Por Terra de Direitos l Publicado em 14 de dezembro de 2023.
O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a julgar nesta sexta-feira (15), em modalidade virtual, a Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona isenção fiscal para agrotóxicos. O julgamento havia sido suspenso em 30 de outubro, com pedido de vista da ministra Carmen Lúcia. Até o momento cinco ministros se manifestaram na Ação.
Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553 questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.
A isenção dos agrotóxicos ocorre porque o Estado brasileiro aplicou, por meios destes dispositivos, o princípio da seletividade e essencialidade tributárias. Este princípio determina que o Estado pode selecionar produtos e conferir benefícios fiscais, conforme sua importância social. Isto é, se o produto é essencial para a coletividade pode ter isenções ou reduções tributárias. Deste modo, há mais de 26 anos, o mercado de agrotóxicos é beneficiado com isenção fiscal.
Na modalidade virtual o julgamento da ação ocorre sem a realização presencial de sessão e transmissão dos votos dos ministros. Os ministros possuem o prazo de até 5 de fevereiro para manifestarem seus votos, adicionando no sistema. A Suprema corte entra em recesso no dia 20 e retorna em 06 de janeiro.
Posicionamento dos ministros
O ministro e relator da Ação, Edson Fachin, reconheceu em seu voto proferido em novembro de 2020, a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais. O ministro conclui que as normas questionadas pela ADI 5553 violam artigos da Constituição brasileira e sugeriu uma série de providências para a cobrança de ICMS e IPI sobre importação, produção e comercialização de agrotóxicos; além de solicitar que órgãos do governo avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos” sobre os agrotóxicos.
Na manifestação do voto, o ministro não se restringiu a analisar a questão tributária, mas evocou também o princípio da precaução sobre uso dos agrotóxicos para destacar as evidências de riscos de uso e consumo dos químicos ao meio ambiente e à saúde. “O uso de produtos nocivos ao meio ambiente ameaça não somente animais e plantas, mas com eles também a existência humana e, em especial, a das gerações posteriores, o que reforça a responsabilidade da coletividade e do Estado de proteger a natureza”, aponta Fachin. O posicionamento do ministro é semelhante ao das organizações sociais que atuam como amicus curiae (amigos da corte) na ação, como a Terra de Direitos e Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
Já o ministro Gilmar Mendes votou no dia 09 de junho pela manutenção dos benefícios fiscais aos agrotóxicos. Depois de quase dois anos do processo suspenso pelo pedido de vista do ministro, Gilmar Mendes acolheu os argumentos de entidades vinculadas ao agronegócio e se manifestou pelo não reconhecimento da ação que contesta a constitucionalidade do benefício. Mendes afirma em seu voto que os danos à saúde “não devem ser desconsiderados, mas por si próprios são insuficientes para se declarar a inconstitucionalidade dos benefícios, porquanto produtos essenciais não são isentos de causarem malefícios à saúde”. A posição diverge do relator Fachin e de um conjunto de organizações, pesquisadores e órgãos que denunciam os fortes impactos dos agrotóxicos para a saúde e meio ambiente, o que descumpre preceitos constitucionais. Os ministros Cristiano Zanin e Dias Toffoli acompanharam o voto de Gilmar Mendes.
Já o ministro André Mendonça reconhece, parcialmente, a inconstitucionalidade da isenção fiscal e determinou o prazo de 90 dias para a União e estados façam uma avaliação deste benefício.
“É fundamental que os outros cinco ministros(a) ainda a julgarem a ação reconheçam a inconstitucionalidade da isenção. A política fiscal atual é indutora de privilégios à produtos que são comprovadamente danosos à saúde, à alimentação saudável e a biodiversidade, isto é, o Supremo Tribunal Federal, como guardiões da Constituição, deve decidir para assegurar a proteção desses princípios fundamentais”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade.
Pacote do veneno
A retomada do julgamento da Ação pelo STF ocorre em paralelo à reivindicação de organizações, conselhos e pesquisadores pelo veto integral pela Presidência da República ao Projeto de Lei 1.459/2022, conhecido como “`Pacote do Veneno”. Contrariamente à mais de uma centena de manifestações e estudos e ampla oposição popular, a proposta legislativa foi aprovada no dia 29 de novembro pelo Senado e seguiu para sanção presidencial. A medida, caso sancionada, irá flexibilizar e facilitar a aprovação e circulação de agrotóxicos, com prazos para registros mais rápidos e menos rigorosos, entre outras medidas.
Um dos argumentos em defesa do Projeto de Lei mais recorrentes durante sua tramitação pelas duas casas legislativas é que a atual legislação (Lei 7.809/89) dificulta a aprovação de novos registros. No entanto, os últimos anos acumulam altos números de registros aprovados. Apenas em 2023 já são contabilizados 505, segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária até a data de 5 de dezembro. Os altos índices dão sequência aos números recordes de registros durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Durante os anos de 2019 a 2022 houve 2.182 liberações de registros de agrotóxicos.