Cultivo do grão voltado à exportação ocupa quase metade das lavouras do Brasil e está em 25 dos 27 estados
Por Vinicius Konchinski
Do Brasil de Fato
A área plantada de soja no país mais do que quadruplicou nos últimos 30 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As lavouras do grão, que ocupavam 10,6 milhões de hectares em 1993, passaram a ocupar 44,6 milhões de hectares em 2023.
Isso, ainda segundo o IBGE, são cerca de 45% dos 96 milhões de hectares do país usados para todo tipo de plantação no Brasil.
A área plantada de soja no Brasil hoje equivale praticamente à extensão territorial completa dos estados de São Paulo e Paraná somadas. Só o aumento da área desde 2001 é equivalente ao Rio Grande do Sul inteiro.
De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o incremento da área plantada transformou o Brasil no maior produtor mundial de soja. Foram 147 milhões de toneladas do grão colhidas na safra 2022/2023. Desse total, 52 milhões de toneladas foram consumidas aqui – cerca de 35%. Outras 92 milhões de toneladas – cerca de 65% – foram exportadas.
“A área plantada é o maior fator responsável pelo aumento da produção, com incremento de 215%, de 2001 a 2023. Já a produtividade tem incremento de 27,5%, com elevação de 2.751 kg por hectare para 3.508 kg por hectare no mesmo período de análise”, diz um documento do ministério elaborado neste ano.
Gráfico elaborado pelo Mapa indica aumento da produção de soja no Brasil / Reprodução/Mapa
Outro documento do Mapa aponta que, dos 74 milhões hectares destinados para o cultivo dos cinco principais grãos do país, cerca de 60% é destinado à soja. A área ocupada pela cultura é cerca de dez vezes a área dedicada às plantações de arroz e feijão juntas, grãos que fazem parte da tradição alimentar brasileira.
Até 2034, o Mapa estima que as lavouras de soja vão ocupar 63% da área usada para cultivo de grãos nos no país. No período, área dos grãos crescerá 16 milhões hectares, chegando a 96 milhões. Só a área de soja crescerá 13 milhões hectares – ou seja, o equivalente a mais de 80% do total do crescimento.
Projeções elaboradas pelo governo apontam aumento da predominância da soja em lavouras brasileiras / Reprodução/Mapa
Cultivo disseminado
A produção no país está concentrada no Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul. Segundo o Mapa, estes cinco estados produziram 71,6% da soja nacional na safra de 2023/2024.
Mapa indica quais os estados que mais produzem soja no país, com destaque para o Mato Grosso / Reprodução/Mapa
O Mapa reconhece, porém, que “a soja é uma cultura com dispersão na maior parte dos estados brasileiros, como a principal lavoura na formação do valor da produção”.
Dados do IBGE, apontam que 25 dos 27 estados do Brasil, incluindo o Distrito Federal, hoje têm plantação de soja. Em 2023, a soja só não estava na Paraíba e em Sergipe.
A situação era bem diferente há 30 anos. Em 1993, 13 dos 27 estados não tinham plantações de soja em seu território – quase a metade. Das plantações que existiam nos estados, aliás, muitas poderiam ser consideradas embrionárias perto das atuais.
“A soja hoje é uma cultura do Centro-Oeste, expandindo-se pelo Cerrado e pela Amazônia. Pega uma parte do Nordeste, Matopiba [região formada pelo Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia], e, especialmente, a região Norte”, disse o economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin, que foi secretário de Segurança Alimentar e Nutricional durante o primeiro mandato presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“A soja está em todos os estados porque ela ocupou grande parte da nossa cadeia produtiva de monoculturas”, acrescentou Carolina Bueno, economista e pesquisadora na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade da Califórnia. “Ela foi incentivada no governo Lula 1 pelo crescimento chinês, que impulsionou o preço das commodities e o levou a valores históricos.”
Por volta de 2001, a tonelada do grão valia em torno de 200 dólares. Em junho de 2022, atingiu 727 dólares por tonelada.
Segundo Bueno, isso fez com que até pequenos produtores, dedicados à plantação de frutas e outros vegetais, por exemplo, investissem na soja. “No Mato Grosso, isso foi muito forte”, disse ela, citando o caso do maior produtor nacional.
Matopiba e Amazônia
Estatisticamente, a expansão da soja nos estados que compõem a chamada região Matopiba chama atenção. A área é considerada um das novas fronteiras da expansão agrícola nacional, e isso tem a ver com o grão.
O Piauí tinha 1.860 hectares de soja em seu território em 1993, segundo o IBGE. Em 2023, as plantações do grão ultrapassaram os 945 mil hectares – aumento de cerca de 52.000%.
No Tocantins, ele passa de 8.200%; no Maranhão, 2.600%; na Bahia, 400%.
Outra área de produção crescente da soja é a Amazônia. Nove estados compõem a chamada região da Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Em cinco, não havia plantação de soja em 1993: Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Em 2023, os cinco estados juntos têm mais de 1,1 milhão de hectares de lavouras do grão.
Só o Pará, tem mais de 1 milhão de hectares.
“Essa expansão para o Norte tem a ver com essa facilidade de exportação, mas tem a ver também com a terra. Porque a terra na Amazônia é uma terra muito boa para qualquer cultivo”, disse Bueno. “Ninguém precisa restaurar ou tratar a terra degradada para produzir. Essa facilidade faz a soja ir ao Norte.”
Baccarin, porém, alerta para os riscos dessa expansão. “A agropecuária e as mudanças no uso da terra são responsáveis, atualmente, por cerca de 75% das emissões dos gases causadores do efeito estufa pelo Brasil. Neste sentido, há de se controlar a expansão da agropecuária nas reservas florestais que ainda temos. E a expansão do plantio de soja, do milho e de pasto deve ser objeto de preocupação específica”, afirmou.