
Da Associação de Professores da UFPR
Por proposição do Grupo de Trabalho de Política Agrária, Urbana e Ambiental (GTPAUA), vinculado à APUFPR-SSind e ao ANDES-SN, foi aprovado nesta quinta-feira, 02, o “Manifesto em defesa da APA do Iraí: pela proteção da água e da vida e contra os agrotóxicos”. A deliberação foi tomada por docentes, estudantes, entidades e profissionais da UFPR e da sociedade organizada durante o evento de extensão “APA do Iraí: 23 anos sem agrotóxicos”, que lotaram o Auditório da Direção do Setor de Ciências Agrárias da UFPR, em Curitiba, na manhã desta quinta-feira, 02.
A presença massiva de representantes da comunidade acadêmica e de entidades e organizações públicas e privadas demonstrou a forte repercussão e a resistência diante da possibilidade de flexibilização do uso de agrotóxicos em importante manancial que contribui para o abastecimento de cerca de 3,7 milhões de moradores de Curitiba, Colombo, Campina Grande do Sul, Pinhais, Piraquara e Quatro Barras, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Pela atual legislação, toda a área deveria ser protegida, embora municípios como Piraquara estejam desobedecendo a norma.
Assista à íntegra do evento de extensão “APA do Iraí: 23 anos sem agrotóxicos” no canal da APUFPR-SSind, no YouTube, aqui: https://tinyurl.com/mscjhaxv

Uma das ameaças à proteção da APA do Iraí tem sido o processo de revisão do Plano de Manejo das APAs proposto pelo governo do Estado do Paraná, que pode vir a alterar as atuais regras. Já os/as docentes do GTPAUA foram motivados a realizar o debate perante a solicitação feita pela Direção do Setor de Ciências Agrárias da UFPR ao Instituto Água e Terra (IAT), órgão ambiental do Paraná, de flexibilização do uso de agrotóxicos no Centro de Estações Experimentais do Canguiri ou Fazenda Canguiri, estrategicamente localizada em área de Zona de Uso Institucional Restrito (ZUIR), no município de Pinhais.
Diante dessas e outras pressões, o Manifesto lançado pelo GTPAUA deixa evidente que os autores e seus apoiadores se declaram “veementemente contrários à flexibilização da restrição ao uso de agrotóxicos dentro da APA do Iraí”. No documento, é feita ainda uma cobrança pela manutenção e fortalecimento das restrições ao uso de agrotóxicos dirigida aos órgãos competentes – como IAT, Sanepar, Ministério Público e Assembleia Legislativa.
Leia a íntegra do “Manifesto em defesa da APA do Iraí: pela proteção da água e da vida e contra os agrotóxicos”, aqui: https://tinyurl.com/2tdxyrk9

O evento de alerta contra o uso de agrotóxicos na APA do Iraí contou com depoimentos contundentes de representantes da Sanepar, do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR), da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), do Observatório do Uso de Agrotóxicos e do Ministério Público do Estado do Paraná. Com argumentos científicos, históricos de registros de vigilância e dados comparativos com outros países, todos foram unânimes contra a pretensão de flexibilização nas áreas de manancial.
A gestora socioambiental da Sanepar e membro da Câmara Técnica do Iraí, bióloga Ana Cristina Rego Barros, destacou que a APA do Iraí faz parte de um sistema integrado de abastecimento de milhões de moradores da região, envolvendo os mananciais de Piraquara e das APAs do Rio Verde, do Rio Pequeno e do Miringuava, que se encontra em fase de formalização. Ela fez um histórico da criação da APA do Iraí e ressaltou que a preservação da quantidade e qualidade da água “foi pensada há bastante tempo”. Mas teme pela sua manutenção diante das recentes ameaças. “A permissividade de nossa legislação é problemática e precisamos refletir muito sobre isso”, afirmou.
O coordenador do programa Paraná + Orgânico, médico veterinário Evandro Massulo Richter, lembrou que o avanço na legislação ambiental foi resultado de uma preocupação muito grande com a proteção dos mananciais, ocorrida nos anos de 1990 e início dos 2.000. Ele destacou que o Paraná é o estado com maior número de produtores de orgânicos certificados e que teme pelo andamento da revisão do Plano de Manejo das APAs sem maiores debates públicos. “Por isso, este evento organizado dentro da UFPR é fundamental para lançar luz sobre este movimento que não está sendo claro”, disse.
O representante da Sesa na Comissão da Produção Orgânica, do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), engenheiro agrônomo Marcos Valério de Freitas Andersen, provou com dados comparativos que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, com a aplicação de cerca de 1,6 milhão de toneladas em 2024 e movimentando um mercado estimado em US$ 20 bilhões. Ele destacou que, dos 10 produtos mais consumidos no país, seis são proibidos pela União Europeia. Além disso, os limites máximos de uso permitido na Europa são infinitamente menores que no Brasil. “As pessoas estão expostas a essa água com uma série de contaminantes desde que nascem até a morte”, declarou.
O fundador do Observatório do Uso de Agrotóxicos, médico e professor aposentado da UFPR Guilherme Souza Cavalcanti de Albuquerque, iniciou seu depoimento com uma provocação. “Não há evidências científicas que o brasileiro seja mais resistente aos efeitos deletérios dos agrotóxicos que os europeus”, disse. Em seguida apresentou uma série de malefícios comprovadamente provocados por agrotóxicos, como o câncer, o Alzheimer, o Parkinson, a esclerose lateral amiotrófica, dentre outras doenças. De acordo com o médico, o número de suicídios também cresce com o aumento do uso de agrotóxicos.

Ao manifestar convicção de que a Reitoria e o Conselho Universitário (Coun), da UFPR, irão vetar o pedido de flexibilização do uso de agrotóxicos na Fazenda Canguiri, o procurador de Justiça Saint Claire Honorato Santos, do Ministério Público, criticou duramente a possibilidade de mudanças na legislação das APAs no Paraná. “Mudar a legislação, dar maior permissibilidade, é um absurdo completo”, afirmou. Ele propôs ampla mobilização tanto do meio acadêmico, como da sociedade organizada para inserir “a proibição do uso de venenos nas áreas de mananciais”. “Vamos às praças públicas fazer essa discussão. Temos a obrigação ética de mostrar a verdade para a sociedade”, disse.
Logo após os depoimentos, foi aberta uma sessão de perguntas e respostas em que alguns estudantes e professores do curso de Agronomia questionaram a proibição do uso de agrotóxicos, alegando que a formação de profissionais para o mercado do agronegócio exigiria treinamento em uso de agrotóxicos e isso justificaria a flexibilidade do uso de agrotóxicos na APA do Irai. Os membros da mesa responderam que a Universidade deve desenvolver estudos e propor técnicas alternativas e inovadoras para evitar o uso de produtos venenosos, preservando a saúde e a qualidade do meio ambiente. E não o contrário. A UFPR dispõe de estações experimentais fora de áreas sensíveis, em fazendas em Rio Negro e São José do Triunfo.
O diretor da APUFPR-SSind e coordenador do GTPAUA, professor Afonso Takao Murata, agradeceu a presença em grande número dos estudantes. “Ocupem todas as áreas da Universidade, ouçam, estudem, porque o debate de alto nível é fundamental no processo de construção do conhecimento e de uma sociedade melhor”, recomendou. Para ele, o fundamental do evento foi a discussão da APA do Iraí que envolve a vida, a saúde e o meio ambiente de milhões de pessoas. “A sociedade precisa voltar a dialogar sobre o que é importante para nós evoluirmos enquanto humanidade. E é esse o papel de uma Universidade”, afirmou.