Às vésperas da COP30, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 5.553, que contesta os generosos benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos

Por LEOMAR DARONCHO, procurador do Trabalho; FÁTIMA APARECIDA DE SOUZA BORGHI, procuradora regional da República; PEDRO LUIZ GONÇALVES SERAFIM DASILVA, subprocurador-geral do Trabalho
Do Correio Braziliense
O grave tema dos agrotóxicos desafia a inadiável pauta civilizatória. É urgente concretizar as funções da extrafiscalidade e da seletividade tributária previstas na Constituição. São diretivas que impõem o desestímulo a comportamentos social e ambientalmente nocivos. Estamos a poucos dias da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, COP30, em Belém (PA), oportunidade em que o mundo civilizado debaterá os dramáticos sinais da degradação ambiental e efetivo compromisso com o futuro do planeta.
Às vésperas da COP30, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve concluir o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 5.553, que contesta os generosos benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos. Questionam-se o Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária, que reduz em 60% a base do ICMS, além de dispositivos que zeram o Imposto sobre Produtos Industrializados.
O julgamento ocorre enquanto o governo, sob o slogan: “Incluir o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda”; trava embate com fortes interesses representados no parlamento que, apesar de ostentar pujança econômica, resistem à tributação.
Paradoxalmente, em meio à crise orçamentária, na audiência pública conduzida pelo relator da ADI 5.553, ministro Edson Fachin, a AGU manifestou-se favoravelmente à manutenção das benesses fiscais à indústria química.
Chamou atenção a ausência do Ministério da Saúde no evento, enquanto representantes do setor econômico sustentaram a relevância da atividade, que se beneficia de isenções há 30 anos. A sociedade civil, representada por dezenas de cientistas, trabalhadores e defensores do meio ambiente, demonstraram a iniquidade das vantagens tributárias concedidas à atividade que responde por externalidades negativas dos produtos tóxicos, comprometendo a saúde e a vida de trabalhadores e da população.
Embora se reconheça a notória subnotificação dos casos, documentos oficiais do Ministério da Saúde e da OMS expõem a tragédia brasileira dos sequelados pela exposição ao veneno. Em 2024, o Ministério da Saúde atualizou a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho. São mais de 40 enfermidades causadas pela exposição aos agrotóxicos: câncer, linfomas, leucemia, hipotireoidismo, Parkinson e depressão, dentre outras.
No processo a ser julgado pelo STF, o Instituto Nacional do Câncer (Inca) indicou os riscos do uso intensivo, para os trabalhadores e para o ambiente. Apontando a necessidade rever os estímulos aos agrotóxicos. O INCA destaca o fato de o Brasil autorizar agrotóxicos proibidos em outros países. Os benefícios fiscais incentivam o uso do veneno, desestimulando a busca por modelos menos tóxicos, na contramão do princípio da precaução, que exige ações para a redução progressiva e sustentadamente do uso de agrotóxicos.
Para além da arrecadação, o STF deve considerar a lição de estudiosos da função extrafiscal dos tributos. O professor Roque Antônio Carraza esclarece que o IPI e o ICMS devem guardar o caráter extrafiscal, desestimulando comportamentos e práticas nocivas e indesejadas.
Foi nesse sentido o parecer da Procuradoria-Geral da República, que chama a atenção para o fato de que os agrotóxicos não podem ser considerados produtos essenciais segundo as previsões contidas na Constituição Federal, situação que impossibilita a concessão de isenção fiscal.
Em julgamentos importantes, que contrapõem interesses econômicos imediatos com a pauta ambiental, o STF vem se posicionando de forma responsável, eventualmente corrigindo desvios de outros poderes. O STF vem dando concretude ao compromisso com a preservação do meio ambiente equilibrado, para as gerações presentes e futuras..
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n° 6.137, em que julgou a lei cearense que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos, o STF ressaltou que os princípios constitucionais da prevenção e da precaução se dirigem à proteção da saúde humana e preservação do meio ambiente sustentável, logo, “impõem cautela e prudência na atuação positiva e negativa na regulação de atividades econômicas potencialmente lesivas a esses bens jurídicos”. Uma vez mais, o STF está diante do desafio de renovar o compromisso brasileiro com a Agenda 2030 — pacto do mundo civilizado com o desenvolvimento sustentável.
