26 de junho de 2012
Por Darío Aranda, do jornal Página/12
Moradores que denunciam fumigações em oito províncias, movimentos campesinos, povos indígenas e organizações socioambientais explicitaram os impactos do modelo agropecuário atual. Eles responsabilizaram os “três poderes” do Estado pelas consequências ambientais e para a saúde e lançaram uma campanha nacional contra os agrotóxicos. Isso aconteceu no Encontro Nacional dos Povos Fumigados, em paralelo ao primeiro julgamento por fumigações, que acontece em Córdoba, onde explicaram que o agronegócio e a megamineração são parte do mesmo modelo (“extrativo”) e denunciaram a “violência provocada pelo Estado, por empresas e seus grupos armados contra os que defendem os bens comuns”.
Em Córdoba acontece, desde 11 de junho, o primeiro julgamento oral e público por fumigações. Trata-se de duas denúncias (de 2004 e 2008) por atingir o bairro Ituzaingó Anexo que foi a julgamento na Câmara Criminal I (são acusados dois produtores e um piloto de avião fumigador). O fundamento para o julgamento é a Lei Nacional de Resíduos Perigosos (24051), que prevê penas de três a dez anos de prisão aos que “contaminem” de forma perigosa à saúde.
“Hoje, todos nós representamos os moradores fumigados do bairro Ituzaingó Anexo, já que também estamos sendo afetados pelos agrotóxicos que nos envenenam, adoecem e matam. Exigimos justiça para Ituzaingó Anexo e para todas as pessoas fumigadas do país”, reivindica o primeiro ponto da declaração do Encontro de Povos Fumigados. Ocorrido em 15 e 16 de junho, na Universidade Nacional de Córdoba (UNC), dele participaram dezenas de lideranças de Bueno Aires, Santa Fé, Córdoba, Chaco, Misiones, Corrientes, Formosa e Santiago del Estero. Dele também participaram assembleias cidadãs, ONGs ambientais, organizações sociais, movimentos campesinos e comunidades indígenas.
“Denunciamos a incapacidade do Estado, em seus três poderes, em reconhecer os impactos do uso de agrotóxicos como um problema ambiental e de saúde pública”, destacou o documento final, que propõe leis para proteger as populações próximas aos campos, solicita vigilância epidemiológica para os moradores que acumulam as denúncias e tratamentos médicos urgentes para os afetados.
Recordaram vítimas dos “agrotóxicos e do modelo de agronegócio”: Nicolás Arevalo e José Rivero, crianças “mortas intoxicadas por agrotóxicos” em Puerto Viejo Lavalle (Corrientes); Ezequiel Ferreyra, criança morta por “manusear agroquímicos, em condições de exploração infantil, na empresa Nuestra Huella” em Pilar (Bueno Aires) e a Néstor Vargas, trabalhador rural morto por “manusear agrotóxicos como trabalhador explorado” num estabelecimento rural de Vera (Santa Fé).
Na sexta-feira, nos Estados Unidos, a presidente Cristina Fernández de Kirchner detalhou publicamente uma reunião com a empresa Monsanto (líder mundial em sementes transgênicas e em agroquímicos) e anunciou que a companhia confirmou o estabelecimento de um projeto para Córdoba. “É um investimento muito importante em Malvinas Argentinas, Córdoba, em matéria de milho com uma nova semente de caráter transgênico. Também dois centros de pesquisa e desenvolvimento, um em Tucumán e outro em Córdoba”, adiantou a presidente na sede do Conselho das Américas e justificou que, no encontro com os executivos da Monsanto, explicou-lhes a possibilidade de “estender a fronteira agropecuária” para a Patagônia.
O documento final dos povos fumigados explicitou o “repúdio ao anúncio da Monsanto de estabelecer o maior projeto do mundo de produção de sementes transgênicas, em Córdoba” e recordou que a empresa é “claramente questionada no julgamento” por fumigações em Ituzaingó Anexo. “No lugar de um modelo produtivo baseado na contaminação, envenenamento e morte, é possível produzir sem agrotóxicos. Nossa luta é por uma produção saudável e sustentável no tempo, como fazem os camponeses e indígenas que resistem as desocupações e desmontes em todo o território nacional”, explicou Pablo Riveros, um dos moderadores do encontro.
O primeiro Encontro Nacional dos Povos Fumigados aconteceu em 2010, em Santa Fé. Este segundo encontro teve a particularidade de contar com uma maior presença de pessoas e organizações e, sobretudo, de explicitar a articulação para o lançamento da “campanha nacional contra os agrotóxicos e pela vida”, que aborda seis eixos: sistema produtivo (monocultivo, transgênicos, agrotóxicos), soberania alimentar, base legal (apresentação de denúncias, criação e reforma de leis, reclassificação de agrotóxicos), saúde, educação (“nunca mais escolas pulverizadas”) e divulgação.
O eixo do encontro foi o questionamento ao modelo agropecuário, porém isso foi englobado na situação macro do “modelo extrativo” (petróleo, mineração, monocultivo florestal). “A megamineração e o agronegócio destroem nossas formas de vida e nosso ambiente, em nome de um suposto crescimento econômico que só produz lucro para uns poucos”, alerta o documento final do encontro, que adverte a “violência desembocada” sobre os militantes que questionam o modelo extrativo e exige a “abolição da lei antiterrorista”.