Vários estados do Nordeste participam do programa.
Emater projetou construção de cerca de 1,4 mil barragens no RN.
O rio Seridó dá nome à região sudoeste do Rio Grande do Norte, justamente conhecida como Região do Seridó, que é pobre de água, como toda a caatinga. Por isso, barragens são muito comuns e já fazem parte da paisagem.
O município de Serra Negra do Norte foi fundado lá nos idos do século 18. A dez quilômetros da cidade fica a propriedade do agricultor Álcio Batista, onde estava uma equipe da Emater com um trator da prefeitura.
Para viver o agricultor conta com o dinheiro da aposentadoria e vai tenteando com coisinhas de sítio como ovelha, um porquinho para o gasto e um gado que só rende em ano bom de chuva.
No ano que passou a vida não foi mais difícil graças a uma renda extra que vem das mãos da mulher do Álcio Batista, a agricultora Geni Batista, que é bordadeira talentosa. Ela faz o bordado cheio, o richelieu, acabamento de toalha, de babydolle de roupa de nenê. “O bordado dá mais dinheiro. Com esse dinheiro compra a feira e quando sobra compra roupa”, diz.
Álcio Batista diz que tem muita vontade de tirar mais do sítio que é composto por uma matinha catingueira e um terreno carrascoso, forrado de pedra. Porém, havendo água, o terreno pode frutificar. Não é qualquer que se pode fazer uma barragem subterrânea. A trincheira é aberta em um ponto estratégico, na transversal, cortando o leito de um riacho ou rio temporário, comum na caatinga. A calha recebe água apenas de dois a três meses por ano e banha parte das terras do agricultor.
Na área de escavação, o solo de aluvião é formado pela deposição das enchentes e pelo material que escorrega das partes mais altas laterais. Portanto, há terra fértil.
O agricultor conta que há anos aguardava o benefício desse projeto. Apesar da vida difícil, ele não que sair do lugar onde ‘o cabra vive sem geada, sem terremoto e não tem assaltante’, até porque não há dinheiro que o ladrão possa roubar.
A escavação é orientada pelo técnico da Emater Adamilton Cunha Ribeiro, que trabalha no programa de recuperação de agrossistemas. Ele explica que este projeto tem uma combinação de recursos federais, estaduais e municipais. A obra, de fácil execução, consiste na abertura de uma valeta do nível da superfície até o ponto em que o garfo da escavadeira bate na rocha.
Quando o município não dispõe de equipamento há recurso para pagar a hora-máquina. No caso do agricultor, a despesa corre por conta da prefeitura. A Álcio Batista cabe apenas o pagamento do dia dos dois camaradas que foram ajudar na limpeza do barranco. Segurando o cabo da foice como se fosse um facão, eles vão arrancando as raízes que despontam na parede da vala.
Quando se fala em barragem no Nordeste o que se pensa é em um muro feito de terra batida, de pedra ou de tijolo, que demandam muita mão-de-obra e dias ou semanas de construção. Para a barragem subterrânea, é usada uma lona plástica, material muito simples e de fácil assentamento.
A lona é estendida pelos 120 metros de comprimento que deu a valeta. Ela já vem dobrada de uma forma que, quando aberta, possa cobrir não só toda a parede do barranco como sobrar um tanto na superfície e no fundo do buraco.
O entulho que restou no fundo é jogado como peso para prender bem a aba da lona na base da vala. Ela tem que ficar bem encostada na parede. Daí a importância de se limpar bem as raízes. Qualquer pontinha pode furar.
Depois, a retro-escavadeira repõe toda a terra que foi tirada do buraco. Toda a valeta é preenchida como é coberta a aba que sobrou na parte de cima. De modo que, terminado o serviço, que durou apenas seis horas, quem passar pelo lugar não vai perceber que tem uma lona enterrada.
O agricultor Lourival Pereira, o seu Louro, fez a barragem cortando o riacho temporário praticamente no quintal de casa. Ele já enfrentou seca de ter que buscar água a 30 quilômetros de distância. Agora, entusiasmado, ele diz que dá gosto mostrar a propriedade. Na parte que é servida pela barragem subterrânea tem abundância de água. Mesmo em ano de pouca chuva, as cacimbas não secam. Mesmo sendo período anterior ao inverno, o poço está com lençol de quase quatro metros de fundura.
A fartura de água mudou não só a paisagem da fazenda como levou trouxe uma vibração sonora que não existia. Agora, além dos passarinhos e do vento nas folhagens; do alarido das ovelhas e das cabras; do berro da vacada; do tilintar dos cincerros; também a água ganhou voz nos bebedouros e nos esguichos de irrigação.
O seu Louro está na segunda etapa da implantação da barragem subterrânea que requer tecnologias complementares. O agricultor já construiu dois mil metros de renque. Como a vegetação não sente falta de água, ele passou de uma atividade de subsistência para a de produção rural de verdade, numa escala que atende sete famílias. Só de banana ele tira uma tonelada por mês. Há também mamão, coco-da-baía, pimenta, caju, amendoim, tomate, pinha, feijão, goiaba, cebolinha e coentro. Só de hortaliças em geral são mais de 20 canteiros.
O agricultor vende a produção para o Programa Nacional de Alimentação Escolar e para o Compra Direta, programa estadual que também atende às escolas da região. Ele conseguiu comprar a terra pelo crédito fundiário. O seu Louro é um assentado que, graças ao que fatura, está em dia com as prestações. O agricultor se orgulha de ter se bem sucedido e, principalmente pelo fato de junto com os filhos não precisar mais viver de favor.
O semi-árido brasileiro tem um potencial enorme para essa tecnologia. Vários estados do Nordeste participam do programa. No Rio Grande do Norte, a Emater projetou a construção de cerca de 1,4 mil barragens subterrâneas.