Por Roberta Quintino l Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

Mais de 30 organizações e movimentos populares do campo e da cidade, de todo o país participaram, no dia 9 de abril, da Plenária Nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Realizada na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em São Paulo, a atividade marcou os 14 anos de trajetória da Campanha e reforçou o compromisso coletivo com a denúncia das violações do agronegócio e a defesa da vida, dos territórios e da agroecologia.
“A Campanha reafirma o seu papel na sociedade de denúncia ao modelo do agronegócio e defesa da vida. E, com esse conjunto de organizações, seguimos planejando ações em todos os territórios, no âmbito das denúncias, da proteção das comunidades e dos defensores de direitos humanos. Batalhamos para que cada vez mais fique visível e acessível à classe trabalhadora a comida sem veneno, em defesa das pautas estruturantes das nossas organizações, como a reforma agrária, a defesa dos territórios indígenas e quilombolas, e contra a pulverização aérea”, afirmou a Secretária Executiva da Campanha, Jakeline Pivato.
Na abertura do debate, Jakeline relembrou que o momento tem um simbolismo especial. “Em 2020, foi aqui na ENFF que realizamos uma das plenárias mais importantes da Campanha, com quase 100 entidades reunidas. Poucos dias depois, fomos surpreendidos pela pandemia da Covid-19, uma das maiores tragédias que já enfrentamos no mundo. Todo o planejamento que fizemos naquela plenária precisou ser reorganizado. Hoje, estar aqui novamente tem um significado muito forte”, destacou.
Ela também celebrou os avanços construídos nos últimos anos, mesmo diante das dificuldades. “Tivemos a ampliação do grupo operativo, construímos novas frentes, o coletivo jurídico foi lançado durante a pandemia. Também retomamos nossos grupos de formação. Todo esse processo se deu ao longo desses quatro anos e agora nos reencontramos aqui com essa força e esse compromisso renovado.”
Conjuntura
Durante a plenária, foi realizada a mesa de debates “O capitalismo, o agronegócio e o colapso ambiental”, que discutiu os desafios impostos pela conjuntura nacional e internacional à classe trabalhadora.
Ceres Hadich, da coordenação nacional do MST, enfatizou que a crise sistêmica que atravessa o mundo é mais do que econômica, é também política, ambiental, alimentar e civilizatória. “Estamos vivendo uma crise mundial do capitalismo que já não é mais somente uma etapa de esgotamento. É barbárie. E é importante nomear dessa forma para compreendermos a gravidade do momento. Esse sistema já não oferece nem mesmo a promessa de bem-estar social, o que ele nos entrega é destruição de direitos, ataque à natureza e à vida”, afirmou.

Para ela, o aprofundamento do neoliberalismo, especialmente após o ciclo do golpe no Brasil, contribuiu para um processo de esvaziamento democrático e de ascensão de formas de governo cada vez mais autoritárias. “Seguimos convivendo com uma democracia apenas formal, cada vez mais instrumentalizada pelo capital. O sistema político, em sua estrutura atual, está esgotado, e o que vemos é o avanço de políticas autoritárias que não representam os interesses do povo”, criticou.
Ceres pontuou ainda que a crise ambiental não, é algo abstrato, mas uma realidade que já atinge diretamente comunidades camponesas, indígenas, quilombolas e urbanas.
“Estamos nos aproximando de um ponto de não retorno. Como o capitalismo se relaciona com a natureza nos empurra para o colapso ambiental e, consequentemente, para uma crise alimentar sem precedentes. O planeta pode até continuar existindo, mas a vida humana está em risco real”, afirmou. A dirigente também relacionou esse colapso à estrutura do agronegócio, que se sustenta na expropriação de territórios, no uso de venenos e na concentração fundiária. “É impossível separar a crise ambiental da crise agrária. O agronegócio é motor de ambas.”
Diante desse contexto, ela disse que “as pessoas estão perdendo o sentido de futuro, de sonho, de utopia. Isso afeta não apenas nossa saúde mental, mas nossa capacidade de ação coletiva”, lamentou. “Hoje, falta utopia. E sem utopia, nos falta horizonte. É nesse vazio que o individualismo, o consumismo e a apatia avançam. Nosso desafio é imenso, mas não é solitário. Estamos aqui, reunidos, porque acreditamos na possibilidade de mudança. A luta por outro modelo de sociedade, que supere o capitalismo e afirme a vida, segue sendo nossa utopia e nossa prática cotidiana.”
Crise climática
Representando a organização Amigas da Terra e da Carta de Belém, Eduardo Raguse, alertou para a urgência do enfrentamento à crise climática, agravada por fenômenos extremos que já impactam diretamente a população. “Eu fui uma das 600 mil pessoas atingidas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. Não tem mais espaço para negacionismo climático. Já ultrapassamos o limite de 1,5°C de aquecimento global e isso foi construído pelo próprio capital”, afirmou.

Enquanto os efeitos da crise climática atingem com mais força as populações mais vulneráveis, o capital tenta se reinventar, apropriando-se do discurso da sustentabilidade. É o que explica Raguse: “Está em andamento um novo método do capital, o chamado ‘capitalismo climático’, no qual grandes empresas apresentam falsas soluções, como vemos no contexto das COPs. Outra ponto, é que agora o mercado tenta tirar da cartola uma nova commodity global: o carbono. Transformaram o carbono em produto de mercado, mas não existe crédito de carbono limpo quando o modelo segue usando 800 mil toneladas de agrotóxicos por ano no Brasil”, destacou.
Raguse também comentou sobre os preparativos do governo para a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que acontece no mês de novembro, em Belém (PA), como o Plano Clima Participativo e os chamados “círculos da COP”, que pretendem articular propostas da sociedade civil. Ele apontou preocupação entre esses espaços e os interesses do capital. “Estão chamando essa de a COP da implementação, mas precisamos ter clareza de quem está implementando o quê, e para quem”.
“Da nossa parte, acho que o nosso desafio é construir a Cúpula dos Povos. Fazer um contraponto real a tudo isso que eles estão colocando. Porque se tem financiamento, que não seja para projetos do capital que só reforçam as desigualdades e exploram os territórios. Que esse recurso chegue nas comunidades, nos territórios que são, de fato, as tecnologias mais avançadas no combate à crise climática”.
De acordo com Eduardo os impactos da crise climática não atingem todo mundo da mesma forma. Eles atingem de maneira desigual os países, as classes sociais, os gêneros, os povos.” Justamente aqueles que não têm responsabilidade histórica por esse cenário. Pelo contrário, são os povos que apresentam modos de vida mais compatíveis com os limites ecológicos do planeta”.
Organização
Além da plenária, os dias 7 e 8 de abril foram marcados por debates sobre os rumos da Campanha e os desafios organizativos diante da complexidade da conjuntura. Foram discutidas as frentes de atuação (comunicação, jurídico, formação, incidência e internacional) e as principais bandeiras, como o combate à pulverização aérea, o banimento de agrotóxicos já proibidos em outros países, a luta contra os transgênicos, contra as isenções fiscais e a criação de zonas livres de agrotóxicos.

Alan Tygel, da coordenação da Campanha, explicou como a tática de escolher bandeiras concretas ajudou a conferir capilaridade ao tema dos agrotóxicos e o fortalecimento da Campanha. “Em 2009, percebemos ser preciso sair de um discurso genérico contra os agrotóxicos e eleger bandeiras que combinassem mobilização e possibilidade real de conquista. Começamos com a luta contra a pulverização aérea, pelo banimento dos agrotóxicos proibidos em outros países e contra as isenções fiscais.”
Ao longo do anos essas bandeiras foram se ampliando. “Adicionamos temas como os transgênicos, as zonas livres e a questão da água, que mobilizam e permitem ações concretas” ressaltou Alan.
No âmbito das frentes, foram apresentadas as principais ações efetivadas no último período e em andamento, como ações no STF, cursos de formação nos estados, produção de materiais. No campo da incidência, Fran Paula destacou o acompanhamento da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e o papel da Campanha na luta pela implementação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). “O Pronara sempre foi um eixo central da nossa atuação. Mas para avançarmos, precisamos pensar também em como construir força popular capaz de pressionar por sua retomada.”
O Pronara estava previsto para ser lançado em 2024. No entanto, foi adiado várias vezes e segue sem perspectivas claras de implementação. Paralelo à plenária da Campanha, no mesmo dia, acontecia em Brasília, reunião da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). Nesse contexto, organizações participantes da Plenária enviaram uma carta à Comissão cobrando agilidade na aprovação do Programa Nacional.
No documento, as entidades consideram injustificável o contínuo adiamento na institucionalização do Pronara, e a falta de transparência nos espaços de decisão. “Muito menos do que dificuldades políticas, esse processo tem revelado falta de competência e vontade política para operacionalizar qualquer política que represente mínimos avanços na luta contra os agrotóxicos e em defesa da vida.” A carta foi lida publicamente por Leomarcio Araújo do Movimento dos Pequenos Agricultores, organização que compõe a Campanha.
Durante a atividade, os representantes dos coletivos, organizações e movimentos populares também compartilharam as ações construídas nos estados e municípios em torno da pauta dos agrotóxicos e da agroecologia. Ao final, definiram encaminhamentos coletivos e ações de lutas para os próximos períodos.
Diante da atual conjuntura, marcada pelo avanço acelerado da fronteira agrícola e, consequentemente, pelo aumento das violações causadas pelo uso de agrotóxicos, a Campanha defende a urgente e necessária implementação de uma política nacional de redução de agrotóxicos, aliada a políticas públicas estruturantes que promovam a agroecologia e garantam a proteção dos territórios indígenas, das comunidades tradicionais e das pessoas defensoras de direitos humanos.
É fundamental que essas políticas incluam ações concretas, como a proibição de agrotóxicos já banidos em outros países, o fim das isenções de impostos e outras renúncias fiscais concedidas ao setor, que oneram o Sistema Único de Saúde (SUS), além da adoção de medidas mais protetoras à saúde e ao meio ambiente. Essas ações devem estar pautadas na defesa da soberania alimentar, com o acesso universal a alimentos de qualidade e em quantidade adequada, respeitando a diversidade cultural e alimentar da população, promovendo a saúde, a preservação dos bens naturais e a realização da reforma agrária popular.