Por Cássio Bezerra – Assessoria de Comunicação
Do Instituto Sociedade, Populaçao e Natureza (ISPN)
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O relatório “Territórios Vitimados Diretamente por Pulverização Aérea de Agrotóxicos no Maranhão”, desenvolvido pela Rede de Agroecologia do Maranhão (RAMA), da qual o Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) faz parte, foi encaminhado no dia 31 de dezembro de 2024 para o relator especial da ONU sobre Substâncias Tóxicas e Direitos Humanos, Marcos Orellana. O relatório foi elaborado em colaboração com a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultoras e Agricultores Familiares do Estado do Maranhão (FETAEMA), o Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia da Universidade Federal do Maranhão (LEPENG/UFMA) e o Grupo de Estudos sobre Dinâmica Territorial da Universidade Estadual do Maranhão (GEDITE/PPDSR/UEMA).
O estudo destaca os impactos da pulverização aérea de agrotóxicos por meio de aviões e drones sobre as comunidades rurais do Maranhão. Ao longo de todo o ano passado, foram monitoradas 231 comunidades, distribuídas em 35 municípios maranhenses de diversas regiões do estado. Nesse período, essas comunidades foram atingidas com frequência pelo veneno.
Os dados são alarmantes. Indicam que a pulverização de veneno por meio de aviões e drones se tornou uma prática comum no Maranhão e revelam a contaminação e os danos causados a comunidades tradicionais, quilombolas, assentamentos da reforma agrária e terras indígenas. A situação é ainda mais grave para aquelas comunidades que dependem diretamente da agricultura familiar para a própria segurança e soberania alimentar, mas que perdem a produção quando atingidas pela pulverização de agrotóxicos.
Principais Dados e Resultados
Conforme o relatório, uma “verdadeira chuva de veneno” cai com frequência sobre regiões onde há expansão do agronegócio, particularmente, das monoculturas de soja e eucalipto. Entre os impactos identificados, destacam-se: (i) a contaminação das águas utilizadas pelas comunidades para consumo e higiene; (ii) o envenenamento dos alimentos, comprometendo a segurança alimentar das comunidades; (iii) a perda de produção da agricultura familiar, afetando a principal fonte de sustento de muitas famílias; e (IV) o adoecimento das populações, com casos de intoxicação aguda e crônica, além de impactos psicológicos causados pelo medo e pela insegurança alimentar e ambiental.
Produção de mandioca perdida após “chuva de veneno”
Conflitos socioambientais e violações de Direitos Humanos
O relatório também demonstra que a pulverização aérea de agrotóxicos tem sido usada como arma contra as comunidades, especialmente em áreas de conflitos agrários. “Em diversos casos, drones/aviões foram utilizados como verdadeiras armas de guerra para fins de expulsar comunidades de suas terras tradicionalmente ocupadas”, diz o estudo.
Esse contexto de conflito socioambiental é chamado de “Guerra Química” pelas organizações que acompanham os impactos do agronegócio sobre as comunidades rurais do Maranhão.
O estado já é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos da Amazônia Legal e tem assistido à expansão do agronegócio, especialmente de soja e eucalipto, sobre a maior parte do seu território que integra a região do MATOPIBA. Como destaca o relatório, “este processo de expansão do uso de agrotóxicos no Maranhão (e no Brasil) foi acompanhado por um amplo processo de flexibilização ambiental, que atende aos interesses de corporações transnacionais que dominam a produção e comercialização de agrotóxicos ao redor do globo.”
O estudo foi encaminhado ao relator especial da ONU sobre Substâncias Tóxicas e Direitos Humanos, Marcos Orellana, juntamente com um mapa que localiza as áreas impactadas pelos agrotóxicos. “Esperamos que a incidência internacional fortaleça a defesa da vida no campo e jogue luz sobre a relevância e impactos desse tema não só às comunidades, mas à toda a sociedade”, anseia o assessor de políticas públicas do ISPN, Vitor Hugo Moraes. Para ele, o uso de agrotóxicos não pode ser analisado isoladamente, como um fim em si. É necessário considerar a situação de violências e violações que se espalham pelo campo, especialmente no Cerrado, e sua relação de causa e efeito com a expansão do agronegócio.
Mapa indica regiões mais impactadas pelos agrotóxicos em todo o estado e delimita em laranja, a parte maranhense do MATOPIBA
O engenheiro agrônomo, doutorando em Agroecologia, membro da coordenação da RAMA, Fábio Pacheco, concorda e destaca como a tecnologia fortaleceu o processo de grilagem e apropriação de terras no campo. “Com o advento da pulverização remota realizada por drones, estamos diante de uma nova estratégia para uma prática antiga de apropriação das terras pelo agronegócio. O uso de agrotóxicos extremamente danosos à saúde das pessoas e que trazem graves impactos a (agro)biodiversidade é o primeiro estágio de expulsão das famílias camponesas para a concretização da grilagem, dada a maior precisão dos drones em contaminar fontes de águas, áreas de extrativismo e roçados, e muitas vezes de forma furtiva, já que é mais silencioso”.
Conforme Pacheco, diante da necessidade do agronegócio de sempre obter novas terras para explorar, o agrotóxico é o meio para, ao mesmo tempo, efetivar a grilagem e garantir a viabilidade de extensos campos de monoculturas, mesmo que por curto espaço de tempo, até a completa degradação do solo. “O custo da degradação ambiental e injustiça social tem que ser computado na conta do agronegócio”, afirma.