Por Conselho Indigenista Missionário (CIMI) l Publicado em 21 de setembro de 2025.

Os Guarani e Kaiowá retomaram neste domingo (21) a Fazenda Ipuitã localizada dentro dos limites da Terra Indígena (TI) Guyraroká, em Caarapó (MS). A área, declarada pela Funai como de ocupação tradicional, aguarda a conclusão do processo de homologação.
De acordo com os indígenas, a ação teve como objetivo impedir a pulverização descontrolada de agrotóxicos que, conforme denúncias nacionais e internacionais, amplamente repercutidas na imprensa nacional, atinge aldeias da comunidade. A Funai ainda não se dirigiu à retomada e os indígenas reivindicam a presença.
Policiais civis e militares, acompanhados pelo Departamento de Operações de Fronteira (DOF), estiveram na retomada e ameaçaram levar indígenas presos alegando que há reféns, o que os Guarani e Kaiowá negam. O grupo resistiu e os policiais informaram que voltariam ao local com reforços.
Anciãos e crianças são os que mais sofrem. Além disso, centenas de Guarani e Kaiowá da TI seguem deslocados por todo o cone sul do estado
A Força Nacional de Segurança está a caminho da retomada. Há risco dos indígenas sofrerem ataques, sobretudo à noite. A própria TI Guyraroká sofreu na história recente um conjunto de violências decorrente da disputa fundiária registrando remoções forçadas, ameaças, agressões e atropelamentos.
Os Guarani e Kaiowá perderam quatro toneladas de sementes porque com o uso indiscriminado de agrotóxicos pelos fazendeiros, micro-organismos e insetos buscam alimentos e devoram as plantações dos indígenas – o que gera insegurança alimentar. Por outro lado, como a pulverização acontece sobre a comunidade, as plantas que escapam dos insetos acabam “queimadas”.
Agrotóxicos: ataques químicos
Tramitam ações judiciais impetradas pelo Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) solicitando apuração e providências sobre os responsáveis por pulverizações aéreas (aviões) e terrestres (tratores) de agrotóxicos sobre as aldeias. Casas e até a escola indígena são alvos constantes do que autoridades de direitos humanos entendem como “ataques químicos”.
Operações policiais confirmam a situação. Em uma delas, realizada no dia 1º de julho deste ano pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Força Nacional, com apoio das Polícias Judiciária e Técnico-Científica, resultou na apreensão de 202 kg de agrotóxicos contrabandeados do Paraguai.
Os produtos estavam escondidos em depósitos clandestinos no interior de uma fazenda localizada em área declarada como Terra Indígena Guyraroká. Por sua vez, os Guarani e Kaiowá acumulam registros de vídeo mostrando a pulverização sobre a aldeia.
“Chamam a gente aqui de (capim-)amargoso, resistente ao veneno, que só se arranca com a enxada. Começou ontem o despejo (terça-feira, 29), às 15 horas, e continuou hoje (quarta-feira, 30), às 10 horas. O cheiro é insuportável, um horror. Infelizmente isso se normalizou só que diferente do amargoso, somos seres humanos”, disse Erileide Guarani Kaiowá em 30 de outubro de 2024.
Em 2022, nas Nações Unidas, em Genebra, na Suíça, Erileide denunciou o que a Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani e Kaiowá, considera como ataque químico. A indígena participou da Revisão Periódica Universal (RPU), um mecanismo único e central do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (ONU). Seu objetivo é melhorar a situação dos direitos humanos em cada um dos 193 países membros da ONU.
Em maio de 2019, quatro crianças e dois adolescentes precisaram de atendimento médico após intoxicação provocada pelo contato com calcário e agrotóxicos utilizados em área da Fazenda Remanso, localizada a 50 metros da escola indígena. As crianças tinham um e dois anos; os adolescentes, 17 e 18 anos. Na ocasião, a comunidade também gravou imagens.

Visita do relator da CIDH
No último 22 de agosto, o comissário Arif Bulkan, relator para os Povos Indígenas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), visitou a TI Guyraroká quando ouviu a comunidade, em especial Tito Vilhalva Guarani e Kaiowá, de 108 anos.
“Não sei se ainda estarei vivo para ter a terra demarcada, é o que eu desejo, mas que pelo menos meus filhos, netos e bisnetos vejam”, disse seu Tito ao comissário.
A questão Guyraroká é alvo de uma petição em trâmite na CIDH. Bulkan declarou aos Guarani e Kaiowá que o caso da TI Guyraroká precisa de encaminhamento por parte da Comissão, podendo o organismo internacional estabelecer prazos ao Estado brasileiro para resolução e até mesmo encaminhar o processo para a Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Situação do procedimento administrativo
O procedimento administrativo de demarcação da TI Guyraroká foi anulado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em 2011. A TI havia sido declarada pela Funai com 11.400 hectares. No entanto, os Guarani e Kaiowá ocupam apenas 50 hectares deste total. Estão cercados por fazendas e vivem em regime de confinamento, sem espaço para atividades de subsistência.
“Estamos em um pequeno espaço, sem condições de plantar, sendo pulverizados por agrotóxicos e não há um encaminhamento de demarcar nosso território garantindo o que a Funai já declarou”, disse Erileide Guarani e Kaiowá.
Agrotóxicos no Brasil
Atualmente, o Brasil é o maior usuário de agrotóxicos do mundo, embora não seja o campeão mundial de produção agrícola, sendo, ainda, o principal destino de agrotóxicos barrados no exterior.
Conforme Relatório de Comercialização de Ingredientes Ativos de Agrotóxicos do Ibama 2022, as vendas dos produtos classificados como “Químicos e Bioquímicos” foram de 800.652 toneladas de ingredientes ativos, o que representa um aumento de aproximadamente 11% em relação ao ano anterior (2021), cujas vendas foram de 720.870 toneladas.
No entanto, as vendas totais dos produtos vêm aumentando a cada ano, como se pode constatar no Relatório Comercialização de Agrotóxicos – 2009 a 2022, disponível no site do IBAMA.