Por Cleber Folgado *
Dois dias após a data comemorada como dia mundial da saúde, o governo brasileiro publicou no Diário Oficial da União a liberação do uso de um agrotóxico proibido no país. Trata-se de um veneno que tem em sua composição o benzoato de amamectina, substância que causa problemas no sistema neurológico.
Segundo a Lei de Agrotóxicos (7.802/89), regulamentada pelo Decreto 4074/02, para a liberação do uso de um agrotóxico no país, é necessário que tal produto seja primeiro registrado. Para se obter o registro, é necessário o parecer positivo dos três órgãos responsáveis: Ibama, ligado ao Ministério do Meio Ambiente; ANVISA, ligada ao Ministério da Saúde; e Ministério da Agricultura (MAPA), cada um segundo a sua área de competência.
Desde 2007, a ANVISA deu parecer negativo à liberação do benzoato de amamectiva em função dos sérios problemas causados pela substância no sistema neurológico. Mesmo assim, o MAPA decidiu sozinho por liberar através de uma Instrução Normativa o uso do benzoato de amamectina com o argumento de ser algo emergencial para eliminar a ação de uma lagarta (helicoverpa) que ataca as lavouras de soja e algodão no sul da Bahia.
É desprezível a atitude do MAPA e pior ainda a omissão do centro do governo frente a liberação de um veneno que comprovadamente causa danos a saúde humana, pelo simples fato de atender com os interesses do agronegócio. Nos perguntamos, com que o Estado deve se preocupar mais: com as pessoas que estarão sujeitas a intoxicações que podem causar doenças agudas e crônicas que as afetarão por toda a vida, ou com os números de lucro dos latifundiários do agronegócio?
Como se não bastasse, vemos ainda os acontecimentos na ANVISA no ano passado, onde irregularidades na liberação de agrotóxicos foram denunciadas pelo Gerente Geral de Tóxicologia, Luís Cláudio Meireles (o que custou a sua exoneração) e até agora nenhuma providência contundente foi adotada.
No ano passado o registro do agrotóxico acetamiprid CCAB 200 SP, da empresa CCAB, foi liberado pela ANVISA após pressão da AGU, que fez uma interpretação equivocada e tendenciosa da Lei de Agrotóxicos, ao indicar a liberação do produto (acetamiprid) quando este é mais danoso à saúde do que outros produtos já existentes no mercado com o mesmo fim e princípio ativo. Segundo a Lei de Agrotóxicos, produtos de referência nestas condições não podem ser liberados.
De que vale a Lei de Agrotóxicos? A serviço de quem estão os órgãos responsáveis pela liberação dos venenos que afetam a saúde da população?
Podemos afirmar sem nenhuma dúvida de que a Lei de Agrotóxicos tem sido atropelada pelos órgãos responsáveis pela liberação destes produtos, e que eles têm demonstrado claramente que não estão a serviço do conjunto da população brasileira. Não é por menos que vamos para o sexto ano consecutivo como o país que mais consome agrotóxicos no mundo. É sempre bom lembrar que isso não tem nenhuma relação com a produtividade, haja visto que entre os anos de 2001 e 2010 tivemos o crescimento de 51% na produtividade, porém no mesmo período o uso de agrotóxicos cresceu 215%, ou seja, mais de 4 vezes. Desde 2008 então ocupamos o primeiro lugar no ranking de consumo de venenos.
No dia mundial da saúde (7 de abril), a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida completou dois anos de atuação. Nesse período mais de 60 organizações nacionais se juntaram e construíram comitês em 22 estados. Para comemorar a data, previa-se a entrega de um abaixo-assinado que pede o banimento de vários ingredientes ativos que são liberados no Brasil e proibidos em outros países do mundo em função das comprovações dos problemas gerados por eles a saúde humana. Em alguns casos, as empresas oriundas destes países onde tais agrotóxicos são proibidos estão aqui produzindo e comercializando tais venenos. Tal irresponsabilidade só tem gerado problemas para a saúde da população. O governo, entretanto, não se mostrou disponível para receber as assinaturas.
No Brasil as intoxicações por agrotóxicos já ocupam o segundo lugar entre as intoxicações exógenas. No período de 2006 a 2010, cerca de 73% dos casos de intoxicação por agrotóxicos envolveu o grupo dos inseticidas organofosforados, piretróides e carbamatos.
Dentre os problemas de saúde causados, o que mais chama atenção é o câncer. Segundo o Instituto Nacional do Câncer – INCA, teremos cerca de 1 milhão de novos casos e câncer entre os anos de 2012 e 2013 e deste total 40% irão a óbito. Ou seja, 400 mil pessoas vão morrer, e muitos desses cânceres estão diretamente relacionados à contaminação por agrotóxicos. Exemplo disso são as regiões com alto uso de agrotóxicos que apresentam a incidência de câncer bem acima da média nacional e mundial. Em Unaí – MG, por exemplo ocorrem cerca de 1.260 casos ao ano para cada 100 mil pessoas (a média mundial não ultrapassa 400 casos a cada 100 mil pessoas por ano).
Varias foram às tentativas de sermos atendidos pelo governo, mas infelizmente não obtivemos respostas. Isso deixa claro, a covardia do governo em discutir com a sociedade os problemas gerados pelo agronegócio que por sua vez é quem mais usa venenos no país e pressiona pela sua liberação e uso desenfreado.
Não existem dúvidas de que se não construirmos um Plano Nacional de Enfrentamento ao Uso de Agrotóxicos, toda a população sofrerá com as consequências, pois tais substâncias têm a cada dia gerado problemas de contaminação dos alimentos, da água, dos animais e principalmente das pessoas, seja através do contato direto ou do contato indireto através do consumo de alimentos contaminados.
Infelizmente a saúde da população brasileira está em risco, devido à cumplicidade do governo com os interesses do agronegócio. O governo devia cumprir com a sua tarefa dada pelo povo através do voto, que é de zelar pelo bem do conjunto da população e não pelos interesses econômicos de alguns poucos.
* Da coordenação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, e militante do Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA/Via Campesina.