da Associação Brasileira de Agroecologia
O Brasil é há anos o campeão mundial no consumo de agrotóxicos. É nesse cenário que os movimentos sociais ligados à agricultura familiar camponesa vêm lutando em defesa de um modelo mais justo e saudável. Criada em 2011, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida, composta por mais de 50 entidades e diversos segmentos da sociedade civil, tem lutado por transformações nessa conjuntura. Reduzir os impactos dessa substância na saúde da população brasileira é um dos seus objetivos.
Nesse mês haverá uma reunião nacional para rearticulação do movimento e a construção de novas estratégicas. Para entender em que pé estão as atividades da organização, a ABA conversou com Alan Tygel, da direção nacional, sobre os temas de atuação da Campanha. Doutorando em informática na UFRJ, o militante destacou a importância de conscientizar a população sobre os efeitos dos agrotóxicos na população brasileira e mundial. Na página da organização é possível ver mais informações nesse sentido.
Tygel acredita que hoje existe uma base muito mais sólida em relação à teoria e prática sobre os efeitos dos agrotóxicos e a viabilidade da produção de alimentos sem eles, o que pode gerar no campo da ciência ao longo prazo importantes avanços no diálogo com a sociedade. Ele também fala da viabilidade da agroecologia em larga escala, comenta o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) e apresenta os representantes da bancada ruralista nas próximas eleições. Segundo ele, “não é possível a convivência da agroecologia com agrotóxicos e transgênicos”.
O Brasil há anos é o campeão no consumo de agrotóxicos mundial. Há alguma perspectiva de mudança desse cenário?
Infelizmente, a perspectiva atual dos movimentos sociais que lutam contra os agrotóxicos é de resistência, mais do que de avanços. Nestes três anos de Campanha, muitas conquistas foram mais no sentido de impedir o incentivo ao maior uso de venenos, do que propriamente na sua redução. Olhando de forma geral, o uso de agrotóxicos só vem crescendo, e nada indica que venhamos a conseguir frear esta tendência nos próximos períodos.
Ainda assim, estamos construindo uma sólida base teórica e prática, que permitirá em algum momento invertemos o jogo. No campo da ciência, hoje temos muito mais segurança para comprovar os efeitos dos agrotóxicos na saúde, sobretudo a partir dos Dossiês elaborados em conjunto com a Abrasco. Além disso, forte time de cientistas, inclusive da ABA, vêm acompanhando as ações da Campanha.
No campo da prática, saímos com os ânimos reforçados após o III ENA, com muita segurança para dizer à população que é possível produzir de forma agroecológica e alimentar o Brasil e o mundo, baseado em um modelo antagônico ao do agronegócio. Os movimentos sociais de norte a sul não deixam dúvidas de que a agroecologia é tecnicamente viável, e só depende de vontade política para se tornar uma realidade em larga escala.
O PRONARA será lançado, via Política Nacional de Agroecologia, nos próximos meses. Qual a posição da Campanha em relação à iniciativa?
A Campanha participou desde o início da construção do Pronara. Ainda que não concordemos com o conceito de “Redução do Uso de Agrotóxicos”, entendemos que esse é o limite que podemos chegar na conjuntura. Se o programa for aprovado da forma como passou na CNAPO, será uma grande vitória. Mesmo assim, nosso horizonte é o da erradicação do uso de agrotóxicos como via de mobilização para profundas transformações sociais no modelo de produção.
O documento trata de diversos aspectos, como por exemplo o registro de agrotóxicos, no sentido de banir os venenos mais perigosos, e melhorar o registro dos fitossanitários orgânicos. Além disso, falamos do controle e monitoramento, que hoje é muito falho, e propomos medidas econômicas para incentivar a produção agroecológica. Hoje, vivemos num país em que os agrotóxicos têm isenção fiscal, e isso é inadmissível.
O ponto mais ousado, na minha opinião, é a criação das zonas livres de agrotóxicos e transgênicos. Um dos grandes recados dos mais de 2000 camponeses reunidos no III ENA foi de que não é possível a convivência da agroecologia com agrotóxicos e transgênicos. É e esse caminho que queremos trilhar a partir do Pronara.
Haverá uma reunião nacional da Campanha em setembro, já existem apontamentos para os próximos passos do movimento?
O objetivo principal é rearticular a Campanha nacionalmente. Sabemos que o tema dos agrotóxicos agrega muitas ações de muitas organizações diferentes, e temos nisso a força deste movimento. Mas, ao mesmo tempo, o desafio de articulação é imenso, sobretudo considerando a pequena estrutura de que dispomos.
É fundamental avançar ainda mais na conscientização da população sobre os perigos dos agrotóxicos e na afirmação da viabilidade da produção agroecológica. É algo que dentro do nosso círculo parece óbvio, mas que ainda está distante do conjunto da sociedade. Por isso, nossa grande meta é fortalecer a organização da Campanha para fazer com que este debate chegue ao maior número de pessoas possível. A única forma de realizar as transformações que queremos é a partir de uma sociedade mobilizada.
Como o tema dos agrotóxicos está sendo avaliado no atual cenário eleitoral em termos de candidatos?
Mais uma vez, fica muito claro como o debate da reforma agrária passa longe dos temas considerados prioritários pelos candidatos. Falar dos sistemas alimentares, de segurança alimentar ou soberania, passa longe. A única coisa que se comenta é o peso do agronegócio no PIB, e como os candidatos farão para agradar esse setor. Até quem supostamente tinha críticas ao agronegócio passou a defendê-lo.
Entre as várias distorções de representação que temos no nosso parlamento, uma das mais graves é em relação ao agronegócio e agricultura familiar. As cerca de 12 milhões de pessoas que vivem e produzem nossos alimentos em pequenas propriedades são representadas por cerca de 12 parlamentares, enquanto outros 214 deputados e 14 senadores compõem a bancada ruralista. Essa bancada trabalha sistematicamente para aprovar leis que permitam o uso de mais agrotóxicos, mais transgênicos, menos terra para camponeses, indígenas e quilombolas, e menos poder para quem defende a saúde (Anvisa) e do meio ambiente (Ibama).
As empresas do agronegócio doaram em 2010 mais de R$134 milhões para 577 candidatos (Fonte: Donos do Congresso). Destes, 311 foram eleitos e estão agora terminando de pagar sua contrapartida para poderem receber mais dinheiro e se reelegerem neste ano.
Algumas iniciativas recentes são bem interessantes no sentido de barrar a bancada ruralista, como por exemplo a campanha “Não Vote em Ruralista” e o República dos Ruralistas . Quem quiser saber se seu candidato é ruralista, veja a lista aqui.
Quais a principais bandeiras da Campanha:
Seguimos defendendo o fim imediato da pulverização aérea, atividade criminosa que contamina sistematicamente que mora ou trabalho perto das plantação. O caso de Rio Verde, em Goiás, onde mais 100 pessoas foram intoxicadas após um avião despejar agrotóxicos em cima de uma escola não foi um acidente. Isso acontece todo dia em muitos lugares. E nosso sistema de vigilância e atenção à saúde não está preparado para lidar com isso. As crianças de Rio Verde estão sofrendo as consequências até hoje.
Outro descalabro que temos hoje é a isenção de impostos para agrotóxicos. Eles nos envenenam, e nós pagamos por isso. Além disso, temos trabalhado pela proibição dos agrotóxicos já proibidos em outros países. Muito deles estão prontos para serem proibidos, mas a Anvisa não consegue finalizar o processo.
A questão dos transgênicos é outro ponto fundamental de luta. Se aprovarem o milho e soja resistentes ao 2,4-D, teremos uma catástrofe humanitária. O uso deste herbicida, que faz parte da composição do agente laranja usado no Vietnã, já aumentou 160% de 2009 a 2012 por conta das plantas resistentes ao glifosato. Quando vierem os transgênicos, esse número vai explodir, e as consequências serão perversas.
Nossa luta é contra o agrotóxico e todas as injustiça decorrentes do modelo de produção de alimentos que o promove. Nossa luta é pela agroecologia, pela reforma agrária e garantia dos territórios das comunidades tradicionais, para que o Brasil cumpra sua tarefa sim de produzir alimentos, que sejam saudáveis e que garantam a construção de uma sociedade justa. Enfim, é pela vida.