Confrontos científicos põem em risco defesa da Saúde Coletiva no caso Rio Verde

 

Realizada em 13 de agosto, a audiência pública da Comissão de Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, em Brasília, mostrou mais uma vez como os interesses privados se valem da ciência quando lhes interessa e como tal associação pode ser danosa à Saúde Coletiva.

O objetivo da reunião foi debater a intoxicação de profissionais e estudantes da Escola Municipal São José do Pontal, localizada na zona rural do município de Rio Verde, no sudoeste goiano, com a pulverização de agrotóxicos através de aeronave agrícola da empresa Aerotex. O acidente, ocorrido no início de maio, desencadeou uma série de ações, tanto em defesa das coletividades atingidas e do meio ambiente como tentativas de isenções por parte do agronegócio.

Na figura do procurador da República Wilson Assis Rocha, o Ministério Público convidou a Abrasco para compor a visita técnica de avaliação das condições sanitárias e ambientais do local.  Em paralelo, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e Pela Vida e o grupo inter-GTs de Diálogos e Convergências para Agrotóxicos da Abrasco instigou o Gwata – Núcleo de agroecologia e educação do campo, ligado à Universidade do Estado do Goiás (UEG), a conferir in loco a real situação. O resultado pode ser conferido no documentário PONTAL DO BURITI – brincando na chuva de veneno. 

“Ao sermos informados do incidente, fomos até o assentamento para coletar informações para a Campanha e resolvemos ampliar nosso trabalho com a produção do documentário”, conta Murilo Souza, professor no campus Goiás do curso de geografia da referida universidade e integrante do Gwata e colaborador do Dossiê Abrasco sobre os impactos dos Agrotóxicos na Saúde no Brasil. Souza e o cineasta Dagmar Talga fizeram entrevistas com atingidos e familiares e acompanharam atos e manifestações públicas que denunciaram a morosidade frente ao incidente.

“Chamou atenção a falta de preparo das equipes de saúde para lidar com esse tipo de intoxicação. Os atingidos foram levados ao hospital mais próximo e foram liberados duas horas depois, sendo necessária a intervenção da polícia para garantir o período mínimo de observação de 48 horas. Além disso, foi ministrado soro fisiológico, um procedimento que descobri ser incorreto para esses casos”, diz Souza.

A dupla retornou a Rio Verde para acompanhar a visita técnica e recolheu depoimentos dos cientistas indicados pela Abrasco: os professores Wanderlei Pignati, Lia Giraldo e a pesquisadora Karen Friedrich.

A visita técnica permitiu ao MPF-GO a citação da Aerotex em um Termo de Recomendação, que instruiu a empresa a arcar com desintoxicação sanitária e ambiental da escola e de outras nove unidades escolares da região, bem como prestar assistência complementar aos atingidos em caso de ausência de recursos do sistema único de saúde na localidade.

Contra-ataque científico e interessado 

Após a visita técnica, uma série de cientistas comprometidos com o agronegócio passaram a acompanhar o caso e divulgar inverdades. Soube-se da ida de um conhecido pesquisador da Unicamp, que tentou desqualificar os males alegados pelos atingidos com associações simplistas, como obesidade e idade. Outro reconhecido cientista por sua postura de defesa do uso do agrotóxico também foi chamado pela Aerotex, a mesma empresa que alegou, inicialmente, “conflito de interesse” quando foi obrigada a arcar os custos da visita técnica solicitada pelo MPF-GO.

“Muito cientistas aproveitam o baixo investimento nacional em pesquisas sobre agrotóxicos e saúde para expor argumentos que defendem interesses privados” diz o professor Fernando Carneiro (Agência UnB)

O round científico ocorreu também na audiência pública, que contou com a presença da pesquisadora Karen Friedrich. “Apesar de um médico-professor da Unifesp ter afirmado que não se debruçou sobre os agrotóxicos em questão, ele fez questão de desqualificar o estudo técnico por mim realizado e validado pelos demais pares que estiveram em Rio Verde”. A próxima audiência será em 29 de agosto. 

Para Karen, tais falas são declarações agressivas de cientistas que se valem de seus anos de formação, mas não possuem isenção científica, utilizando em suas justificativas pesquisas bancadas pelas indústrias.” A cientista ressalta também a questão ética. “Como desqualificar servidores públicos no exercício de suas atividades? Como tais, temos compromisso com a prevenção de agravos, proteção e promoção da saúde e da sociedade, sem nenhum vínculo com interesses privados”.

Fernando Carneiro, professor da Universidade de Brasília (UnB), membro do grupo Inter-GTs Diálogos e Convergências da Abrasco, coordenador do GT de Saúde e Ambiente e um dos autores do Dossiê Abrasco acredita que só só o fortalecimento do pensamento científico na perspectiva da ecologia de saberes pode  enfrentar essas estratégias, fruto da aliança de grupos acadêmicos com interesses do mercado. “Chegam a desqualificar o trabalho com o argumento de que as crianças estavam estressadas. Por isso, a Abrasco está apoiando um projeto de pesquisa para a criação de indicadores de modelos de vigilância para orientação dos setores de saúde em casos pulverização aérea, produzindo assim conhecimento de forma crítica e em diálogo com outros saberes.”

PONTAL DO BURITI – brincando na chuva de veneno

Direção e Roteiro: Dagmar Talga
Produção executiva: Murilo Mendonça Oliveira de Souza

 

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