“Os agrotóxicos e a crise climática caminham juntos”, destaca Larissa Bombardi

Por Terra de Direitos l Publicado em 14 de novembro de 2025.

Com participação de Larissa Bombardi, debate na Cúpula dos Povos alerta para grave quadro de contaminação da América Latina por agrotóxicos. Foto: Lizely Borges

No dia seguinte a abertura da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA), foi publicado no Diário Oficial da União a liberação pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) de mais 30 registros de agrotóxicos. Alguns deles de altíssima toxidade e proibidos na União Europeia, sede das principais transnacionais produtoras de agrotóxicos, como a Bayer e Basf (Alemanha) e Syngenta (Suiça)

Em entrevista de Larissa Bombardi para a Terra de Direitos, a pesquisadora reflete sobre a liberação de novos registros em meio a COP30, a manutenção o controle da terra como poder estruturante na política nacional e a relação do clima com o uso de agrotóxicos. “Os agrotóxicos e a crise climática caminham juntos”, destaca a pós-doutora integrante da International Pesticide Standard Alliance (IPSA, Aliança Internacional para a Padronização de Agrotóxicos, em livre tradução).

Além da liberação de novos registros outro fator circunda a relação do estado com o mercado de agrotóxicos. Está em andamento o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5553 e 7755, que discutem benefícios fiscais concedidos à comercialização de agrotóxicos. Com dispositivos que concedem redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) e isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos, o mercado tem sido beneficiado há mais de 28 anos.

Na última semana o Ministro André Mendonça defendeu, em seu voto no julgamento, de que a tributação dos agrotóxicos deve passar por juízo de proporcionalidade que considere a saúde e meio ambiente. “Não faz nenhum sentido. Então um agrotóxico que mata em menos tempo vai pagar menos, o que mata mais rápido vai ter mais impostos?”, aponta Larissa

A isenção fiscal tem sido duramente criticada por organizações – como a Terra de Direitos, pesquisadores e organismos internacionais em razão dos impactos ao meio ambiente, saúde, cofres públicos e se configurar como prática de estímulo ao uso de agrotóxicos.

Veja a entrevista completa.

Terra de DireitosVocê poderia explicar qual é a relação entre os agrotóxicos e a crise climática?
Os agrotóxicos têm dois impactos na crise climática, um muito direto, que é o fato dessa substâncias serem baseadas em combustíveis fósseis, e em grande parte o transporte que se faz dessas substâncias, atravessando os oceanos também demanda combustível fósseis, assim como a aplicação dessas substâncias também demanda combustível fósseis. Então tem uma ligação que é clara e direta que tem a ver com a natureza dessas substâncias.

O segundo elemento é que os agrotóxicos são majoritariamente utilizados nas monoculturas. Por exemplo, no Brasil 90% do volume dos agrotóxicos vendidos vão para cinco culturas: soja, milho, cana, algodão e pastagem. Então, falar em agrotóxico é falar em monocultura. E monocultura, por si só significa a eliminação das outras espécies. A gente está falando de desmatamento, de supressão da vegetação nativa, é disso que a gente está falando.

Então, agrotóxico e crise climática caminham juntos. Eles são um elemento impactante na emergência climática.

Terra de Direitos: Nos últimos anos houve um aumento da abordagem pela imprensa da pauta dos agrotóxicos, com grande visibilidade de denúncias como a presença de agrotóxicos na água, no leite materno. No entanto, os índices de intoxicação seguem altos. Corremos o risco de uma naturalização pela sociedade da intoxicação por agrotóxicos?
O discurso e narrativa das empresas são o de que os agrotóxicos são o caminho para poder alimentar a humanidade, quando obviamente não é. A gente está há 60 anos consumindo essas substâncias após a 2ª Guerra Mundial e que a gente vê a fome aumentar. Nem o problema da fome, que é supostamente – ao menos no nível argumentativo e de discurso dominante – é de que essa substância resolveria o problema da fome, e nem isso foi resolvido. Além de não resolver a fome, a gente está contaminando o planeta e as pessoas. Então, esse é o discurso dominante, de que é necessário, de que só se come se produzir com agrotóxico, mas eu não vejo uma paralisia da sociedade. Ao contrário, eu vejo que todas essas reportagens têm contribuído com o debate.

Muitas vezes nas campanhas nas eleições, muitos candidatos se referem a como eles vão se posicionar em relação aos agrotóxicos. Então eu vejo que, apesar do quadro ser muito complicado, eu tenho uma expectativa positiva em relação ao debate público e resistência porque os movimentos em torno desse tema só aumentam. Eu penso que aumenta também a conscientização das pessoas.

Terra de Direitos: Há um aumento desenfreado do uso de drones para pulverização de agrotóxicos, uma prática ainda não regulamentada. Quais são os riscos que você vê desse vazio normativo?
É um risco enorme, é um grande problema. É um grande retrocesso, por exemplo, que o governador do Ceará tem autorizado a pulverização aérea por drone, porque a lei elaborada pelo Deputado Estadual Renato Roseno (Ceará) era justamente a proibição da pulverização aérea por meio de qualquer forma.

É um descontrole. Há até cursos para pessoas com 16 anos ou com 18 anos que podem fazer um curso a distância online e manipular um drone. Não é verdade o discurso utilizado de que, com a alta tecnologia, a gente tem o maior controle na aplicação dos agrotóxicos. Tem todo um risco para o próprio trabalhador que vai manipular o drone e abastecer esse equipamento com a substância. Como também é muito mais difícil monitorar essas práticas, porque quando a gente tem aviação civil, há como controlar e tudo isso é reportado para o Ministério da Agricultura. Há ao menos um controle em termos de informação daquilo que está sendo pulverizado, respondendo a quando, onde, como, em qual cultura, qual avião, em qual substância, qual foi o volume, tudo isso, entende?

E com os drones a gente não tem isso, e seria praticamente impossível. Tem drones muito pequenos e que podem ser comprados pela internet. É uma barbaridade e um atentado à saúde pública.

Terra de Direitos: Na última terça-feira, 11, foi publicada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) a autorização para o registro de 30 novos agrotóxicos. Como avalia esta liberação em meio ao maior encontro mundial do clima?

É um contrassenso. Dentre os agrotóxicos liberados vários são classificados como produtos muito perigosos ao meio ambiente e à saúde. Então, que vergonhoso o Brasil, nesse momento, que o presidente Lula está falando do direito dos povos indígenas, das terras demarcadas, do conhecimento ancestral, ele mesmo citou o Ailton Krenak [liderança indígena], e o governo, nesse momento permite substâncias altamente tóxicas que vai na contramão disso tudo que a gente está aqui mostrando na Cúpula dos Povos.

Terra de Direitos: Como essa política do veneno se mantém, de forma tão estruturada, a ponto da liberação de agrotóxicos em meio à realização do maior encontro mundial do clima?
Isso que eu trago no meu livro Agrotóxicos e Colonialismo Químico, e que ajuda a entender. A gente não tem colonialismo sem colonialidade. A gente tem um país, como os nossos vizinhos latino-americanos, em que o controle da terra tem representado o controle político e econômico do país. Esses grandes proprietários de terra ocupam o lugar principal dos governos. No Legislativo, isso é claro. Mas, infelizmente, mesmo nos governos de esquerda, a gente não conseguiu superar a presença e a predominância do poder dos grandes latifundiários. Então, é isso que explica. É um país que está assentado na lógica da grande propriedade rural.

Terra de Direitos. E sobre a regulamentação internacional, há uma perspectiva de proibição, de banimento dos banidos?
A gente tem trabalhado com várias campanhas na União Europeia para banir os banidos, uma coalizão enorme de entidades da sociedade civil. A gente, enquanto International Pesticide Standard Alliance, tem buscado a construção de uma regulamentação internacional. Ainda é preciso dar muitos passos É necessário que um país proponha isso às Nações Unidas (ONU), e a gente quer muito que seja o Brasil a propor.

Terra de Direitos – No julgamento pelo STF das ações diretas de inconstitucionalidade sobre isenção fiscal dos agrotóxicos, o ministro André Mendonça apresentou em seu voto uma terceira via, com a avaliação de que era necessário fazer uma tributação de acordo com o grau de toxicidade do agrotóxicos. Faz sentido isso?
Não faz sentido algum. Como assim, então um agrotóxico que mata em menos tempo vai pagar menos, o que mata mais rápido vai ter mais impostos. É uma hipocrisia, isso não cabe, é totalmente sem sentido.

Tem um estudo feito no Brasil que mostra que para cada dólar gasto com agrotóxicos, os SUS gasta $1,20 em tratamento. A gente está favorecendo quem? Não tem que ter isenção fiscal para esse tipo de substância que a gente sabe que que é nociva para o meio ambiente, para a saúde. Incentivo fiscal é estímulo, toda política de incentivo fiscal tem por trás de si um incentivo econômico, um mecanismo de estimular a compra. Então é  indignante, não tem terceira via para uma substância que não provoca ou que essas substâncias propõe.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *