Por Terra de Direitos e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.

O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar nesta quinta-feira (14) a Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona isenção fiscal para determinados tipos de agrotóxicos.
Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.
A medida tem impacto direto na arrecadação fiscal. De acordo com levantamento realizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a estimativa é de que estados e União deixaram de arrecadar R$ 12,9 bilhões, considerando a comercialização de agrotóxicos no ano de 2021. O valor representa, por exemplo, dez vezes o orçamento reservado pela União em 2025 para conservação da biodiversidade e combate ao desmatamento e incêndios (R$ 1,27 bilhões).
A isenção dos agrotóxicos ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias. Deste modo, há 28 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal.
Para as organizações sociais, é fundamental que seja elaborada uma análise atualizada sobre a concessão de benefícios fiscais aos agrotóxicos. Isto porque não houve, desde a concessão da não tributação, uma avaliação dos impactos financeiros aos cofres público, nem mesmo a revisão ao longo das quase três décadas da pertinência das desonerações para os produtos de já reconhecido impacto para saúde e meio ambiente.
“Nem mesmo na ata da reunião do Confaz que aprovou a isenção fiscal consta qualquer justificativa para o benefício, ele foi concedido sem apresentação de dados técnicos ou estudos de impacto”, destaca a assessora jurídica Jaqueline Andrade.
“Até hoje, o governo não avaliou os resultados dessa política, isentiva nem sua pertinência frente aos riscos à saúde e ao meio ambiente. É urgente uma reavaliação ampla e multidisciplinar das isenções aos agrotóxicos, como defendem os ministros André Mendonça e Flávio Dino nos votos apresentados durante o julgamento da ação”, complementa.
“Incentivar os agrotóxicos é estimular práticas agrícolas insustentáveis, que vão na contramão daquilo que o Brasil pretende mostrar ao mundo na COP30. Por isso, esperamos que o STF se mantenha em sintonia com a sociedade e acabe de uma vez por todas com essa vergonhosa bolsa veneno”, complemente o integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Alan Tygel.
Ele ainda destaca que, com a instituição do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, em junho deste ano, o Estado brasileiro deve eliminar todos os incentivos fiscais concedidos aos agrotóxicos, e direcionar estes recursos para a saúde e a promoção da agroecologia.
Manifestações dos ministros
O julgamento da ação foi iniciado em 2020, em plenário virtual. Em abril do ano passado o julgamento foi deslocado para plenário presencial, por meio de destaque feito pelo ministro André Mendonça. O recurso regimental reestabelece o julgamento do início. Com isso, os votos já proferidos – 8 ao todo – podem ser revistos.
Relator da ação, o ministro Edson Fachin havia reconhecido em seu voto que a isenção fiscal dos agrotóxicos é inconstitucional. O ministro concluiu que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.
Na manifestação do voto, o ministro evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, apontou Fachin. O posicionamento do ministro é semelhante ao das organizações sociais que atuam como amicus curiae (amigos da Corte) na ação, como a Terra de Direitos, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, a Associação Brasileira de Agroecologia e Fian Brasil.
Já o ministro Gilmar Mendes acolheu os argumentos de entidades vinculadas ao agronegócio e se manifestou pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. Mendes afirmou em seu voto que os danos à saúde “não devem ser desconsiderados, mas por si próprios são insuficientes para se declarar a inconstitucionalidade dos benefícios, porquanto produtos essenciais não são isentos de causarem malefícios à saúde”. A posição diverge do relator Fachin e de um conjunto de organizações, pesquisadores e órgãos que denunciam os fortes impactos dos agrotóxicos para a saúde e meio ambiente, o que descumpre preceitos constitucionais.
Os ministros Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli acompanharam o voto de Gilmar Mendes. Já o ministro André Mendonça reconheceu, parcialmente, a inconstitucionalidade da isenção fiscal e determinou que a União e estados façam uma avaliação deste benefício. Com isso, o ministro abriu um voto intermediário.
Resultado da reivindicação popular, em novembro de 2024 foi realizada uma audiência pública no âmbito da ação para escuta técnica a diferentes setores e áreas, de modo a subsidiar a decisão dos ministros.
Na avaliação das organizações sociais, a retomada do julgamento da ação pelo plenário é uma oportunidade de revisão dos votos já manifestados e avaliação pelos ministros que não se manifestaram na ação, Luiz Fux e Nunes Marques. “Por isso é fundamental a mobilização da sociedade e pressão para que os ministros tenham novos posicionamentos no julgamento da ação”, destacam as organizações.
Nova ação no STF
Em novembro o Partido Verde (PV) ajuizou a ADI nº 7755. A ação, ao questionar a reforma tributária, também questiona a isenção fiscal dos agrotóxicos. Na ação, o PV sustenta que esses benefícios, como a redução de 60% na base de cálculo do ICMS em operações interestaduais e a concessão de isenções por estados em operações internas, violam princípios constitucionais como o direito ao meio ambiente equilibrado, à saúde pública e a disciplina tributária, incluindo o princípio da seletividade.
Em razão de conter similaridades, as duas ADIs estão pautadas para esta quinta-feira. Ambas estão sob relatoria do ministro Edson Fachin, a serem julgadas na próxima quinta-feira.
As organizações sociais Terra de Direitos, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura (Acesa), Instituto de Agroecologia e Cooperação Andrea Santos e Associação Nacional das Vítimas dos Venenos (Anvive) ingressaram, nesta quarta-feira (15), com pedido de amicus curiae na ação.