Da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida
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No final desta segunda-feira, 10, a comunidade tradicional Roça do Meio, em Duque Bacelar, foi alvo de uma verdadeira guerra química: uma chuva de veneno despejada por DRONE sobre as casas, plantações e pessoas.
Entre as vítimas estão crianças, idosos e adultos que foram intoxicados. Os sintomas são alarmantes: ardência nos olhos, dores de cabeça, falta de ar, queimação na pele, coceiras e mal-estar. Dois idosos, um de 86 anos, e quatro crianças, foram os mais expostos à nuvem de agrotóxicos sem qualquer aviso ou proteção. A nuvem de agrotóxicos chegou a atingir uma escola. Essa prática não só coloca vidas em risco, mas também viola direitos básicos dessas comunidades.
“Botaram veneno aqui na Roça do Meio com um drone, eu passei o dia todo ruim, eu tava fazendo um serviço e pensei que não ia afetar, porque estava no drone. Mas, estou me coçando todinho, com a cabeça e o corpo ruim. Matou o mato beirando a casa e na frente da Escola, pegou tudo. O veneno atingiu tudo, acho que dentro da escola foi onde atingiu mesmo. Situação muito difícil”, denuncia uma das vítimas que não se identifica por conta de represálias.
Uma análise feita pela InfoAmazonia revelou que o Maranhão usou 15.649,67 toneladas de agrotóxicos em 2022, um recorde desde 2013. Ou seja, um crescimento recorde de 191,5%. O estado foi o quarto na Amazônia Legal que mais adquiriu pesticidas no período e o segundo maior consumidor no Nordeste em 10 anos. O cenário impacta o modo de vida da população que convive com os efeitos dos produtos químicos despejados nas lavouras, principalmente de soja. Moradores de regiões com produção de soja relatam pulverização aérea em grandes quantidades todos os dias.
Pulverização
“O Maranhão tem se tornado uma verdadeira lixeira química do Brasil. Há registros de intoxicação aguda e crônica, surtos de doenças, contaminação de fontes de água e alimentos, mas muitas vezes sequer sabemos quais substâncias estão sendo aplicadas”, destaca Diogo Cabral, assessor jurídico da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras do Estado do Maranhão – FETAEMA. Ele denuncia ainda que a fiscalização, tanto federal quanto estadual, é insuficiente, em parte devido à falta de estrutura, mas também por conta do poder político e econômico do agronegócio na região.
Para Diogo Cabral, o crescimento recorde no uso de agrotóxicos está diretamente ligado à expansão do agronegócio no estado, especialmente da produção de soja, que se tornou a principal fonte de exportação via Porto do Itaqui. Ele aponta que o uso de agrotóxicos em grandes monoculturas tem levado à contaminação de muitas comunidades, agravada pela pulverização aérea e pelo uso de drones para dispersão de venenos.
“Como existe uma conexão íntima entre agronegócio, latifúndio, conflitos agrários e uso intensivo de agrotóxicos, evidentemente que essa forma arcaica de destruição da natureza acaba por contaminar comunidades”.
O assessor explica que o Maranhão é um estado essencialmente rural, “tem uma das maiores populações rurais do Brasil em termos proporcionais e muitas dessas comunidades tradicionais, comunidades quilombolas, de quebradeiras de coco, terras indígenas, estão situadas muito próximas desses grandes empreendimentos. E infelizmente, a deriva do agrotóxico, lançado por avião e drone, acaba por contaminar muita gente”.
Em 2023, mais de 200 comunidades foram impactadas pela pulverização aérea, de acordo com levantamentos da Rede Maranhense de Agroecologia (RAMA). Para Cabral, em alguns casos, os agrotóxicos foram utilizados como forma de expulsão de famílias de seus territórios, agravando conflitos fundiários históricos.
Agrotóxicos sem fronteiras
A pulverização aérea com drone tem sido cada vez mais ampliada em diversos estados do país e derrubando legislações importantes que vinham barrando a prática da pulverização em si como uma ação criminosa e violenta. Se por um lado, tivemos após a aprovação do Pacote do Veneno, a legislação sobre controle dos agrotóxicos, que já era frágil, retrocedeu. No caso do Maranhão, por exemplo, em 2024, após 11 anos de proibição, a Justiça Federal liberou a pulverização aérea de glifosato. A aplicação foi suspensa em 2013 a pedido do Ministério Público Federal (MPF), que alegou que o Estado não estava conseguindo fiscalizar o uso descontrolado e irregular da substância.
Por outro lado, tal cenário potencializou a necessidade de se criar e fortalecer iniciativas populares espalhadas por todo o país para tentar reduzir os impactos dos agrotóxicos, especialmente sobre comunidades rurais. Sobretudo, por meio de projetos de leis estaduais e municipais. Um exemplo dessas iniciativas é a lei que proíbe a pulverização de agrotóxicos no município de Caxias, terra de Gonçalves Dias e 5° maior do estado do Maranhão, localizado a 360 km de São Luís.
Importante ressaltar essa movimentação do agronegócio em âmbito nacional que reverbera nos estados. Enquanto que no Maranhão há um projeto de lei para liberar geral tramitando na Assembleia Legislativa, no fim de 2024, em uma ação coordenada e com o apoio do governador, o Ceará liberou a aplicação de pesticidas por drone. O texto alterou a Lei Zé Maria do Tomé, que desde de 2019 proibia a aplicação de qualquer tipo de aeronave. A lei homenageia o líder comunitário assassinado em 2010 por denunciar os impactos da pulverização aérea na saúde e no meio ambiente.
Saindo do Nordeste para o Sul, no Rio Grande do Sul, a assembleia legislativa aprovou um projeto de lei que reconhece a aviação agrícola como uma atividade de relevante interesse social, público e econômico e o projeto ainda aguarda a sanção do governador.