‘Com a minha saída da Anvisa, o que fica de mais relevante não é a perda do cargo, mas sim que a saúde pode ficar fragilizada’
Há 12 anos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária, o gerente-geral Luiz Cláudio Meirelles foi exonerado no dia 14 de novembro após ter denunciado irregularidades no processo de liberação de seis agrotóxicos. De acordo com Meirelles nesta entrevista, a sua saída deve ser encarada como a suscitação do debate sobre saúde e que, a partir de agora, os movimentos sociais e pessoas relacionadas à saúde em geral devem estar em estado de vigilância sobre o tema e na atuação da Agência daqui para frente.
A entrevista é de Viviane Tavares e publicada no sítio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), 29-11-2012.
Eis a entrevista.
Qual era a atuação do Sr. na Anvisa?
Fui cedido para a Anvisa em 1999 pela Fiocruz e participei da criação da Agência. Em agosto do mesmo ano assumi a gerência de análise toxicológica e, em 2008, o cargo de gerente-geral de toxicologia (GGTox). Basicamente, quando a gente pensou na organização da GGTox, era estruturar toda parte de avaliação toxicológica e fortalecer esse tipo de análise no Brasil com base no que a lei determina. Já existia uma portaria e algumas leis e o princípio maior que norteou o nosso trabalho foi exatamente dar concretude a essa legislação. O nosso objetivo principal era avaliar a segurança destes produtos, desde o trabalhador ao consumidor. O trabalhador entende-se aquele que trabalha na fábrica e o agricultor, já o consumidor os que consomem alimentos que podem estar contaminados por este tipo de produto que está sendo autorizado. O primeiro passo que foi dado foi descer odecreto 98816 – que é o decreto que regulamentava a lei de agrotóxicos – que revisamos e terminamos em 2001 e 2002 foi publicado o novo decreto 4074/02, reforçando e fortalecendo as exigências para a segurança no campo da saúde. Do ponto de vista regulatório isso foi um grande marco. De lá para cá, trabalhamos em vários outros regulamentos e com questões como os resíduos de embalagens, a coleta de dados, que é precária, a reavaliação toxicológica e muitas outras coisas.
Como você foi descobrindo as fraudes?
Eu estava de férias e uma das minhas gerentes me ligou e falou que o pessoal do Ibama tinha falando que havia um produto sendo comercializado que nós autorizamos, mas que ainda estava na fila de autorização do Ibama. A minha gerente verificou o produto em nosso controle interno e ele constava em situação de análise. No passo a passo, o registro é feito pelo Ministério da Agricultura, mas para fazer isso ele se baseia em dois documentos : um da Anvisa – que é em forma de avaliação toxicológica – e o do Ibama – que é um parecer. A partir daí, o Ministério pode entrar com o parecer deles que é de eficácia agronômica, dar o número, fechar o processo, publicar e registrar o produto.
Quando descobrimos essa falha fomos investigar e realmente existia um deferimento de produtos sem a necessária avaliação toxicológica. O nosso processo interno passa por várias etapas, mas vimos que algumas haviam sido puladas neste processo porque nem nota técnica tinha. Ele passou direto e foi gerado um documento de autorização, pulando a da avaliação toxicológica que é a fase mais importante, a razão de existirmos.
Quando vimos as irregularidades, acendi o sinal vermelho porque trabalhava em confiança com todos os meus gerentes. Pedi para a gerente que mexe com toda a parte documental para levantar se haviam outros casos e encontrei mais quatro processos com situação parecida e quase perto da minha exoneração mais um. Existem processos inclusive com assinatura incompatível com a minha. A questão da falsificação da minha assinatura é grave, mas o mais grave é não ter passado pela avaliação toxicológica.
Logo que descobrimos isso tudo no primeiro produto, congelamos o sistema interno, fizemos um backup e guardamos. A cópia está disponível agora no modo leitura. À medida que iríamos identificando o produto-problema, mandávamos um email para nossos superiores e suspendíamos o informe de avaliação toxicológica. Também encaminhei os ofícios ao Ministério da Agricultura, com cópia para o Ibama, notificando as decisões e solicitando as medidas adequadas.
Qual foi a reação da Anvisa?
Ao descobrir, em agosto, minha primeira atitude foi encaminhar os fatos para o diretor da Coordenação de Segurança Institucional, que é diretor-adjunto do diretor-presidente, e informei também à Diretoria de Monitoramento. E a primeira atitude daAnvisa foi encaminhar para corregedoria interna que investiga as ações dos servidores. Mas, como tinha havido ente externo, com suspeita de favorecimento inclusive, tinha que ser mais rápido, o que não ocorreu. A Anvisa tomou a decisão de avisar ao Ministério Público e à Polícia Federal somente no dia 19 de novembro.
Como foi exoneração do seu gerente?
Solicitei ao diretor-presidente o afastamento do Gerente da GAVRI e isso ocorreu em 40 dias. Tomei esta atitude porque os problemas estavam relacionados às atividades de sua gerência. Mas não o acusei, apenas pedi para que me informasse o que tinha acontecido. Esse tipo de situação pode acontecer em qualquer lugar, mas o problema é não tomar atitude imediata porque isso fragiliza a instituição. A intenção era manter a credibilidade e não criar nenhum tumulto. A nossa credibilidade existe e eu não iria permitir que ela fosse abalada por uma questão pontual.
Com a sua saída o movimento social perde?
O movimento social interage muito com a Anvisa e por isso que todo mundo nos abraçou, porque tem confiança no nosso trabalho. Sempre falei que minha gestão era compartilhada e esse comprometimento e profissionalismo as pessoas percebem. O que o movimento social veio me dizer é que com minha saída causou um sentimento de perda, porque quando você interage e ouve é diferente.
É claro que a minha saída pode ser aproveitada com o debate que suscitou. Agora é preciso ser vigilante e bem atuante lá dentro. Precisamos saber quem são as pessoas. Com a entrada do novo gerente-geral saberemos qual é o norte. Agora há coisas que temos que exigir como os processos transparentes, as reavaliações etc. É preciso entender a responsabilidade que é liberar um produto, porque uma vez liberado, as pessoas vão consumi-lo. Não adianta depois ficar só contando as vítimas. Outro fator de grande importância é saber resistir à pressão das empresas.
Como você avalia a sua exoneração e agora a Anvisa concordando com a sua denúncia?
Na minha carta está exatamente o que o diretor falou para minha gerência e para mim, já na nota dele liberada recentemente há informações contraditórias. Ele diz que minha exoneração não tem nada a ver com o caso e que eu mantive um gerente suspeito durante um tempo. Isso não é verdade. O gerente tinha capacidade técnica e gozava da minha confiança como todos os outros gerentes. No momento em que eu descobri, tomei as providências rapidamente e pedi a exoneração dele. Agora quando ele coloca isso no texto, se ele sabia que eu sabia, ele também não fez nada. Estou preparando um texto como resposta e vou juntar ao relatório de gestão para colocar no ar. Quando ele me demitiu foi alegando as razões como a denúncia ao Ministério Público e a outra é que encaminhei equivocadamente a exoneração do gerente. Mas eu procurei duas vezes o diretor-adjunto e respeitei a ordem hierárquica, com a firmeza de que nada seria negociado.
E toda essa mobilização a seu favor?
A minha saída é pouco importante, o que fica de maior é mostrar que a saúde pode ficar fragilizada. E essa foi a leitura de todo o movimento social. A nossa gestão era compartilhada, não era um burocrata de governo. A gente interagia com universidades, com várias áreas da Fiocruz, com os movimentos sociais.
Qual será sua atuação agora na Fiocruz?
Voltarei para o Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (CESTEH) na ENSP e sei que tem um grupo muito forte e articulado dentro da Fiocruz de combate ao agrotóxicos. Vamos unir forças.