Denúncia é de um grupo de pesquisadores vinculados ao Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Por Felipe Araújo
Do Portal deputado estadual Ceará Renato Roseno
Um trabalhador rural que é exposto a agrotóxicos por meio da pulverização aérea tem vinte e sete vezes mais chance de desenvolver algum tipo de neoplasia do que um agricultor que não teve contato com o veneno. A denúncia é de um grupo de pesquisadores vinculados ao Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Na última sexta-feira (13), o grupo fechou os resultados da etapa mais recente dos estudos desenvolvidos desde 2011 com agricultores da região da Chapada do Apodi. A partir de 2022, os pesquisadores adotaram uma nova tecnologia para o sequenciamento genético da população estudada, chamada Next Generation Sequencing (Sequenciamento de Última Geração).
“Na população mundial, de cada 100 indivíduos, nós vamos encontrar apenas um com alguma mutação genética indutora de câncer. Ou seja, 1%. Entre os agricultores, esse percentual de mutação sobe para a casa de 27%”, explica o hematologista Ronald Feitosa Pinheiro, professor livre-docente pela Escola Paulista de Medicina, professor associado da UFC e um dos coordenadores da pesquisa. Ele destaca também que esse percentual pode chegar a 80% caso sejam considerados critérios mais abertos em termos de idade e de metodologia.
Em 2021, os primeiros resultados da pesquisa foram publicados na prestigiada revista científica Enviromental Toxicology and Pharmacology. À época, os pesquisadores apontaram que a exposição ao agrotóxico era um dos principais fatores de aumento do risco de distúrbios hematológicos em trabalhadores agrícolas devido ao seu potencial carcinogênico (causador do câncer).
“Naquele momento, com a tecnologia que nós tínhamos, que era a expressão gênica e citogenética, nós mostramos que o DNA (dos trabalhadores) estava alterado, que a expressão de genes que corrigem o DNA quando ele está lesionado estava reduzida”, explica o professor. “Agora, com essa nova tecnologia, nós somos capazes de ler o DNA da pessoa na mesma região mais de mil vezes. E ai você identifica mutações genéticas que podem predispor ao câncer”.
Segundo Ronald, esse tipo de estudo, com a utilização da tecnologia NSG, é inédito porque nunca foi feita em populações de agricultores que trabalhavam com agrotóxicos. “São resultados que saíram na última sexta-feira, após uma análise muito aprofundada e muito séria, que usa uma metodologia descrita apenas em 2022, que á analise de oncogenicidade de uma mutação, para dizer se uma mutação realmente é indutora de câncer”, explica.
Os pesquisadores também destacam que esse é o primeiro estudo realizado no mundo que avalia mutações indutoras do câncer em indivíduos expostos ambientalmente, mas que não têm câncer ainda. Isso é importante, ensina o professor, porque permite retirar o individuo dessa exposição ambiental e protegê-lo dentro do “nível do possível”. “Às vezes, você passa 30 ou 40 anos com a mutação antes da eclosão do câncer”, ele explica.
Os próximos passos do estudo são a apresentação desses dados mais recentes no Congresso de Síndrome Mielodisplásica e Leucemia Aguda, marcado para a cidade de Rotterdam em maio do próximo ano; e a preparação de um artigo com os resultados finais da pesquisa que será submetido à revista Nature, principal publicação de divulgação científica do mundo. “Pela primeira, nós demostramos isso (a associação entre a pulverização aérea de agrotóxicos e os casos de câncer) com tecnologia de ponta”, defende Ronald.
A pesquisadora Roberta Taiane Germano de Oliveira, que participa do estudo, destaca que o agrotóxico é um produto químico e, como vários produtos químicos, ele vai lesar o DNA. “O que a gente procurou? Exatamente, esses danos causados por esse produto químico no DNA. E nós encontramos danos que só são encontrados em pessoas que tem câncer na medula”.
Ela explica que o nome desse fenômeno é “chip”. “Porque é como um chip que vai ser inserido no seu DNA e vai lhe acompanhar pelo resto da vida”, afirma. “Ou seja, uma vez que você tem essa mutação no DNA, você sempre está correndo risco de ter um câncer de medula. E foi uma mutação causada por um produto químico, o agrotóxico”.
Os pesquisadores alertam também que a pulverização é central nesse processo de contaminação. Desde o início do trabalho, o grupo acompanha o quadro de saúde de 58 trabalhadores da região do Apodi, área muito exposta à pulverização aérea antes da lei Zé Maria do Tomé (lei 16.820/19), de autoria do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), que proibiu essa prática em território cearense.
“Nós tivemos muitos relatos de trabalhadores que tomaram banho de veneno enquanto estavam na lavoura”, afirma Ronald, que destaca que o drone não é uma tecnologia segura para o uso na agricultura. “Não tem como você controlar a pulverização aérea porque você não consegue controlar o ar. Nós estamos falando de previsão climática. A gente sabe que o vento segue a teoria do caos, em um segundo ele muda completamente de eixo e isso é capaz de derrubar um avião, por exemplo. Você imagina, então, um drone aplicando veneno…”