Por Roberta Quintino I Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.
A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, em conjunto com a articulação Reforma Tributária 3S, participou de uma audiência pública na Câmara dos Deputados nesta segunda-feira, 10 de junho. A atividade teve como objetivo debater os regimes diferenciados e as reduções de alíquotas para agrotóxicos e demais insumos agropecuários previstos na regulamentação da reforma tributária.
A composição da mesa chamou atenção por estar, em sua maioria, voltada para os interesses do agronegócio e da bancada ruralista, onde os participantes reforçaram a tentativa de beneficiar produtos nocivos em prol do interesse das indústrias.
Jakeline Pivato, da coordenação Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, destacou que a organização, que completou 13 anos em 2024, tem como missão denunciar os efeitos nocivos dos agrotóxicos e promover a agroecologia como um caminho para uma agricultura mais saudável e justa. E que desde a sua fundação, uma das principais bandeiras é o fim das isenções fiscais aos agrotóxicos.
Nesse contexto, ela enfatizou que a Reforma Tributária é uma oportunidade única para que o governo possa taxar adequadamente os agrotóxicos, corrigindo uma grave distorção, “utilizando a política fiscal como motor de indução de uma mudança de paradigma na agricultura”.
Jakeline apresentou três razões principais para que os agrotóxicos sejam mais taxados, com destaque aos impactos na saúde pública, no meio ambiente e na economia. Ela pontuou que os agrotóxicos são perigosos à saúde humana, com efeitos crônicos e agudos comprovados. Como o glifosato, classificado como provavelmente cancerígeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer da ONU ( IARC) e já responsável por bilhões de dólares em indenizações devido aos seus efeitos.
No campo ambiental, disse que é “impensável que, mesmo após os seguidos avisos da natureza, que culminaram com a tragédia-crime do Rio Grande do Sul, nosso país continue apostando num agronegócio de monocultivos, que esgota o solo e por isso está em crescente expansão, e que é altamente dependente de insumos baseados em petróleo, como é o caso dos agrotóxicos e fertilizantes químicos”.
Sobre o setor econômico, ela explicou que o Brasil deixou de arrecadar 10 bilhões de reais em 2017 devido às isenções fiscais aos agrotóxicos, valor que aumentou para uma estimativa de 15 bilhões em 2022, representando uma pequena fração do PIB do agronegócio. Para ela, a isenção fiscal dos agrotóxicos contraria os direitos constitucionais ao meio ambiente e à saúde, com o STF prestes a julgar a Ação Direta de Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que questiona essas isenções com base nesses direitos.
A ADI 5553, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) em 2016, questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem benefícios fiscais aos agrotóxicos, com redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos.
Em resposta aos argumentos de que a taxação dos agrotóxicos pode aumentar o preço dos produtos alimentícios, Pivato foi incisiva ao afirmar que o preço dos alimentos não será afetado pela cobrança de impostos aos agrotóxicos.
“Em primeiro lugar, 84% dos agrotóxicos no Brasil são utilizados nas culturas de exportação, cujo preço é fixado no mercado internacional. Além disso, um possível aumento do preço final dos agrotóxicos deve resultar numa diminuição do uso e consequente substituição por outros insumos biológicos, que devem por óbvio receber todo tipo de isenção e benefício. Finalmente, o controle do preço dos alimentos deve ser feito na taxação sobre os alimentos, e não sobre insumos perigosos como os agrotóxicos. A isenção total da cesta básica proposta na Reforma Tributária certamente irá compensar um possível incremento no preço dos insumos”, declarou.
Jakeline concluiu sua apresentação afirmando que a Reforma Tributária deve desincentivar o uso de agrotóxicos e promover uma agricultura saudável. Assim, em nome da Campanha, ela propôs a retirada dos agrotóxicos da isenção de 60%, a manutenção de insumos aprovados para a agricultura orgânica na lista de isenção de 60%. Além disso, recomendou que os agrotóxicos entrem no imposto seletivo e sejam taxados com base em sua classificação de risco e os já banidos em outros países sejam sobretaxados.
Confira aqui a fala completa da representante da Campanha:
Prezadas Senhoras e Senhores,
Meu nome é Jakeline Pivato, e atualmente sou secretária executiva da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. A Campanha é uma articulação que completa 13 anos em 2024, e tem como objetivo denunciar os efeitos dos agrotóxicos na sociedade, e anunciar a agroecologia como caminho para uma agricultura mais saudável e promotora de justiça social.
Participam desta campanha entidades do meio científico, como a Fiocruz e a Abrasco, movimentos sociais do campo e da cidade, sindicatos e confederações de trabalhadores rurais e urbanos, organizações de direitos humanos, de assistência técnica rural, entre outros. Representamos a diversidade da sociedade brasileira, de diversos segmentos, que não aceita mais o veneno no nosso prato de cada dia.
Desde sua fundação, a Campanha tem como uma de suas principais bandeiras o fim das isenções fiscais aos agrotóxicos. É vergonhoso que gigantescas empresas transnacionais que vendem produtos tóxicos para a saúde e o meio ambiente recebam tantos benefícios fiscais como é o cenário atual.
Neste sentido, enxergamos a Reforma Tributária como uma oportunidade única para que nosso país corrija esta grave distorção, e possa taxar adequadamente os agrotóxicos, utilizando a política fiscal como motor de indução de uma mudança de paradigma na agricultura.
Apresentarei a seguir 4 motivos pelos quais achamos que os agrotóxicos devem pagar mais impostos.
Em primeiro lugar, agrotóxicos são produtos intrinsecamente perigosos à saúde humana. O Dossiê Abrasco sobre impactos dos agrotóxicos na saúde, em suas mais de 600 páginas, não deixa dúvidas sobre os incontáveis efeitos crônicos e agudos causados pelos agrotóxicos com fartas evidências científicas.
- O glifosato, produto mais usado no Brasil, é classificado pela agência de câncer da ONU (IARC) como provavelmente cancerígeno. A Bayer, principal fabricante do Glifosato, já teve que desembolsar mais de 10 bilhões de dólares nos processos movidos por pessoas que tiveram câncer após anos de trabalho com o glifosato;
- 56% dos agrotóxicos químicos registrados no Brasil são proibidos na União Europeia;
- Entre 2010 e 2021, 9806 crianças foram intoxicadas por agrotóxicos. Destas, 91 morreram;
- Glifosato das lavouras de soja aumentou em 5% a mortalidade infantil em municípios do Sul e Centro-Oeste que recebem água de regiões sojicultoras. Isso representa um total de 503 mortes infantis a mais por ano.
Mas se os problemas de saúde não forem suficientes para termos certeza de que esses produtos não devem ser incentivados, temos ainda a questão ambiental. Parece impensável que, mesmo após os seguidos avisos da Natureza, que culminaram com a tragédia-crime do Rio Grande do Sul, nosso país continue apostando num agronegócio de monocultivos, que esgota o solo e por isso está em crescente expansão, e que é altamente dependente de insumos baseados em petróleo, como é o caso dos agrotóxicos e fertilizantes químicos.
Nos últimos anos, temos assistido a repetidos casos de mortandade de abelhas no Brasil. Trata-se de um prejuízo incalculável, seja para a atividade de apicultura diretamente, seja para as consequências na produtividade de outras culturas por conta da diminuição da polinização. A União Europeia vem banindo nos últimos anos os agrotóxicos nocivos para as abelhas, e felizmente há poucos meses o Ibama também tomou atitudes restritivas a alguns destes agrotóxicos.
Não podemos seguir incentivando o uso de agrotóxicos que poluem as águas, o solo, o ar, e matam os insetos polinizadores, prejudicando inclusive o próprio agronegócio.
Mas se os problemas ao meio ambiente também não forem suficientes para chegarmos à conclusão que os agrotóxicos não devem receber isenções de impostos, vamos debater a economia.
Artigo publicado pela Abrasco mostra que, no ano de 2017, o Brasil deixou de arrecadar 10 bilhões de reais com as isenções aos agrotóxicos. Com o aumento no uso de agrotóxicos nos últimos anos, podemos estimar que 15 bilhões de reais deixaram de ser arrecadados em 2022.
O estudo mostra ainda, citando novamente o Rio Grande do Sul, que em 2017 o estado deixou de arrecadar com ICMS quase 1 bilhão de reais, o que representou mais da metade do déficit do estado naquele ano.
Ao mesmo tempo, o agronegócio propagandeia que seu PIB somente do segmento agrícola representou quase 2 trilhões de reais em 2023. Assim, a projeção de isenção de 15 bilhões representaria apenas 0,8% do seu PIB, que certamente não prejudicaria de forma alguma a lucratividade do setor.
Já vimos que as isenções fiscais aos agrotóxicos não fazem sentido nem do ponto de vista da saúde, nem do meio ambiente e muito menos do ponto de vista econômico. E há ainda um quarto olhar que precisa ser feito: o ponto de vista do direito.
Por coincidência, nesta quarta-feira está marcado no STF o julgamento da ADI 5553, que questiona as isenções fiscais dadas aos agrotóxicos. Com base no direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que impõe ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações – Artigo 225 da constituição; e com base no direito constitucional à saúde (artigo 196), o relator do processo, Min. Édson Fachin, orientou pela inconstitucionalidade das isenções fiscais aos agrotóxicos. O Acórdão 1968/2017, do TCU, foi na mesma linha, ressaltando que não há acompanhamento e avaliação das desonerações tributárias aos agrotóxicos.
Portanto, senhoras e senhores, além de tudo, as isenções aos agrotóxicos devem ser brevemente declaradas inconstitucionais pelo STF.
Finalmente, é muito importante esclarecer que o preço dos alimentos não será afetado pela cobrança de impostos aos agrotóxicos. Em primeiro lugar, 84% dos agrotóxicos no Brasil são utilizados nas culturas de exportação, cujo preço é fixado em mercado internacional; além disso, um possível aumento do preço final dos agrotóxicos deve resultar numa diminuição do uso e consequente substituição por outros insumos biológicos, que devem por óbvio receber todo tipo de isenção e benefício. Finalmente, o controle do preço dos alimentos deve ser feito na taxação sobre os alimentos, e não sobre insumos perigosos como os agrotóxicos. A isenção total da cesta básica proposta na Reforma Tributária certamente irá compensar um possível incremento no preço dos insumos.
Senhor presidente,
Já fui acampada e conheço bem a realidade dos agrotóxicos. Todos os dias, recebemos denúncias de comunidades indígenas sendo pulverizadas, de comunidades tradicionais que têm sua água contaminada, de crianças que nunca mais recuperam sua saúde após a exposição aos agrotóxicos.
A Reforma Tributária é uma oportunidade ímpar para que o Brasil tome a decisão de desincentivar o uso de agrotóxicos, e promover uma agricultura saudável.
Por tudo isso, deixamos aqui nossa contribuição no sentido de que:
- Os agrotóxicos sejam retirados do Anexo X que define os insumos agropecuários que receberão a isenção de 60%;
- Os insumos aprovados para agricultura orgânica, definidos no Anexo V da Portaria 52/2021, devem ser mantidos na lista de isenção de 60%, possivelmente identificados desta forma;
- Os agrotóxicos devem entrar no imposto seletivo, com alíquotas ad valorem cumuladas com alíquotas específicas, de acordo com sua classificação de risco agudo, risco crônico e perigo ambiental. É importante também que agrotóxicos banidos em outros países sejam sobretaxados.
Muito obrigada.