Por Viviane Tavares
Da Fiocruz
O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Embora trágico, isso já não é mais novidade. No entanto, recentes pesquisas latino-americanas mostram que, além da intoxicação via alimentos, os trabalhadores também tem sofrido com esse impacto. E essa realidade está longe de ser mudada. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), na safra 2010/2011, o consumo foi de 936 mil toneladas de agrotóxicos, movimentando US$ 8,5 bilhões entre dez empresas que controlam 75% desse mercado no país.
No artigo “Uso de agrotóxicos no Brasil e problemas para a saúde pública”, publicado na última edição dos Cadernos de Saúde Pública, as autoras Raquel Maria Rigotto, Dayse Paixão e Vasconcelos e Mayara Melo Rochaafirmam que entre 2007 e 2011, de acordo com os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), houve um crescimento de 67,4% novos casos de acidentes de trabalho não fatais devido aos agrotóxicos. No mesmo período, as intoxicações aumentaram 126,8%. Entre as mulheres, o crescimento foi ainda maior, 178%.
Para as pesquisadoras, os agrotóxicos constituem hoje um importante problema de saúde pública, “tendo em vista a amplitude da população exposta nas fábricas de agrotóxicos e em seu entorno, na agricultura, no combate às endemias e outros setores, nas proximidades de áreas agrícolas, além de todos nós, consumidores dos alimentos contaminados”, explicam no artigo.
Agrotóxicos no trabalho
O pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Pedro Henrique de Abreu, em sua pesquisa “O agricultor familiar e o uso inseguro de agrotóxicos no município de Lavras, em Minas Gerais”, afirma que “não existe viabilidade de cumprimento das inúmeras e complexas medidas de uso seguro de agrotóxicos no contexto socioeconômico destes trabalhadores rurais.” Pedro visitou 81 unidades de produção familiar em 19 comunidades no município de Lavras (MG). Ele usou como referência os manuais de segurança da indústria química e do Estado e tentou verificar a viabilidade do cumprimento dessas normas na agricultura familiar.
Em sua pesquisa, Pedro utilizou manuais de segurança elaborados pela associação das indústrias químicas no Brasil e por instituições públicas de saúde, agricultura e trabalho. “Os resultados apontaram que a aquisição deagrotóxicos é feita sem perícia técnica para indicar a real necessidade de utilização desses produtos, que a receita agronômica é predominantemente fornecida por funcionários dos estabelecimentos comerciais e que os agricultores não recebem informações e instruções adequadas sobre medidas de segurança no momento da compra”, explica a pesquisa.
Além disso, segundo o texto, o transporte de agrotóxicos é realizado nos veículos disponíveis, como caminhonetes e caminhões, que são não adaptados aos requerimentos de segurança. A questão do armazenamento também é crítica, pois os agricultores utilizam as construções que dispõem para o estoque dos agrotóxicos, independente das condições estruturais e da proximidade das mesmas com residências ou fontes de água. Além disso, o tamanho das propriedades, em grande parcela próxima das residências dos agricultores, impossibilita que o preparo e a aplicação sejam realizados a uma distância que impeça que os agrotóxicos atinjam residências.
A falta de informação e de assistência técnica no que diz respeito aos EPIs e outras medidas de segurança necessárias, como o descarte nessas atividades também carecem de atenção.
“As dificuldades criadas pelos estabelecimentos comerciais, assim como os custos envolvidos na atividade são os principais motivos para a não devolução das embalagens vazias; e que, por carência de informação, a lavagem das vestimentas e EPIs contaminados por agrotóxicos é entendida como atividade doméstica comum, sendo, portanto, realizada sem a observação de medidas de segurança”, explica o estudo, que completa: “Conclui-se que a tecnologia agroquímica não pode ser utilizada sob os conceitos de controle de riscos na estrutura geral das unidades produtivas de agricultura familiar. Não existindo, desta forma, viabilidade de cumprimento das inúmeras e complexas medidas de uso seguro de agrotóxicos no contexto socioeconômico destes trabalhadores rurais”.
Consequências mais graves
Recentemente publicado em sites de movimentos contra o agrotóxicos, o Grupo de Genética e Mutagêneses Ambiental (GEMA), formado por pesquisadores da Universidade Nacional de Río Cuarto (UNRC), declarou depois de oito anos de pesquisa e quinze publicações científicas, entre elas a “La genotoxicidad del glifosato evaluada por el ensayo cometa y pruebas citogenéticas”, na revista científica Toxicologia Ambiental e Farmacologia, da Holanda, que os agrotóxicos causam alterações genéticas e aumentam as probabilidades de contrair câncer, sofrer abortos espontâneos e nascimentos com malformações.
Os estudos foram confirmados em pessoas e animais. Entre os venenos mais recorrentes estão o glifosato, endosulfam, atrazina, clorpirifos e cipermetrina. “Em diversas pesquisas confirmamos alterações genéticas em pessoas expostas a agrotóxicos. A alteração cromossômica que vimos, indica quem tem mais risco de sofrer de câncer, a médio e longo prazo. Assim como outras doenças cardiovasculares, malformações, abortos”, explicou Fernando Mañas, doutor em Ciências Biológicas e parte da equipe da UNRC, em entrevista para o Página/12, da Argentina.