Seis meses depois da pulverização, crianças de Rio Verde ainda afetadas por agrotóxicos

por Priscila D. Carvalho, do Observatório de Saúde do Campo e da Floresta

“Uso de Agrotóxicos na Alimentação e a vulnerabilidade das populações rurais” foi o tema da audiência pública organizada pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal na quinta-feira, 19 de setembro. O mote do encontro foi a contaminação de estudantes e professores atingidos por pulverização aérea de agrotóxicos em Rio Verde, Goiás, em maio de 2013.

Mais de seis meses depois, a população ainda enfrenta consequências na saúde das crianças, vivencia dificuldades no tratamento e sofre com a falta de respostas efetivas do poder público. A audiência mostrou, no entanto, que essa não é uma situação inédita, que a estrutura de fiscalização no Brasil é deficiente e que é necessário e avançar na regulação do uso de agrotóxicos para a produção de alimentos no Brasil.

Rio Verde: falta atendimento adequado e acesso à informação

A mãe de uma das crianças esteve na reunião e pediu ajuda para superar as deficiências de atendimento enfrentadas em Rio Verde. “Meu filho está sendo tratado por clínico geral, pediatra, mas ainda não conseguiu consulta com toxologista, não tem laudo, não tem exames, medicação. Tem várias crianças passando mal”, disse Anísia Andrade dos Santos.

O depoimento foi reforçado pelo diretor da escola onde ocorreu a pulverização. “Os alunos dizem que continuam com dor de cabeça e dor de barriga. Houve pais que perderam seus serviços porque tiveram que ficar períodos na cidade para cuidar das crianças, ou precisaram ir e vir muitas vezes. Estamos à deriva do veneno”, denunciou o professor Hugo Alves dos Santos, em fala incisiva. Ele relatou ter sido coagido a não insistir no assunto por mais de uma instância do poder público local. Após ouvi-lo, o procurador da República em Rio Verde, Wilson Rocha Assis, afirmou que levará a frente a investigação de tais denúncias.

A pulverização teve impactos no cotidiano das famílias e também no acesso das crianças à educação. Segundo Santos, a escola, que estava avaliada entre as cinco melhores do município, passou para o 37º lugar no último semestre, como conseqüência dos problemas de saúde e do mal estar criado entre a comunidade escolar. “A secretaria de educação nunca levou alguém especializado para cuidar das crianças”, reclama.

“A Comissão do Senado precisa ajudar a responder o que o Estado tem feito em relação a esse tio de problema”, questionou Cleber Folgado, coordenador da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e pela Vida. Ele defendeu que a pulverização aérea em Rio Verde foi intencional e não deve ser considerada um acidente.

O deputado estadual Karlos Cabral (PT-GO), o representante do Movimento dos Pequenos Agricultores, Marciano Toledo da Silva, e o procurador Federal Wilson Assis ressaltaram o problema de acesso à informação no caso de Rio Verde. O Ministério Público relatou estar tendo dificuldade de acesso às informações nesse caso. Segundo o deputado Cabral, prontuários médicos chegaram a ser omitidos. Para Marciano da Silva, a situação reflete incapacidade e opões políticas que privilegiam a monocultura exportadora à saúde da população.

A senadora Ana Rita, que promoveu a audiência, determinou que a Comissão de Direitos Humanos do Senado vai apoiar o trabalho de investigação do procurador Wilson Assis e enviar pedido de informações ao Ministério da Saúde, à Agência Nacional de Aviação Civil, ao Ministério da Agricultura e à Secretaria de Agricultura de Goiás sobre a ausência de fiscalização, questionando quais providências foram e serão tomadas para sanar o problema. Ela também sugeriu aos movimentos sociais que cobrem dos senadores o andamento dos PLs que estão na Casa e tratam da regulamentação do uso de agrotóxicos no país.

O representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), Jaime César de Moura Oliveira, comprometeu-se a cobrar autoridades locais sobre o atendimento às recomendações já feitas pelo órgão para os serviços de assistência médica e monitoramento. “Não havendo respostas, vamos atuar de forma subsidiária”. Ele destacou, no entanto, que a presença da autoridade federal não deveria ser necessária e os problemas de Rio Verde refletem questões estruturais do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária que precisarão ser enfrentados a médio e longo prazo. 

Problema nacional

Oliveira relatou que a área responsável pelo tema na ANVISA está sendo reestruturada, mas é pequena para as necessidades de regulação e fiscalização no país. Apontou problemas na legislação, que não é explícita sobre o que é possível fazer para coibir o uso dos agrotóxicos de forma ilegal. A agência tem, por exemplo, amostras de agrotóxicos aplicados em culturas erradas, mas enfrentas diversos desafios, entre eles o de rastrear a origem dos produtos. “Esforço em termos de legislação e estrutura no Sistema Nacional de Vigilância Sanitária é fundamental para que ações possam migrar da orientação para a punição e fiscalização”, defendeu.

Repensar o papel da ANVISA foi uma das propostas apresentadas na audiência por Cleber Folgado, coordenador da Campanha Nacional Contra os Agrotóxicos e pela Vida. Ele também citou o fim das isenções e benefícios fiscais para as empresas que produzem agrotóxicos, o banimento dos ingredientes em reavaliação desde 2008 e a proibição de pulverização aérea, por ser pouco efetiva e altamente poluente. Segundo Folgado, 70% do agrotóxico lançado vai para água, solo e animais. “Isso é irresponsabilidade, estamos impulsionando a contaminação”, afirmou.

Fernando Carneiro, representante da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, relatou pesquisas que encontraram agrotóxicos em leite materno, água da chuva, urina de professores rurais e má formação em seres como minhocas e sapos, que são indicadores biológicos de transformações no ambiente. Ele refutou a ideia de que a pulverização aérea é método seguro. “A recomendação da Abrasco é que o Congresso Nacional proíba a pulverização de agrotóxicos”, defendeu.

O procurador da República em Rio Verde evocou o princípio da precaução, presente no Direito Ambiental, sugerindo alterações para a legislação brasileira. “Se há indícios que determinados agrotóxicos fazem mal à saúde, por que não suspender desde já enquanto ANVISA caminha com avaliação e, se for o caso, retomar no futuro quando processo de revisão estiver terminado?”, questionou Wilson Rocha Assis. Segundo ele, o registro dessas substâncias é definitivo e monitoramento é recente. Assis sugere novo modelo em que haja revisão automática e periódica dos agrotóxicos registrados no Brasil, prática que já vem sendo adotada em outros países.

Davi versus Golias

O bispo Dom Tomás Balduíno, do conselho da Comissão Pastoral da Terra, comparou a luta contra os agrotóxicos com os embates entre Davi e Golias. “Este não é um caso isolado. Estamos sufocados pela situação que se criou, pela ideia de que o agrotóxico é indispensável ao progresso, pela mídia do agrotóxico ligada ao agro-hidro-negócio”, defendeu. D. Tomás entregou à senadora Ana Rita uma nota assinada por 15 organizações do campo e um mandato parlamentar pedindo providências para a situação de Rio Verde e para a regulamentação do uso de agrotóxicos no Brasil.

 

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