STF pode votar nesta quarta (12) isenção fiscal de agrotóxicos; organizações cobram coerência

Por Leonardo Fernandes l Brasil de Fato – publicado em 11 de novembro de 2025.

Julgamento sobre isenção de imposto a agrotóxicos acontece no plenário no Corte, nesta quarta (12) – Fellipe Sampaio /STF

Supremo Tribunal Federal (STF) pode votar nesta quarta-feira (12) duas ações que questionam a constitucionalidade da isenção fiscal a agrotóxicos. As ADIs 7755 e 5553 já entraram e saíram da pauta do Supremo, nas últimas semanas, e os movimentos populares vinculados ao debate esperam que a discussão seja retomada nesta semana. 

“A gente vem acompanhando esse contexto do debate da isenção fiscal e também do processo de debate da reforma tributária. Fizemos o nosso trabalho, somos amicus curiae da ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade], somamos diversas organizações também como amicus curiae no processo, apresentamos os anexos, os laudos e as pesquisas que comprovam os elementos que sustentam a nossa defesa de inconstitucionalidade”, relata Jakeline Pivato, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida

“Nossa expectativa é que nessa instância máxima, que é o STF, a gente consiga com esses argumentos sólidos do conjunto da sociedade brasileira, da sociedade científica brasileira, provar a inconstitucionalidade disso”, agrega Pivato.

Jaqueline Andrade, assessora jurídica da organização Terra de Direitos, destaca que uma decisão da Corte Suprema que limite a possibilidade de isenções fiscais a agrotóxicos representaria um “marco na coerência entre as políticas econômicas e os compromissos ambientais assumidos pelo Brasil, especialmente durante a realização da COP30 no país”. 

“A manutenção de benefícios fiscais a produtos tóxicos, que são, muitos deles proibidos em países da União Europeia, contradiz o dever do Estado de garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado e de induzir práticas sustentáveis, sendo um passo importante para alinhar a política tributária à transição agroecológica, que valoriza a biodiversidade, protege os trabalhadores do campo e reduz a contaminação dos alimentos, solos e águas”, pontua Andrade.

Como votaram os ministros até agora?

O relator das ações, ministro Edson Fachin, apresentou seu voto, reconhecendo inconstitucionalidade da isenção fiscais a agrotóxicos e determinando que o Estado deve incorporar a variável de risco ambiental como critério de seletividade. O presidente do STF apontou ainda a contradição do Estado brasileiro em isentar esses produtos, quando ter o dever constitucional de proteger a saúde da população e o meio ambiente equilibrado. 

“O voto do relator, ministro Edson Fachin, traz fundamentos sólidos para essa posição ao reconhecer as contradições de um sistema tributário que isenta substâncias nocivas e, ao mesmo tempo, tem o dever de promover práticas de proteção à vida”, avalia Andrade.

Fachin ainda refutou no voto os argumentos de organizações do agronegócio, rejeitando que o fim das isenções fiscais implique no aumento do preço dos alimentos. 

Por outro lado, o ministro André Mendonça apresentou um voto intermediário, julgando parcialmente procedente, sem declaração de nulidade, a isenção fiscal. O magistrado defendeu que a política tributária vigente é constitucional, no entanto, propõe uma modulação de acordo com o nível de toxicidade e riscos à saúde e ao meio ambiente. 

Finalmente, Mendonça sugere ainda o estabelecimento de um prazo de 180 dias para que os órgãos responsáveis reavaliem a compatibilidade da atual política fiscal com os critérios que serão definidos pelo acórdão do julgamento.  

O presidente do STF, Edson Fachin, apontou a contradição do Estado brasileiro em isentar esses produtos, quando ter o dever constitucional de proteger a saúde e o meio ambiente | M. Oliveira/Senado

“O voto do ministro André Mendonça propõe uma alternativa intermediária que condiciona à aplicação de critérios de grau de toxicidade à política de isenção tributária. A expectativa das organizações é de que, no mínimo, essa posição substitutiva seja acompanhada pelos demais ministros, garantindo um avanço no controle do uso de substâncias perigosas e estabelecendo prazo para reavaliação técnica e regulatória das políticas fiscais”, afirma Andrade.

O próximo a votar é o ministro Alexandre de Moraes.

Entenda as ações  

A primeira ação (ADI 5553) foi apresentada pelo Psol em 2024, questiona a validade de dispositivos legais que concedem isenções ou reduções tributárias para agrotóxicos. Os autores alegam que esse incentivo fiscal viola frontal e diretamente o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à saúde e o princípio da seletividade tributária.

Os dispositivos que a ADI 5553 busca impugnar são: o Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reduz em 60% a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) nas saídas interestaduais de inseticidas, fungicidas, herbicidas de uso agrícola. 

Nesse mesmo convênio, outro dispositivo legal autoriza os estados e o Distrito Federal a concederem redução da base de cálculo ou isenção do ICMS para operações internas com esses mesmos produtos.

A ADI também questiona o Decreto 7.660, de 23 de dezembro de 2011, que concede isenção total do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para determinadas substâncias listadas.

As empresas que participam do mercado dos agrotóxicos ganharam mais de R$ 21 bilhões em renúncia fiscal entre janeiro e agosto 2024 | Wenderson Araujo/Trilux

Já a ADI 7755, foi apresentada pelo Partido Verde (PV) em 2024, e além de reiterar o questionamento sobre as regras do Confaz, pede que o STF declare inconstitucional o Art. 9º, §1º, inciso XI, da Emenda Constitucional (EC) 132/2023, que tratou da reforma tributária, e incluiu no texto da Constituição a redução de 60% na tributação de agrotóxicos, alegando violação de direitos fundamentais, como saúde, meio ambiente equilibrado e o princípio da seletividade tributária.

Sobre esse último aspecto, refere-se ao imposto instituído como forma de promover uma política pública, a exemplo do cigarro e de bebidas alcoólicas, que têm um valor de tributo acrescido visando reduzir o consumo dessas substâncias, sabidamente nocivas à saúde humana. 

O que diz a sociedade civil? 

Em audiência pública realizada em novembro de 2024, representantes da sociedade civil, integrantes de organizações que são parte das ações ADIs em julgamento, apresentaram evidências da inconstitucionalidade da política fiscal aos agrotóxicos. 

Na ocasião, Paula Coradi, presidente do Psol, partido autor da ação, lembrou que as isenções fiscais geram um custo altíssimo ao Estado brasileiro. “O cerne da presente ação não reside na utilização dessas substâncias em si, mas na inadmissível renúncia fiscal promovida pelo Estado para incentivar a sua utilização. Esse estímulo carece de justificativa econômica”, afirmou Coradi.

Reportagem do Brasil de Fato, publicada em dezembro de 2024, revelou que somente as empresas que participam do mercado dos agrotóxicos ganharam mais de R$ 21 bilhões em renúncia fiscal entre janeiro e agosto do ano passado. Além do impacto econômico direto, outros estudos apontam que, para cada U$D 1 dólar gasto em agrotóxico, o Sistema Único de Saúde (SUS) é onerado em U$D 1,28 dólares em tratamentos médicos para pessoas intoxicadas por essas substâncias. 

Por sua vez, Kátia Isaguirre, pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, participou da audiência e refutou um argumento comumente utilizado pelos defensores do uso de agrotóxicos de que o fim das isenções representaria aumento no preço dos alimentos. “Os dados do IBGE mostram que a agricultura familiar é responsável pela produção de 70% dos alimentos, enquanto ocupa apenas 30% da área agrária”, destacou.

Por sua vez, a representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a professora Marijane Vieira Lisboa, lembrou que a maior parte dos agrotóxicos consumidos no Brasil são utilizados para a produção de commodities agrícolas destinadas à exportação, e que, mesmo em caso de impacto no setor, está na hora de o agronegócio compartilhar a fatura do atual modelo agroexportador de produção agroalimentar no país. 

“Eu gostaria de dizer que o agronegócio é um setor consolidado, que afirma ter um PIB [Produto Interno Bruto] de passa dos R$ 2 trilhões e, portanto, não necessita de isenções fiscais. A regulação de preços dos alimentos deve ser feita sobre os alimentos. É importante isentar quem consome arroz, quem consome feijão, a alimentação básica brasileira. Faça-se aos produtos, não ao abuso de agrotóxicos usados para a produção desses produtos”, finalizou.

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