Por Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.
A publicação “Vivendo em territórios contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado” ganhou vida e provocou debates entre os mais de cinquenta participantes do curso “Agrotóxicos, Saúde e Agroecologia”, promovido pela Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida no Mato Grosso do Sul.
A formação aconteceu de 17 a 21 de julho no Centro de Capacitação e Pesquisa Geraldo Garcia (CEPEGE), espaço do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST) no Assentamento Geraldo Garcia, em Sidrolândia (MS). O encerramento do curso ocorreu no município de Juti (MS), marcado pela participação dos cursistas na tradicional feira de sementes nativas e crioulas e produtos agroecológicos da região.
O espaço formativo reuniu representantes de movimentos sociais, comunidades tradicionais e camponesas, povos indígenas, estudantes, pesquisadores e colaboradores de organizações da sociedade civil para debater e refletir, de maneira ampla e crítica, sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde humana, em territórios rurais e urbanos, e na sociobiodiversidade.
Além dos temas relacionados aos malefícios e impactos destrutivos dos agroquímicos na vida humana, a programação contou com palestras e atividades educativas sobre assuntos que possuem interfaces com a temática do enfrentamento ao consumo abusivo de agrotóxicos no Brasil, como a agroecologia, cartografia social, comunicação popular, vigilância popular em saúde, racismo ambiental e conflitos no campo.
Aline de Souza, do povo Guarani do Mato Grosso do Sul, foi uma das integrantes da semana formativa. Para ela a vivência trouxe informações valiosas para o seguimento dos processos de resistência em seu território. “Nós defendemos a vida e não a morte. Sabemos como os agrotóxicos estão impactando as vidas em nossos territórios, por isso participar de um curso como esse é fundamental”, destaca a liderança Guarani.
Agrotóxicos nas águas do Cerrado
O dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado foi apresentado e distribuído ao público participante do curso pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e pela CPT durante o espaço formativo “Impactos dos agrotóxicos na saúde e no meio ambiente”, coordenado por Fernanda Savicki de Almeida, pesquisadora em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
A publicação apresenta dados alarmantes sobre a contaminação de águas em sete territórios tradicionais do Cerrado. A “pesquisa-ação” identificou agrotóxicos em todos os territórios analisados e contabilizou a presença de treze ingredientes ativos (IAs) nas águas dos territórios nos estados do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Destes produtos, metade não possui uso autorizado na União Europeia.
Coleta de água realizada para o dossiê no Mato Grosso do Sul. Foto: Bruno Santiago
Entre os agrotóxicos encontrados nos sete territórios, destaca-se a presença do Glifosato, Atrazina e 2,4-D nas águas que famílias das comunidades usam rotineiramente para beber, tomar banho, irrigar plantações, pescar e para o trato com animais. Estes três ingredientes ativos foram justamente os componentes identificados nas águas analisadas no Assentamento Eldorado II, também situado em Sidrolândia (MS), território sul-mato-grossense que participou da pesquisa do dossiê.
Tabelas extraídas da publicação “Vivendo em territórios contaminados: um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado”
Para Fernanda, que colaborou com a pesquisa realizada no Mato Grosso do Sul, os resultados encontrados apontam para um grave cenário quando se trata do impacto para a saúde das famílias que vivem na comunidade e nos arredores do assentamento. “Nós percebemos o adoecimento destas populações; estamos falando de moléculas que são cancerígenas, que são desreguladoras metabólico-hormonais, que podem causar infertilidade, abortamentos, malformações fetais”, enfatiza a pesquisadora.
“Sabemos que os agrotóxicos são usados para além dos sistemas produtivos como verdadeiras armas químicas de repressão e dominação, que provocam não só o adoecimento crônico, mas a morte, inviabilizam os modos de vida, a reprodução social, as atividades econômicas e expulsam esses povos de seus territórios”, denuncia a presidenta da ABA, que discorreu sobre o impacto sistêmico do modelo de produção do agronegócio brasileiro calcado no consumo abusivo de agrotóxicos.
Coleta de água realizada para o dossiê no Mato Grosso do Sul. Foto: Bruno Santiago
Caminhos de esperança
O fortalecimento da agricultura familiar agroecológica e a luta por políticas públicas estão entre os fatores inegociáveis quando o assunto é o caminho para a superação deste cenário de contaminação e destruição causado pelos agrotóxicos no Brasil. É o que explica Fernanda Savicki.
“Estamos falando de uma questão essencialmente política e o caminho é o da agroecologia. Temos que garantir a permanência das comunidades tradicionais em seus territórios, pautando a reforma agrária popular que considera as demarcações de terra e o respeito aos modos de vida ancestrais. É preciso também viabilizar políticas de incentivo financeiro, de geração de renda, de comercialização para a agricultura familiar”, finaliza a pesquisadora.
O dossiê sobre agrotóxicos no Cerrado apresenta propostas concretas para a superação deste cenário de violações e contaminação em seu último capítulo. De acordo com a publicação, “o uso intensivo de agrotóxicos no Cerrado é expressão da política de morte dos seus povos, e, por isso, da evidência do crime de Eco-Genocídio” na região. As 19 recomendações enumeradas pelas autoras e organizadoras do dossiê anunciam a “justiça que brota da terra” a partir de orientações concretas do que pode ser feito aqui e agora para transformar essa realidade.
Baixe a publicação gratuitamente no site da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado.