Para compensar seus danos à saúde e ao meio ambiente, os agrotóxicos precisam pagar imposto no Brasil. Só assim teremos um incentivo financeiro à redução dos agrotóxicos e à transição agroecológica.
Hoje, os agrotóxicos no Brasil são quase totalmente isentos de impostos. Neste momento, temos duas oportunidades de finalmente acabar com o Bolsa-Agrotóxico em nosso país:
O julgamento da ADI 5553 irá recomeçar, e pode considerar inconstitucionais as isenções de impostos aos agrotóxicos. Acompanhe o julgamento no site do STF, e mande mensagens aos ministros. Acesse o modelo de email e endereços.
A Reforma Tributária está sendo regulamentada, e precisamos garantir que os agrotóxicos não recebam a redução de 60% de impostos garantida aos insumos agropecuários. Além disso, os agrotóxicos, por serem prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, devem entrar no Imposto Seletivo e pagar mais imposto!
Perguntas e respostas sobre o fim das isenções fiscais aos agrotóxicos
Sem dúvida o agronegócio que produz commodities. As seis principais produzidas no Brasil consomem cerca de 85% dos agrotóxicos no país, principalmente soja, milho e cana de açúcar. Esse modelo do agronegócio baseado em monocultivos de grande extensão é químico-dependente. Ele depende da destruição de ecossistemas (desmatamento e perda de biodiversidade) para produzir apenas um único produto. Dessa forma ameaça a vida de várias formas: degrada e destrói os agroecossistemas que garantem a biodiversidade; ao desmatar aumenta a frequência de futuras catástrofes climáticas; envenena trabalhadores rurais e consumidores de produtos contaminados, assim como os rios, florestas e solos.
Outro problema são os conflitos por terra e as violências agravadas por esse modelo do agronegócio na disputa por terra. Segundo a organização Global Witness, o Brasil é um dos países que mais mata ambientalistas populares no mundo, incluindo indígenas, quilombolas e agricultores familiares. Em 2023 o Brasil só perdeu para Colômbia, e 88% dos ambientalistas assassinados no mundo eram da América Latina.
No modelo atual estima-se em pelo menos R$ 10 bilhões a desoneração, isso sem contar os mais de R$ 50 bilhões que deixam de ser arrecadados apenas para a soja se considerarmos a totalidade da cadeia produtiva para além dos agrotóxicos, incluindo a exportação. No caso da reforma tributária, ainda não há uma estimativa precisa do impacto no que se refere aos agrotóxicos, pois ainda permanecem incertezas sobre o que será decidido e como a reforma será efetivada nos próximos anos de transição.
Os bilhões de reais que deixam de ser arrecadados aos cofres públicos parecem muito para uma sociedade que precisa recuperar sua capacidade de gerar empregos e voltar a investir em seguridade social, saúde, educação, ciência e tecnologia, proteção ambiental, incluindo a prevenção e mitigação das tragédias climáticas. Mas é pouco para o setor agropecuário, que apenas em 2022 teve um faturamento de R$1,189 trilhão.
Como os produtos agropecuários de exportação são commodities como a soja e a carne, os preços são ditados pelo mercado internacional nas bolsas de mercadorias, e não pela oscilação de oferta e demanda apenas em um país isoladamente. Dessa forma, o aumento dos impostos sobre agrotóxicos no Brasil terá um efeito bem menor no preço de commodities. Em verdade o Brasil poderá mesmo ampliar mercados futuramente caso adote, ao longo dos próximos anos, medidas efetivas que reduzam o uso dos agrotóxicos, o fim do desmatamento e o incentivo a uma agricultura ecológica que preserve ecossistemas como a Amazônia, o Cerrado e os direitos dos povos originários. Diversos países taxam agrotóxicos de acordo com o risco do produto, como Canadá, Noruega, Suécia, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, dentre outros, e isso contribui para uma transição justa em direção a uma agricultura orgânica e agroecológica.
Essa pergunta em parte pode ser respondida pelo artigo “Fim dos benefícios fiscais aos agrotóxicos, sustentabilidade da agricultura e a saúde no Brasil (Soares, Porto & Neves, 2022)” publicado pela revista “Saúde em Debate”. O artigo compara impactos sobre a lucratividade do setor agrícola baseados em dois estudos: o segundo relatório da Abrasco sobre o tema; e o documento produzido pela consultoria Jorge e Barral encomendada exatamente pelo setor que produz agrotóxicos (SINDIVEG). O cenário de tributação que gere um aumento de 15% nos preços dos agrotóxicos reduziria a lucratividade em cerca de 5,1% em 2017 (R$ 4,8 bilhões). Contudo, os maiores impactados seriam os produtores de commodities (café, soja, algodão, cana e cereais), com uma redução média de 9,6% na lucratividade. Os demais estabelecimentos não classificados nessas cinco grandes commodities agrícolas teriam, em média, uma redução bem menor, de 1,7% na lucratividade. Diversos desses agricultores possuem um elevado peso na cesta básica brasileira, como as culturas alimentícias de feijão, mandioca, hortaliças, frutas e legumes em geral. Mesmo no estudo da Barral o principal impacto seria na lucratividade da cultura do algodão, que poderia chegar a 21%. Fica evidente que o incentivo a um insumo notoriamente prejudicial à saúde e ao meio ambiente interessa essencialmente aos que mais lucram com o modelo agropecuário voltado à exportação de commodities, e não aos direitos do cidadão.
Como afirmado, a desoneração tributária dos agrotóxicos beneficia principalmente o setor agroexportador, e não influencia de forma expressiva os agricultores responsáveis pelos produtos da cesta básica, muitos deles da agricultura familiar.
Estudo realizado em Santa Catarina estimou que um aumento do ICMS dos agrotóxicos de 0 para 17% teria impacto relativamente pequeno, a serem revertidos no médio prazo com incentivos para a transição em direção a uma agricultura orgânica e agroecológica. Por exemplo, os aumentos incidiriam principalmente sobre o tomate (3,2%), feijão (2,7%), maçã (2,7%), soja e trigo (1,9%), cebola (1,7%), milho (1,5%), arroz (1,4%), alho (1,3%) e batata-inglesa (1,1%). Porém, se o intuito é favorecer os grupos mais vulneráveis que dependem da cesta básica, o melhor seria a isenção direta sobre os produtos da cesta, e não sobre um insumo perigoso como os agrotóxicos.
Não é verdade. O agrotóxico não pode ser considerado um custo fixo, como argumentam os defensores da isenção. Os economistas chamam de produtos inelásticos aqueles que, ao variar o preço, variam pouco sua demanda. Mas isso não corresponde à realidade: é possível usar cada vez menos agrotóxicos, como vários países do mundo vêm demonstrando nas últimas décadas. O agrotóxico só é imprescindível no modelo químico-dependente da agricultura com monocultivos de grande extensão. Incentivos econômicos como a tributação dos agrotóxicos, e não sua isenção, em verdade contribuem para que os agricultores tomem decisões em direção a tecnologias mais sustentáveis a ecológicas.
Tanto grandes propriedades (caso da Fazenda da Toca de Pedro Paulo Diniz, que produz inclusive milho e soja) e principalmente agricultores familiares provam que é possível fazer a transição para uma produção orgânica e agroecológica. Principalmente se a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (PRONARA) forem efetivamente implementadas como política pública. Estudos recentes vêm mostrando que diversos produtos agroecológicos e orgânicos no país já são competitivos com relação aos demais que usam agrotóxicos.
Depende do Estado, mas existem casos importantes como o Rio Grande do Sul. Em 2017 a renúncia fiscal dos agrotóxicos pelo ICMS (um imposto estadual) representou cerca de 56,7% do déficit total que esse estado pagava anualmente. Nesse momento de recuperação ante a recente catástrofe climática que assolou o Estado, é um total contrassenso abrir mão do imposto aos agrotóxicos, usados principalmente por um tipo de agricultura que aumenta as chances de novas tragédias como a ocorrida.
Sim, existem inúmeros casos. Diversos países taxam agrotóxicos de acordo com o risco do produto, como Canadá, Noruega, Suécia, Bélgica, Dinamarca, França, Itália, Holanda, dentre outros. É interessante mencionar o caso dos herbicidas para a Suécia. Caso ocorresse um aumento em 15% nos preços dos agrotóxicos causados por uma elevação da alíquota em igual montante, haveria uma redução na demanda por esse insumo perigoso que poderia variar até 13,5%. Esses dados apoiam o pressuposto de que os atuais benefícios fiscais reforçam o modelo agrícola baseado no uso intensivo de agrotóxicos e, por outro lado, a sua taxação incentiva o uso de outras tecnologias menos agressivas à saúde e ao ambiente.
Sim, principalmente quando há um incentivo econômico para o uso, como o crédito rural e a desoneração fiscal. Um estudo recente publicado por pesquisadores da Universidade de Viçosa e do IPEA mostra que há um sobre uso dos agrotóxicos no Brasil para além da sua eficiência econômico e agronômica. Entre os períodos censitários (2006 x 2017) houve uma redução considerável dos ganhos de produtividade dos agrotóxicos no Brasil, resultado similar ao encontrado em países como Bangladesh e China. Os resultados do estudo brasileiro revelam o uso excessivo de agrotóxicos no país tomando como base os ganhos de produtividade: dos 5.171 municípios da amostra, 4.034 registraram uso excessivo em 2006 e 4.432 em 2017. Isso é mais preocupante nos municípios do Sul e no Centro Oeste do país, onde mais de 95% fazem sobre uso de agrotóxicos.
Adicionalmente, com base nos censos agropecuários de 2006 e 2017, verificou-se que os sistemas de produção orgânica e a associação em cooperativas ou entidades de classe reduzem o uso excessivo de agrotóxicos. Por outro lado, mesmo para defensores desse insumo, o estudo aponta que o crédito rural favorece a aplicação de agrotóxicos acima do nível considerado “ótimo”. Ou seja, o “estímulo financeiro” acaba alocando recursos para o uso desses insumos além do necessário do ponto de vista estritamente agronômico/econômico. Dessa forma, o crédito rural aos agrotóxicos e sua isenção contribuem para o ciclo vicioso em que os produtores se tornam agrotóxico-dependentes.
Uma oneração via tributação possibilitaria uma redução da demanda de agrotóxicos mantendo níveis de produtividade similares, sem a perda de eficiência agronômica mesmo para aqueles que continuarem a usar esse insumo. Porém, se considerarmos as chamadas externalidades negativas e colocarmos na conta os possíveis ganhos advindos dos benefícios ambientais, sanitários, sociais e até mesmo econômicos, certamente haveria uma redução tanto do sobre uso como do uso “adequado” dos agrotóxicos.
Biblioteca
Sobram dados científicos provando que o uso dos agrotóxicos causa degradação do meio ambiente, contaminação das águas que chegam até nossas casas, intoxicações agudas, diversas doenças crônicas e a insegurança alimentar da população brasileira. Em 2018, o Brasil alcançou o título de maior consumidor de agrotóxicos do planeta ao utilizar cerca de 550 mil
toneladas de ingredientes ativos. Mesmo diante desse cenário, os agrotóxicos são considerados “produtos essenciais” pelo Governo Federal e, por isso, alguns tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) ou Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), de competência Estados e do Distrito Federal, são reduzidos em no mínimo 60% ou não são cobrados.
Na prática, quanto mais agrotóxico é utilizado, menos o Estado arrecada com impostos, mais as empresas geram lucro, e mais dinheiro o governo acaba gastando com saúde pública e com os danos ambientais causados. Diversos grupos da sociedade questionam no Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553, que a isenção fiscal concedida aos agrotóxicos é incompatível com os direitos essenciais ao meio ambiente equilibrado e à saúde. Essa ação parte do princípio de que esses agentes químicos estão longe de serem considerados essenciais à vida, à dignidade humana e à justiça social.
A isenção fiscal dos agrotóxicos, portanto, viola a Constituição no que diz respeito ao princípio da seletividade tributária, que define basicamente que a tributação deve ser menor sobre as mercadorias consideradas essenciais para a maioria da população brasileira, ou seja, de maior interesse público.
O Cepagro (Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo), o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e Fórum Catarinense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (FCCIAT) se propuseram a pesquisar e compartilhar informações sobre a tributação dos agrotóxicos no Brasil, com o objetivo de ampliar o debate
sobre o tema e fortalecer alternativas de produção mais saudáveis e sustentáveis para o consumo de alimento no Brasil
A pesquisa foi desenvolvida com o objetivo de investigar o cenário de incentivos fiscais ao uso de agrotóxicos no processo produtivo agrícola para estimar a desoneração fiscal sobre tais insumos. Os benefícios concedidos evidenciam um importante instrumento de regulação ambiental de mercado utilizado às avessas, já que em vez de mitigar a externalidade negativa gerada pelo uso de agrotóxicos, a estimula. Para a compreensão do arcabouço normativo que regula a relação dos tributos com os agrotóxicos, um estudo sobre as legislações tributárias federal e das 27 unidades da federação foi realizado, de maneira a sistematizar as alíquotas, bases de cálculo, hipóteses de incidência e benefícios fiscais concedidos a esses insumos no âmbito da competência tributária federal e estadual. Dessa forma, foi possível desenvolver uma metodologia prática para se verificar uma parcela da renúncia fiscal sobre os agrotóxicos. A partir dos dados do censo agropecuário de 2006, e das estatísticas da Secretaria de Comércio Exterior referentes àqueles anos foi possível determinar a despesa por estado e estimar a renúncia fiscal do ICMS e do Pis/Pasep e Cofins, que foi aproximadamente de R$ 4,5 e R$ 2,3 bilhões, respectivamente em 2006. Além disso, foi calculada a desoneração do IPI e do II, que foram de R$ 1,2 bilhões e R$ 95 milhões, respectivamente em 2006. Com os resultados obtidos e a metodologia adotada foi possível discriminá-los por Unidade da Federação, por Região e consolidá-los no Brasil. O resultado consolidado foi de R$ 8,16 bilhões em 2006, respectivamente. Todos os valores estão em valores de 31 de dezembro de 2017, conforme a inflação e o câmbio dessa data. Por último é discutido o reestabelecimento da função extrafiscal dos tributos e suas consequências, de maneira a se estudar estratégias a fim de mitigar as externalidades negativas causadas pelos agrotóxicos e ao mesmo tempo contribuir com a saúde financeira dos entes federativos.
O objetivo do presente estudo é ampliar a análise do tema dos incentivos fiscais aos agrotóxicos incorporando estimativas não utilizadas pelo TCU, como os relacionados ao imposto estadual (ICMS) e os impostos federais sobre importações e sobre produtos industrializados, valendo–se principalmente dos dados mais recentes do censo agropecuário de 2017. Nossas análises apontam para um valor anual estimado no país de desoneração fiscal sobre os agrotóxicos (ICMS, IPI, Pis–Pasep e Cofins e
imposto de importação) extremamente alto.
Além disso, ao longo do relatório apresentamos diversos dados e argumentos que apontam para uma resposta clara à pergunta central deste trabalho: a política de incentivo fiscal a agrotóxicos adotada no Brasil é desnecessária, não possui fundamentação teórica ou empírica, e contribui para agravar sérios problemas de contaminação ambiental e humana. Inúmeros países considerados desenvolvidos taxam os agrotóxicos, como Canadá, Noruega, Suécia, Bélgica, Dinamarca, França, Itália e Holanda, e isso não prejudica a produção do alimento, pelo contrário, torna–o mais saudável.
Esta obra pretende, portanto, analisar as bases constitucionais dos direitos fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado, bem assim discorrer sobre a supremacia da Constituição Federal a fim de verificar eventuais nulidades na concessão de benefícios fiscais direcionados à indústria de agrotóxicos, que poderão servir de embriões para a adoção de possíveis alternativas que contemplem uma integração efetiva e eficaz de desenvolvimento econômico e proteção e preservação ambiental.