Excelentíssimo Sr. Presidente do senado
Excelentíssimos senadores e senadoras
Ao longo dos últimos anos vem se intensificando o debate na sociedade civil da importância de uma alimentação saudável, produzida por um sistema agroalimentar, que não dependa do esgotamento dos recursos naturais e não seja subordinado a um pacote químico que envolve sementes geneticamente modificadas, fertilizantes químicos e agrotóxicos. Já há uma compreensão de que esse modo de produção que concentra terra, desmata, degrada os bens da natureza e monopoliza a distribuição de alimentos, causa impactos não só ao meio em que vivemos, como também adoece e mata nossa população. Nossas crianças estão expostas desde o ventre materno a substâncias que, comprovadamente, causam diversos e graves distúrbios celulares, exposição que segue ao nascerem, via aleitamento materno ou alimentação. As trabalhadoras e os trabalhadores na agricultura são ainda mais expostos, pois, mesmo que façam a escolha de produzir comida sem veneno, não ficam livres da contaminação ao seu redor, tendo muitas vezes suas casas e plantações atingidas por chuvas de veneno despejadas por meio da pulverização aérea, com consequente perda de sua produção pela deriva de agrotóxicos.
Neste cenário, depois de duas décadas de sua propositura, o projeto de lei nº 6.299/2002, que propõe profundas alterações no já frágil aparato regulatório foi aprovado em caráter de urgência na Câmara dos Deputados em 09/02/2022 e se encaminha à apreciação do Senado Federal. As mudanças contidas no referido PL não avançam em um sentido mais protetivo ou mais moderno, pelo contrário, tornam o Brasil um país ainda mais permissivo em relação aos agrotóxicos, negligenciando o princípio da precaução, colocando a saúde da sociedade e o meio ambiente em risco.
Ao lado das quase dois milhões de pessoas que já assinaram a plataforma Chega de Agrotóxicos (www.chegadeagrotoxicos.org.br), estão diversas instituições de pesquisa, sociedades científicas, órgãos técnicos da área de saúde e ambiental. O debate em torno do PL 6299/2002 alcançou a esfera da ONU que enviou nota alertando para os perigos da proposta. No mesmo sentido se posicionaram: Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Nacional do Câncer, Associação Brasileira de Agroecologia, Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde, Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, Conselho Nacional de Secretários de Saúde, Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, Defensoria Pública Geral da União, Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Conselho Nacional dos Direitos Humanos, Conselho Nacional de Saúde, Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos.
A sociedade civil não está dividida a respeito da necessidade de uma agricultura mais sustentável e menos tóxica, de uma alimentação livre de venenos. A população sabe que é necessário e urgente protegermos nossas vidas, mas dependemos que parlamentares, nossos representantes eleitos, ouçam nossas necessidades e as transformem em políticas públicas.
Soma-se às preocupações aqui já apontadas a grave situação de saúde e fome que atravessa nosso país, ocasionada pela pandemia de Covid 19, que sobrecarrega nosso eficiente, porém subfinanciado sistema de saúde pública. A fome é uma questão endêmica no Brasil e se alastra ainda mais nesse gravíssimo momento. Isto deixa evidente que os sistemas que regem nossa sociedade privilegia muitos enquanto prejudica tantos outros. É inadmissível que no mundo atual pessoas ainda morram por conta da fome em um país que tem uma produção agrícola gigantesca e muito lucrativa, mas que, no entanto, não está voltada para atender esta demanda, mas sim para atender a necessidades e interesse econômicos.
Em julho de 2021 foi lançado o Dossiê Contra o Pacote do Veneno e em Defesa da Vida, publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) e Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, reunindo um conjunto robusto de evidências técnicas e científicas sobre as consequências em caso de aprovação do PL nº 6.299/2002, elaborado por alguns dos maiores especialistas no tema do país. Este documento já está disponível na versão eletrônica e será entregue também em meio físico para as senadoras e os senadores.
Por estas e outras tantas mudanças que podemos dizer que o PL nº 6.299/2002 se trata de um pacote de veneno e que irá impor graves retrocessos à sociedade, ampliando a contaminação ambiental e a exposição humana aos agrotóxicos, e que levaram ao adoecimento e morte da população, em especial daqueles em maior situação de vulnerabilidade.
A aprovação do PL nº 6.299/2002 na Câmara dos Deputados traz atraso para a sociedade, principalmente durante a pandemia, contexto em que milhares de vidas foram ceifadas e que a fome assola ainda mais a população. Tal decisão representa um contrassenso no enfrentamento destas questões estruturais, frente a decisões mais cautelosas de outros países, o que pode trazer inclusive impactos econômicos frente a preocupações de importadores.
O povo precisa de um Estado que assegure medidas de proteção à saúde e à democracia. É fundamental ampliar esta discussão à população, escutando de fato seus anseios, analisar os pareceres e notas técnicas elaboradas por entidades técnicas e órgãos de regulação e fiscalização do estado e desta forma, que a própria legislação e a regulação de agrotóxicos assegurem maior proteção aos biomas, com uma política de redução do uso de agrotóxicos que proteja os ecossistemas, os bens da natureza, a vida das pessoas e dos animais.
Assim, solicitamos que o PL nº 6.299/2002 não seja incluído para apreciação do plenário do Senado Federal sem que antes seja debatido ao máximo nas diferentes comissões desta casa, ouvindo a sociedade civil e especialistas comprometidos com a vida.
Destacamos aqui as principais alterações propostas pelo PL nº 6.299/2002 e seus riscos à saúde e à biodiversidade
– Altera o termo agrotóxico para pesticida e produtos de controle ambiental, o que implica na ocultação do risco para a população, especialmente considerando a baixa escolaridade no campo evidenciada pelo Censo Agropecuário de 2017.
– Condiciona a restrição da importação e produção de agrotóxicos apenas ao que quer se classificar como “riscos inaceitáveis”. Atualmente, a lei proíbe agrotóxicos com características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, distúrbios hormonais e danos ao aparelho reprodutor. Qualquer substância com essa característica torna-se automaticamente inaceitável e é imprescindível que isto esteja absolutamente explícito na lei.
– Concede maior poder ao MAPA, que seria o órgão responsável pelo registro dos agrotóxicos. Hoje a avaliação, autorização passam pelo IBAMA, pela ANVISA e pelo MAPA, porém com a nova Lei O MAPA passa a ser o órgão registrador e IBAMA e ANVISA podem apenas avaliar e homologar avaliações, não tendo qualquer poder de veto, quando a eficiência agronômica deveria ser o último aspecto a ser considerado em um caso onde os outros aspectos são saúde e contaminação ambiental.
– Mantém o registro eterno de agrotóxicos no Brasil e restringe a reavaliação a ocorrência de avisos de órgãos internacionais. A atual lei já permite o registro eterno de agrotóxicos, enquanto outros países fazem reavaliações periódicas.
– Delimita uma série de prazos rápidos e muitas vezes inviáveis para análises e ainda prevê pena de responsabilidade aos órgãos federais registrantes se não cumpridos os prazos de registro e reavaliação. Atualmente, não existe um prazo fixo para que os órgãos do Governo Federal se manifestem sobre pedido de pesquisa ou de liberação comercial de agrotóxicos, visto que isto deve estar condicionado à capacidade do órgão para que possa exercer seu papel com competência.
– Autorização da mistura em tanque de agrotóxicos e prescrição de receituário antes da ocorrência da praga a mistura em tanque pode trazer efeitos múltiplos e exponenciais, não testados de forma científica com metodologia própria pelos órgãos federais. Não existe soma de agrotóxicos, isto é, o resultado de uma aplicação conjunta pode gerar um produto absolutamente novo, cujos resultados são sinérgicos
– Acaba com os poucos poderes que entidades atuantes no cenário brasileiro têm para requerer o cancelamento de determinado agrotóxico. Atualmente entidades da sociedade civil legalmente constituídas para defesa dos interesses difusos relacionados à proteção do consumidor, do meio ambiente e dos recursos naturais, partidos políticos e entidades de classe podem requerer o cancelamento do registro de um produto, que pode passar por uma reavaliação. A nova proposta anula essa possibilidade e deixa a cargo do Ministério da Agricultura, o órgão registrante, a instauração de procedimento de reanálise.
– Os agrotóxicos destinados exclusivamente à exportação serão dispensados de registro. Também são dispensados da apresentação dos estudos agronômicos, toxicológicos e ambientais. Mas e os trabalhadores que são expostos a esses produtos? E os resíduos gerados de sua produção? Esses itens podem ser desconsiderados e sequer avaliados pelo Estado brasileiro. Atualmente não há dispensa de registro na lei e nem no decreto regulamentador para agrotóxicos exclusivamente exportados, apenas se dispensa estudos relativos à eficiência agronômica e resíduos em produtos vegetais.
Assine aqui a carta:
[…] que será entregue durante o ato no dia 09, vice pode acessar o link de coleta de assinaturas (clicando aqui), e colaborar com a coleta de assinaturas ate o dia 08 de […]
Espero que se não conseguirmos impedir, reduzir e/ou conscientizar os nossos gestores e a população quanto ao uso nocivo e indiscriminado desses venenos, que seja possível ao menos fazer que esse movimento se torne público, mostrando a todos que lutamos e que tentamos.