A pulverização aérea de agrotóxicos causa polêmica: ao passo que os grandes latifundiários defendem essa forma de aplicação, movimentos sociais e organizações ambientais apontam para os riscos graves que ela causa nas pessoas e no meio ambiente. Em julho deste ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) publicou decisão no Diário Oficial restringindo a aplicação de mais de 50 agrotóxicos que continham os componentes midacloprido, clotianidina, fipronil e tiametoxam.
Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST
A decisão do Instituto, no entanto, foi revogada para a Safra 2012/2013 no dia 03 de outubro, sob a alegação de que os produtores precisavam de tempo para se adaptar à suspensão dos produtos. Segundo a Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja), ao questionarem a proibição de julho, se fosse mantido o veto total, os agricultores perderiam mais de R$ 5,92 bilhões.
Para o deputado Padre João (PT), “há um poder econômico perverso por trás de tudo isso. O interesse financeiro prevalece em relação ao interesse da saúde, a qualidade de vida do trabalhador e das comunidades rurais diretamente atingidas”.
Em entrevista à Página do MST, Padre João comenta a decisão do Ibama, os perigos da pulverização aérea e aponta alternativas ao modelo predatório de agricultura que temos hoje.
Confira a entrevista:
O que levou o Ibama a suspender a pulverização aérea em julho?
O método mais polêmico da aplicação de agrotóxicos é a pulverização aérea. A tese dos empresários, que defendem de fato a pulverização, é de que ela otimiza a aplicação e é mais segura, pois não expõe os trabalhadores a uma aplicação direta.
Essa é uma tese falsa, e o que levou o Ibama a ter uma postura de proibir foi a deriva (percentual de agrotóxicos que, após a pulverização não atinge a lavoura devido aos ventos, podendo contaminar rios, outras fazendas e até cidades). Há uma quantidade grande de processos na Justiça de produtores vizinhos de quem utiliza a pulverização aérea, nos quais relatam que as suas lavouras inteiras foram afetadas.
Cheguei a visitar propriedades no Noroeste e Goiás, de vizinhos que perderam toda sua coleta, pois houve a deriva de agrotóxicos pulverizados da soja, matando toda a produção e também os peixes das lagoas próximas.
Além do problema da deriva, que é muito sério, hoje eu levanto um problema maior. Há um estudo na Universidade Federal do Mato Grosso, do qual o professor Vanderlei Pignatti faz parte, que prova a evaporação do veneno após a pulverização. Com esse estudo, temos ainda mais motivos para impedir a pulverização aérea.
O que esse estudo diz em relação a evaporação de agrotóxicos?
Ele prova que a chuva é contaminada por veneno. Se pensarmos na questão das cisternas no semiárido, que colhem as águas da chuvas, temos um problema grave. No norte de Minas, por exemplo, há a pulverização dos bananais, na qual o avião voa bem alto devido a altura das bananeiras, sendo que a regulamentação diz que a pulverização igualmente alta.
A deriva nesses casos é grande, e as placas vão coletar água da chuva com veneno, devido à evaporação. Vemos que o que seria a salvação das pessoas será a morte delas. Um programa interessante que começou por demandas dos movimentos sociais e que o governo abraçou, agora corre esse risco sério.
A evaporação dos venenos também ocorre com aplicação normal de agrotóxicos, ou apenas na pulverização aérea?
Todo tipo de aplicação tem evaporação. A aplicação rasteira, por ser mais baixa, tem um percentual de evaporação mais baixo. Quando é mais alto, o percentual é maior. E no caso dos aviões, há inclusive uma evaporação imediata, além da deriva. A chuva contaminada evapora também, o que forma um ciclo, porque parte da chuva infiltra o solo, atingindo rios, e outra parte evapora novamente. É uma situação perversa e crítica.
Que fatores levaram a revogação da proibição pelo Ibama?
Eu vejo que há um poder econômico perverso por trás de tudo isso. O interesse financeiro prevalece em relação ao interesse da saúde, a qualidade de vida do trabalhador e das comunidades rurais diretamente atingidas.
Há deputados que fazem o lobby dos agrotóxicos abertamente. É lamentável a postura de deputados que se colocam na defesa da saúde, mas que nos bastidores operam, até de forma escusa, além do lobby, para garantir a permanência de produtos no mercado quando há pedidos públicos para que eles sejam retirados e se façam novas análises.
Por que a legislação sobre pulverização aérea é tão vaga?
É justamente por esse lobby. Temos que avançar na proibição total da pulverização aérea. Há projetos de leis meu colocando restrições, mas está longe do ideal, que é proibir. Tanto pela deriva quanto pelo problema da evaporação.
Dados da Embrapa indicam que apenas 32% dos agrotóxicos pulverizados atingem as plantas, e o resto se perde na deriva. Há realmente benefícios econômicos para o agricultor que se utiliza da pulverização aérea?
Eu não tenho dúvidas de que o custo da produção dos alimentos aumenta devido à pulverização. O modelo de agricultura que adotamos é tão perverso que ficamos refém da pulverização, mas os produtores reforçam a lógica de que ela é necessária.
Se investirmos em formas de recuperação da vitalidade do solo, em três ou quatro anos teríamos um custo de produção bem inferior do que o tradicional, por meio da produção agroecológica e orgânica. O custo financeiro que vemos hoje é alto, assim como o custo para a saúde das pessoas. E o pior é que este modelo é o que recebe mais incentivos. Para mim está claro que ele não vale a pena, mas o lobby das multinacionais é muito grande .
E o que teria que ser feito?
Temos que libertar o agricultor do domínio das transnacionais, garantindo bancos de sementes, autonomia e assistência técnica, com subsídios para avançar na produção. É preciso ter um investimento maior para recuperar a vitalidade do solo. Há mais de 3 bilhões de microorganismos mortos onde se usou agrotóxicos.
O solo perde sua riqueza onde se usa veneno. Mas essas políticas exigem investimentos, e esse investimento diminuiria o custo da produção. É fácil dizer que o produto agroecológico é caro quando não se investe nele; no entanto, ele não tem um custo de produção alto quando há políticas e assistências adequadas. A produção por hectare pode ser bem maior e obter um menor custo.
Como ocorre o processo de fiscalização das pulverizações?
Ele não existe. Os aeroportos nas fazendas que são legalizados simplesmente emitem um boletim muito precário em relação à velocidade do vento, com dados sobre a umidade relativa do ar, a temperatura e o horário da pulverização.
Todos esses fatores podem amenizar o percentual da deriva em relação ao vento, mas isso é emitido por quem pulveriza; não há fiscalizações surpresas para averiguar se o que está no boletim é verdade. Eles montam um relatório que não pode ser fiscalizado. Sem contar as aeronaves clandestinas, que pulverizam à revelia, com pilotos que não tem preparo.
Uma das principais bandeiras da campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida é o fim da pulverização. A pressão da campanha e da sociedade civil causou algum impacto nessa questão?
A campanha tem criado uma consciência coletiva no campo e na cidade. Eu não tenho dúvida de que ela está pautando esse debate. Se olharmos as agendas do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), o agrotóxico se tornou pauta na agenda. Está se criando um ambiente mais favorável no governo para termos leis mais austeras contra os agrotóxicos. Embora eu acredite que temos de atingir mais a população urbana, que deve ter condições de obter alimentos saudáveis e livres de venenos a custos mais baixos.
O fim da pulverização seria um começo para banir os agrotóxicos no Brasil?
Para mim seria uma conquista do povo, pois acabaríamos com o método de aplicação mais perverso que existe, que contamina água, nascentes, vias; há inclusive um testemunho de um diretor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), dizendo que seu veículo recebeu uma duchada de veneno de uma aeronave em Tocantins. Eles não respeitam os limites colocados na legislação. Não tenho dúvida que seria um grande começo para se proibir o uso de agrotóxicos no Brasil.
O Brasil é campeão no uso de agrotóxicos, e a quantidade de veneno utilizada só aumenta. Como reverter esse quadro?
Além da participação popular, o movimento social tem o papel importante de organizar mais para o crescimento da produção agroecológica como direito do consumidor, e é dever do Estado garantir que esse alimento seja produzido. Outro ponto é a consciência do governo. A Política Nacional de Agroecologia já é uma conquista dos movimentos e da sociedade para garantir a vitalidade do solo.
A luta agora é viabilizar a produção agroecológica por meio da agricultura familiar, porque percebemos que os grandes empresários já começam a entrar neste ramo. Não podemos deixar essa luta histórica cair no colo dos poderosos. A maneira de superar de fato os agrotóxicos é avançar na política agroecológica orgânica.