Organizações denunciam para ONU a dificuldade de acesso à justiça nos casos de contaminação por agrotóxicos

Por Terra de Direitos l publicado em 06 de março de 2025.

Foto: Getty Images

Os obstáculos para acesso à justiça nos casos de contaminação por agrotóxicos, especialmente de grupos mais vulneráveis, foi objeto de denúncia realizada, no dia 04 de março, por organizações sociais do Brasil, Argentina e Alemanha ao Relator especial sobre Substâncias Tóxicas, Marcos Orellana, da Organização das Nações Unidas (ONU). O objetivo do envio de informações para o relator especial é contribuir com o relatório temático a ser apresentado neste ano por Orellana ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.  

As informações foram reunidas pelas organizações Terra de Direitos, Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (Fetaema), Instituto Preservar, Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, Centro de Estudios Legales y Sociales (CELS) e European Centre for Constitutional and Human Rights (ECCHR).  

“Os aportes apresentados pelas organizações expõem os desafios estruturais para a proteção dos direitos humanos frente ao uso de agrotóxicos, entre eles os obstáculos enfrentados pelas vítimas no acesso à justiça que resulta, na maioria dos casos, em impunidade. O que se busca, portanto, é que a ONU contribua com o fortalecimento das estruturas normativas e mecanismos judiciais que garantam o acesso à justiça e responsabilização para as vítimas de exposição tóxica”, destaca a assessora jurídica da Terra de Direitos, Jaqueline Andrade.

No informe o conjunto de organizações destaca que o recolhimento de provas e a realização de denúncias de contaminação por agrotóxicos acentua um quadro de riscos e ameaças aos defensores de direitos humanos na América Latina, especialmente os ambientais. “Além disso, a região possui instituições governamentais fracas, mais sujeitas a pressões econômicas de desregulamentação e com pouca estrutura para monitorizar o registro, venda e utilização de pesticidas”, aponta um trecho do informe enviado ao relator.   

Não é a primeira vez que organizações brasileiras e de outros países denunciam à relatoria especial o quadro de uso intensivo de agrotóxicos nos seus países. O relatório apresentado em 2020 por Baskut Tuncak, relator que precedeu Orellana, já denunciava que o Brasil, em específico, desencadeava um movimento de flexibilização de normativas e de estímulo ao uso dos agrotóxicos, mesmo os de alta toxidade e proibido nos países de origem.  

Mesmo com alerta do relator, recentes medidas flexibilizaram as normativas nas diferentes esferas para uso de agrotóxicos, com impacto na busca por justiça e reparação. No novo informe as organizações destacam a aprovação da Lei 19.135/2024, que permite o uso de drones e aeronaves não tripuladas para a fumigação de agrotóxicos no Ceará e a aprovação em 2023 da Lei 14.785/2023, conhecida como “Pacote do Veneno”. Objeto de forte lobby de indústrias dos agrotóxicos junto ao Executivo e Legislativo federal, a nova lei trouxe profundas mudanças e retrocessos na legislação até então vigente para a regulamentação dos agrotóxicos no país, a Lei 7.802/1989. Diante da violação de direitos à saúde, meio ambiente e administração pública, entre outros, a lei do “Pacote do Veneno” é objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade 7701 (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF). Não há ainda previsão de quando a ação deve ser julgada pela Corte.    

Outro destaque do informe é sobre o uso de agrotóxicos como arma química, especialmente contra comunidades em conflitos agrários e disputas de terras, como povos indígenas, comunidades quilombolas e agricultores familiares. É nesse contexto que a comunidade quilombola de Providência, no arquipélago do Marajó (PA), foi alvejada pela pulverização de agrotóxicos usado na monocultura de arroz por um grande proprietário de terras que invadiu a área tradicional. A comunidade, apoiada pela Coordenação das Associações Quilombolas do Pará (Malungu) e Terra de Direitos, ajuizou ação judicial exigindo a destituição do proprietário, o fim das ameaças, da violência e a garantia dos direitos territoriais.  

Outro caso é o da comunidade Guaraní Kaiowá da Terra Indígena Guyraroka (MS). Situada a cerca de 50 hectares de plantações de soja, os povos originários sofrem sistemática intoxicação por aplicação de agrotóxicos por aviões, drones e tratores nos plantios vizinhos. A prática intensiva de uso de agrotóxicos tem impactado a saúde da comunidade, especialmente de crianças. 

Obstáculos para acesso à justiça 
Um estudo realizado pela Terra de Direitos e Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida aponta que a omissão de órgãos fiscalizadores, o medo das pessoas em denunciar e a falta de reparação às vítimas são alguns dos principais entraves para que os culpados por crimes ambientais causados por agrotóxicos sejam responsabilizados.  

A pesquisa Agrotóxicos e Violação dos Direitos Humanos no Brasil aponta que em 97% dos casos analisados, o crime ocorreu por ação de agente privado externo à comunidade ou por ações de empresas privadas. Em apenas 11 dos 30 casos houve alguma responsabilização do agente violador.  

As organizações destacam no informe que recai sobre as comunidades violadas a responsabilidade de reunir provas da contaminação por agrotóxicos na busca por justiça. Em casos de aplicação de agrotóxicos por drones, por exemplo, é mais difícil ainda identificar informações sobre proprietário, marca, responsável pelo uso, entre outras informações necessárias para compor a denúncia. Em abril do ano passado uma coalizão de seis organizações sociais da Argentina, Brasil, Paraguai, Bolívia e Alemanha apresentaram uma denúncia perante a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) contra a transnacional Bayer.  

Na denúncia as organizações responsabilizam a Bayer por sistemáticas violações dos direitos humanos. O ambiente de pouca transparência da transnacional e alta complexidade das cadeias produtivas da soja são enfatizadas no informe enviado ao relator especial.   

“As empresas agroquímicas operam frequentemente em contextos marcados pela violência, tornando extremamente difícil para as comunidades afetadas denunciar os impactos ambientais e sobre os direitos humanos da pulverização de pesticidas e do cultivo de soja em grande escala”, enfatizam no informe enviado ao relator especial. As Diretrizes da OCDE ainda estabelecem que as denúncias devem apresentar provas fundamentadas da ligação entre as atividades ou produtos da empresa e os danos, recaindo sobre as vítimas ônus excessivo de carga probatória.  

Como alternativa, as organizações sugerem a priorização da prova de exposição perigosa em relação à prova direta de causalidade entre o dano sofrido e produtos específicos, o que permitiria um avanço significativo no acesso à justiça para indivíduos e comunidades cujos direitos tenham sido violados em contextos de exposição aos agrotóxicos, destaca as organizações.  

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