Além dos impactos no meio ambiente, Fran Paula, explica que as mudanças climática afetam ainda a disponibilidade de variedades de alimentos e a segurança alimentar das regiões
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Por Solange Engelmann
Da Página do MST
Nos últimos tempos, os impactos das mudanças climáticas têm se tornado cada vez mais comuns aos povos nos centros urbanos, principalmente nas periferias, e na área rural, com o aumento na frequência de chuvas e tempestades violentas, enchentes e secas, que geram vários tipos de destruição, podendo chegar até a morte de populações, como ocorreu recentemente com as inundações no Rio Grande do Sul, a partir do mês de abril, em que 172 pessoas morreram, 86 ficaram feridas, 42 seguem desaparecidas e ainda 580,1 mil pessoas estão desalojadas, além de todos os prejuízos materiais e psicológicos.
Para além disso, as mudanças climáticas também vem provocando vários impactos negativos, cada vez mais implícitos nos Biomas brasileiros, afetando a vida das comunidades rurais nesses territórios, o solo, à água, a biodiversidade e os tipos de alimentos produzidos.
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“Esse ano no Mato Grosso, na região do Pantanal, a seca começou mais cedo e isso prolongou o período de queimadas, pegando de surpresa não só a população local, mas também as instituições de prevenção. As queimadas também vão colaborando com uma maior perda de biodiversidade do Pantanal. E, infelizmente, esse desequilíbrio acaba afetando a vida de todo mundo”, afirma, Fran Paula, engenheira agrônoma, mestra em saúde pública, pesquisadora em impactos dos agrotóxicos na saúde, meio ambiente ambiente e é integrante da coordenação nacional da Campanha Permanente contra os Agrotóxico e pela Vida.
Leia abaixo a entrevista na íntegra.
Quais os efeitos das mudanças climáticas na destruição dos Biomas brasileiros, como a seca na Amazônia, as queimadas no Pantanal e a destruição do Cerrado?
A partir do nosso trabalho nos territórios junto às comunidades rurais, temos observado como os efeitos das mudanças climáticas na destruição dos biomas tem se potencializado e ampliado nos últimos anos em todos os Biomas. E a partir dos relatos também dos agricultores/as é possível identificar os impactos e as ameaças na produção de alimentos saudáveis e na soberania e segurança alimentar dessas comunidades. Por exemplo, as secas na região Amazônica, que é rica em biodiversidade de floresta e de rios, tem afetado diretamente a vida das populações não só ribeirinhas, mas extrativistas, que também dependem do equilíbrio ambiental desse Bioma para desenvolver as suas atividades agrícolas e também seus modos de vida e culturais ancestrais, principalmente se tratando de povos e comunidades tradicionais.
No Mato Grosso, em uma região que abrange três biomas: Cerrado, Amazônia e Pantanal, andando nas comunidades, você consegue identificar que é unânime, como esses impactos tem recaído e gerado vários processos, como a erosão genética na biodiversidade, a perda de sementes, que são importantes, não só para a geração de renda, mas também para a alimentação dessas famílias. Ou seja, como a insegurança, por exemplo, hídrica nessas regiões está muito relacionada com a insegurança alimentar. E não só da comunidade, mas de toda a população, que se beneficia também com a produção desses alimentos da agricultura familiar. Então, esses são alguns efeitos que recaem sobre os biomas, sobre os territórios, mas até a população que está nas cidades sente os efeitos das mudanças climáticas na produção de alimentos, por exemplo, com a questão dos preços e a disponibilidade de variedades, ligadas à cultura alimentar daquela região, que acabam desaparecendo pela impossibilidade de reprodução, diante da falta de chuvas, das secas, que afetam drasticamente as roças e os sistemas de produção alimentares.
Pode citar mais alguns exemplos disso?
Até biomas, por exemplo, como o Pantanal, têm características de terem uma disponibilidade de água. São Biomas com vegetações que dependem justamente dessa dinâmica das cheias dos rios, como a Amazônia e têm impactos de dimensões gigantescas. Por exemplo, esse ano no Mato Grosso, na região do Pantanal que estou, a seca começou mais cedo e isso prolongou o período de queimadas e estendeu esse período de queimadas, pegando de surpresa não só a população local, mas também as instituições de prevenção. As queimadas também vão colaborando com uma maior perda de biodiversidade do Pantanal. E, infelizmente, esse desequilíbrio acaba afetando a vida de todo mundo. O Cerrado é a mesma coisa, conhecido como o berço das águas, sente cada vez mais esses efeitos dos períodos de estiagem, da falta de água e perda de biodiversidade como nos outros Biomas. Isso nos preocupa muito.
Por que? Quais são as saídas?
Você vê a adoção do que a gente chama de falsas soluções, que não resolvem o problema, mas acabam, às vezes, impactando em outras dimensões nos povos e comunidades que vivem nesses biomas.
Não basta só apontar o problema. São impactos produzidos pelo próprio ser humano a partir de atividades agressivas ao meio ambiente, dando vários alertas sobre a insustentabilidade de ações pensadas para o desenvolvimento do país. O desmatamento das florestas, essas queimadas, acabam alimentando um ciclo, de injustiças socioambientais, porque são fatores que geram mudanças climáticas, como a mudança de temperatura dos ambientes, a falta de chuvas ou excesso de chuvas em alguns lugares, mostrando o desequilíbrio ambiental gerado por ações humanas.
Por que o agronegócio e suas cadeias produtivas têm responsabilidade sobre as mudanças climáticas?
Porque adotam práticas que são agressivas à natureza, que colaboram para potencializar esses efeitos de desequilíbrio ambiental e das mudanças climáticas. É preciso que, ao pensar em soluções, sejam consideradas essas práticas, que são danosas para a natureza, porque os sistemas agrícolas quimicamente dependentes, fazem parte de uma estrutura à base de monocultivo. Então, se desmata, queima para a instalação dessas espécies, que são commodities voltadas para a comercialização no mercado exterior. Mas também são sistemas quimicamente dependentes de sementes modificadas, transgênicas, de uso massivo de agrotóxicos, o que gera ainda mais perda da biodiversidade, contaminação dos solos, contaminação da água, contaminação do ar. É uma cadeia, um ciclo destrutivo, não só da natureza, mas da humanidade, que depende do meio ambiente equilibrado e saudável para a reprodução da vida.
Temos denunciado que o sistema capitalista, principalmente vinculado à indústria química, no rural, ele se retroalimenta desse desastre ambiental, desequilíbrio, dessa crise climática, para lucrar em cima. Então, por exemplo, a gente observa em regiões que sofrem com o desequilíbrio ambiental, a perda de biodiversidade, de insetos, de polinizadores nessas próprias indústrias, que acabam incentivando o uso de mais agrotóxicos para combater o desequilíbrio. É muito preocupante, que o capital tenha gerado essa crise e também lucrado com ela, oferecendo falsas soluções que prolongam ainda mais o problema e criam uma dependência também química e financeira nos agricultores e agricultoras.
Quais as medidas necessárias, por parte dos governos e da sociedade civil no enfrentamento às mudanças climáticas e destruição dos Biomas brasileiros?
Recentemente, a gente tem contribuído com a publicação do Atlas dos Agrotóxicos, justamente fazendo essa relação das mudanças climáticas e a utilização de agrotóxicos, e seus efeitos. Apontando como o desequilíbrio ambiental provoca os efeitos das mudanças climáticas e incentiva a utilização de agrotóxicos, que contamina os solos, a saúde das pessoas, do meio ambiente, afetam a disponibilidade e a vida de polinizadores que são insetos importantes para a agricultura e reprodução dos alimentos.
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Por parte da sociedade civil, tem sido cobrado do governo brasileiro iniciativas para conter práticas que são danosas ao meio ambiente, geram impactos e potencializam as alterações do clima, gerando desequilíbrio ambiental, que afeta a biodiversidade e os biomas brasileiros. Uma delas, é o uso de agrotóxicos no país. Estamos no momento de cobrar do governo brasileiro a adoção de medidas restritivas para reduzir a utilização de agrotóxicos no Brasil. A gente tem embasamentos técnicos científicos suficientes que demonstram que a utilização de agrotóxicos tem impactado diretamente os Biomas brasileiros. A contaminação das águas, a perda da biodiversidade, contaminação do solo. Tudo isso contribuindo negativamente para uma agressão ao meio ambiente, à natureza, gerando vários impactos na sociedade.
É preciso implementar sistemas alimentares mais sustentáveis, mais saudáveis, a partir dos territórios da agricultura familiar, dos povos, de comunidades tradicionais que são guardiões da biodiversidade, produzindo alimentos e contribuindo para o equilíbrio climático. Então, é preciso que os países, os governos mudem e invistam na transição dos seus sistemas alimentares para sistemas agroecológicos, sistemas saudáveis, que promovam a injustiça climáticas. Isso é para ontem.
Vários países têm mudado as suas leis e assumido diretrizes e compromissos para implementar políticas públicas e combater os efeitos das mudanças climáticas. No Brasil, o que a gente vê ainda é uma política ultrapassada e perigosa para o meio ambiente e para a vida da sociedade brasileira. Há um grande incentivo por parte do governo para setores do agronegócio, para empreendimentos como hidrelétricas, portos, mineração, que geram impactos drásticos no meio ambiente.
*Editado por Wesley Lima