Os prejuízos podem se estender também à produção de alimentos, dado o papel fundamental das abelhas na polinização.
Para evitar que os agrotóxicos permaneçam afetando a população de abelhas e a biodiversidade, a pesquisadora recomenda que as práticas agrícolas sejam submetidas a um controle mais adequado quanto ao uso desses produtos. Ela também se preocupa com a liberação, no mercado, de outros defensivos agrícolas, resultantes de novas combinações de substâncias. “Nos últimos anos, aumentaram muito as combinações e formulações novas, e não sabemos ainda bem quais serão as consequências.”