O Carbendazim é um fungicida utilizado como ingrediente ativo (IA) na formulação de agrotóxicos de uso agrícola. Sendo aplicado na modalidade foliar nas culturas de algodão, cevada, feijão, frutas cítricas, maçã, milho, soja e trigo e para a aplicação em sementes nas culturas de algodão, arroz, feijão, milho e soja.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) iniciou em 2019 o processo de reavaliação do produto que já é proibido nos Estados Unidos e na União Européia há mais de uma década, por associação ao câncer e à má formação fetal. Os Estados Unidos inclusive deixam de importar laranja ou suco da fruta de produtores que usam este veneno em suas plantações.
Em fevereiro de 2022 a área técnica da Anvisa apresentou seu parecer indicando a elevada toxicidade do Carbendazim, mesmo em pequenas quantidades, recomendando que o agrotóxico deixasse de ser vendido e aplicado nas lavouras do Brasil, mas um pedido de vistas prorrogou a decisão. Então o Ministério Público Federal (MPF) acionou a justiça, que em junho fixou um prazo de 60 dias para que a reavaliação do agrotóxico fosse concluída. Em 21 de junho, a Anvisa, em decisão emergencial proibiu a importação, produção, distribuição e comercialização do produto até que fosse finalizado o processo de reavaliação.
No dia 8 de agosto, a Diretoria Colegiada da Anvisa finalmente reuniu-se para decidir sobre o banimento do produto. A reunião começou com apelo do diretor Rômison Mota, endossado pelo diretor Barra Torres, para recomposição da força de trabalho da agência e o risco de que os trabalhos entrem em colapso caso não haja concurso público urgentemente. A avaliação de registro, cuja celeridade é cobrada judicialmente pelas empresas, é conduzida pela mesma área técnica responsável pela reavaliação do registro de produtos perigosos e que ainda são intensamente utilizados no país. Os 5 profissionais responsáveis por essa tarefa, segundo apontado na reunião da Diretoria, não são suficientes para dar conta dessas demandas, em especial com a lista de prioridades do setor produtivo.
O parecer da área técnica concluiu que o Carbendazim é cancerígeno (provoca câncer), mutagênico (altera o material genético) e prejudica a reprodução e o desenvolvimento, inclusive durante a gestação, período peri-natal e lactação.
A Anvisa indicou a proibição do Carbendazim pois não foi possível estabelecer doses seguras para a mutação e a toxicidade reprodutiva observada após contato com este agrotóxico. Também foi observada preocupação com as exposições dietética, ocupacional e ambiental. Assim, a Diretoria Colegiada definiu pelo banimento do Carbendazim no Brasil. Contudo, haverá um período para eliminação gradual do produto:
- na data de publicação da RDC fica proibida a importação de produtos técnicos e formulados à base de Carbendazim
- em 3 meses fica proibida a fabricação do produto formulado
- em 6 meses fica proibida a comercialização do produto formulado
- em 12 meses fica proibida a exportação do produto técnico e do produto formulado
- em 14 meses se dará o descarte adequado dos estoques remanescentes
- a aplicação nas culturas e tratamento de sementes está autorizada até o esgotamento dentro da validade de ate 2 anos do produto
Ou seja, mesmo sabendo da capacidade de causar câncer, mutações e toxicidade reprodutiva, características proibitivas de registro, as trabalhadoras e os trabalhadores na agricultura estarão expostos a riscos ocupacionais e a população estará exposta ao consumo de alimentos com resíduos de Carbendazim até que se esgotem os estoques do produto. E o argumento que sustenta tal medida é o risco de impactos econômicos ao setor.
A decisão não se estende para outros usos do fungicida como para conservação de madeira e fabricação de tinta. Nesse sentido, a Anvisa encaminhou que o Ministério da Saúde realize a avaliação de risco para trabalhadores da cadeia produtiva de outras atividades não-agrícolas que utilizam esse ingrediente ativo de agrotóxico.
Mais uma vez, o processo de reavaliação de agrotóxicos pela Anvisa sofreu lobby do setor regulado e pressão da Frente Parlamentar da Agropecuária. Membros da força tarefa (grupo formado por empresas interessadas em manter o registro) agiram como negacionistas das evidências científicas e defensores do lucro acima da vida, tentando fazer com que o Pacote do Veneno seja posto em prática à revelia de sua aprovação pelo Congresso Nacional. É fundamental que espaços democráticos de fato sejam instituídos e que comunidade científica, trabalhadores e usuários do sistema de saúde tenham participação assegurada no processo regulatório, de acordo com as diretrizes do SUS.
Consideramos muito positiva a fundamentação técnica do voto que justifica o banimento do Carbendazim. O corpo técnico da Agência cumpriu seu papel de proteção da saúde e acertou a indicar que este produto não deve mais ser usado no Brasil.
Porém, ao permitir o uso dos estoques do produto, a Anvisa contradiz suas próprias conclusões e mais uma vez atende ao pleito da indústria de agrotóxicos, da mesma forma como fez no caso do Paraquat. Substâncias altamente tóxicas precisam ser banidas imediatamente. Ao permitir até dois anos de uso, a sociedade brasileira fica submetida ao grave risco de doenças crônicas como o câncer, mutações genéticas e má-formações fetais.
Esperamos que este prazo possa ser reconsiderado, e que o direito à saúde dos brasileiros e brasileiras seja preservado. E ainda, que seja definido um plano de acompanhamento do uso e de intensificação das ações de vigilância, com fiscalização mais apurada do uso desse agrotóxico, monitoramento de resíduos na água e em alimentos, áreas próximas às lavouras e das condições de saúde de trabalhadores em atividades agrícola e não-agrícolas que sejam expostos ao Carbendazim.
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela vida