Por Michele de Mello
Do Brasil de Fato
Nas últimas semanas uma série de notícias mostraram os efeitos das mudanças climáticas no mundo. Enquanto no Brasil cidadãos da região Sul viram nevar, em países do Hemisfério Norte, como Canadá e Inglaterra, centenas de pessoas morreram pelas ondas de calor, que ocasionaram temperaturas de até 49ºC.
Da mesma forma, na Alemanha, China e Turquia, enchentes geraram destruição e quase 500 vítimas, enquanto a Argentina sofre a maior seca dos últimos 77 anos no rio Paraná, que também afeta os biomas do sudeste brasileiro.
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Esses fenômenos são reflexos do “colapso climático mundial”, como caracteriza Antonio Malo Larrea, doutor em tecnologia e gestão ambiental. De acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU (IPCC –siglas em inglês), o planeta esquentou, em média 1ºC, nos últimos 200 anos, no entanto, algumas regiões, como os Andes, o Ártico e o Himalaia, as temperaturas médias subiram até 6ºC.
O principal fator é a emissão de gases poluentes, como o dióxido de carbono (CO2), que geram o efeito estufa: ajudam a manter o calor na atmosfera, aumentando a temperatura em todo o planeta e alterando correntes marítimas e de ar, o que afeta as chuvas e o próprio desenvolvimento da vida animal e humana em todo o globo.
“Queimamos combustíveis fósseis para gerar energia para a indústria. E a indústria, dentro da globalização neoliberal, não produz para satisfazer as necessidades humanas, produz para reproduzir capital, para ganhar dinheiro”, analisa Antonio Malo Larrea.
Contra o ecologismo que foca a superação dos problemas no individuo, com ações diárias, o ecologista defende o conceito de “capitaloceno”, que considera o sistema capitalista como o centro da atual crise climática global.
“A mudança do clima tem uma dimensão de classe, étnica e de gênero. Para dar uma dimensão de justiça social à mudança climática, a pergunta séria: é justo seguir emitindo gases do efeito estufa e utilizando a energia limitada do planeta para que umas poucas famílias continuem enriquecendo enquanto as grandes maiorias estão empobrecendo?”, questiona.
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No ranking mundial, a China lidera as emissões de CO2, com 9,8 milhões de toneladas anualmente, seguida dos Estados Unidos, com 4,4 milhões de toneladas, e da União Europeia, com 3,5 milhões de toneladas, dados do levantamento anual sobre consumo de energia de 2020. Ainda que as emissões tenham diminuído 6,3% em relação a 2019, o valor ainda é alto.
No último relatório publicado, o IPCC lança uma “alerta vermelho” global, assegurando que se a comunidade internacional não adotar mudanças drásticas imediatamente, será difícil controlar o aquecimento global em até 2ºC no futuro.
Na China, 302 pessoas morreram por inundações após chuvas torrenciais na província de Henan / CGTN
Enquanto a China planeja diminuir a zero suas emissões de dióxido de carbono até 2060, os Estados Unidos discutem o “novo acordo verde” (Green New Deal), que promove a substituição de energia a base de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás, por fontes renováveis, além do uso de tecnologia para diminuir o consumo.
No entanto, essas novas medidas estão vinculadas a interesses econômicos.
“Cerca de 82% da extração mineira em todo o mundo é utilizada para construir as estruturas de energia renovável. Então essa transição para as energias renováveis implica uma pressão maior sobre os recursos minerais, como é o caso do lítio na Bolívia. A grande questão é que estamos usando energia e produzindo gases do efeito estufa para a reprodução do capital. Então enquanto não questionarmos isso, a única coisa que vamos ter é maquiagem verde. E o que podemos esperar da COP26? Justamente isso”, analisa Larrea.
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O Sul global é responsável por cerca de 8% das emissões de CO2 no mundo, mas é a parte mais afetada pelas mudanças.
“Os conflitos sócio-ecológicos são conflitos de luta de classes. As consequências não são iguais para todos. Não podemos pensar que um indígena na Amazônia sofrerá da mesma maneira que um bilionário em São Paulo”, defende o biólogo Antonio Malo.
Rio Paraná, na Argentina, sofre a maior seca dos últimos 77 anos, afetando o país vizinho e o sudeste brasileiro / Reprodução
Entre os países latino-americanos, somente o Brasil e o México fazem parte do ranking dos 15 países mais poluidores do mundo.
Faltando menos de três meses para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), o governo brasileiro recebeu o diretor da COP26, Alok Sharma para discutir sua participação no evento. O encontro aconteceu no dia 4 de agosto e o ministro do Meio Ambiente Joaquim Leite afirmou que o maior interesse do governo brasileiro é tornar-se um exportador de créditos de carbono.
Os mercados de carbono funcionam com uma lógica de compensação. À medida que as nações preservam suas florestas, plantam novas árvores ou cuidam da reflorestação de biomas, teriam direito a emitir mais CO2.
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No caso do Brasil, a Floresta Amazônica é chave para equilibrar os níveis de oxigênio e dióxido de carbono no mundo, porém, sob a gestão de Jair Bolsonaro, todos os meses se registra um novo recorde de queimadas na Amazônia. Além disso, houve um corte de 24% no orçamento para a pasta do Meio Ambiente somente em 2021.
Existem cerca de 30,7 milhões de refugiados pelo clima no mundo, segundo Acnur / Acnur
Para Larrea, ainda que o discurso dominante seja de um ecologismo voltado ao mercado, para superar a situação atual de crise, é necessário reverter o modelo econômico predominante no mundo.
“Novamente devemos discutir a democratização do acesso à energia. Quem vai controlar essa energia verde? Terão um dono, terão propriedade intelectual? Serão de livre acesso? Ou irá acontecer o mesmo que estamos vendo agora com as vacinas?”, questiona o especialista em gestão ambiental.
De acordo com a Agência de Refugiados da ONU, existem 30,7 milhões de pessoas desalojadas em todo o mundo por conta dos efeitos do clima: tiveram suas casas destruídas por inundações, queimadas ou outros fenômenos gerados pelas mudanças climáticas. A expectativa é que até 2050, cerca de 200 milhões de pessoas dependam de ajuda humanitária por conta dos efeitos da crise climática global.
“Existe um ecologismo burguês, que muito facilmente se converte em ecofascismo, mas a luta ecologista é pela justiça social, é uma luta política, pela vida em geral e também pela vida humana, para que cada ser humano possa ter uma vida digna”, conclui Antonio Malo Larrea.
Edição: Arturo Hartmann