Por Roberta Quintino l Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida

A comunidade de Lagoa da Casca (CE) vivenciou dois episódios de contaminação por agrotóxicos nos últimos meses. O primeiro incidente ocorreu em 27 de julho, quando moradores da região notaram um produto químico de cheiro intenso espalhado entre lombadas improvisadas, levando à evacuação da área por orientação da vigilância sanitária. Uma criança de seis anos apresentou sintomas de intoxicação e foi atendida no posto de saúde. A prefeitura de Quixeré demorou até 1º de agosto para remover o material.
O segundo episódio, ocorrido em 19 de agosto, foi ainda mais direto, uma família sentiu novamente o forte cheiro do mesmo produto químico e constatou que o veneno havia sido lançado diretamente em sua residência. O agrotóxico, identificado como Terbufós, atingiu o telhado, o piso da área de serviço, objetos pessoais, o recipiente de água potável e o meliponário da família. A mãe da criança de seis anos, que já havia sido intoxicada, manifestou bolhas na boca, crises de tontura e ansiedade dias após o segundo caso, sendo orientada a procurar atendimento médico.
A reincidência dos fatos motivaram o registro de Boletim de Ocorrência, e os casos estão sob investigação em inquérito policial. Em relatório de vistoria, a Vigilância Sanitária municipal confirmou “a presença de agrotóxicos nas duas ocorrências, configurando risco potencial à saúde pública, ao solo e ao meio ambiente, em possível descumprimento da legislação ambiental”.
Diante da gravidade dos fatos, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará acionou órgãos como a Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), a Agência de Defesa Agropecuária (Adagri) e a Perícia Forense (Pefoce) para providências e análises.
A agente da Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte, Aline Maia, relata que embora as autoridades tenham agido, a sensação de insegurança permanece entre os moradores da comunidade.”Os moradores não quiseram conversar conosco por medo. Eles não querem se envolver,” afirmou a agente, destacando que a população teme represálias, lembrando-se do assassinato de Zé Maria do Tomé, militante conhecido na região pela luta contra agrotóxicos.
Maia aponta ainda para uma “dupla vulnerabilidade” das famílias. Ela detalha que a comunidade é composta por “pessoas humildes, muitas das quais trabalham para as empresas do agronegócio”, estando expostas aos agrotóxicos tanto pelo trabalho quanto pela proximidade de suas moradias. Além disso, as famílias são vistas como “entraves para circulação das empresas do agronegócio”, atuando como obstáculo para o fluxo desejado.
A legislação atual permite a pulverização de agrotóxicos a apenas 30 metros de distância de residências e equipamentos públicos, uma distância que é vista como insuficiente e insegura.
A flexibilização da Lei Zé Maria do Tomé (Lei nº 16.820/19), que proíbe a pulverização aérea, tem intensificado a preocupação sobre o uso de agrotóxicos, especialmente por drones. Aline Maia levanta a preocupação com o uso de drones para a pulverização, que são difíceis de rastrear e operam frequentemente à noite. Embora não haja confirmação de que os incidentes de Lagoa da Casca tenham sido causados por drones, a possibilidade aumenta a apreensão.
Para ela, os casos expõem ainda um despreparo geral do poder público, que não tem um protocolo claro para lidar com esses casos. “O que revela para nós, é, esse despreparo de um protocolo de como se posicionar, como conduzir, seja a nível de município, a nível de estado, e como conduzir essas situações diante de um episódio desse”.
Para a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, que defende há anos a urgência de leis mais restritivas, a situação em Lagoa da Casca e em outras comunidades no estado do Ceará serve de alerta sobre as consequências da flexibilização das leis ambientais, da liberalização do registro de agrotóxicos, da falta de fiscalização e responsabilização das empresas produtoras de venenos. Nesse contexto, a Campanha reforça a importância da efetiva implementação de medidas como o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que visa proteger a saúde, o meio ambiente e a vida das comunidades no estado e em todo o país.